A multiplicação dos pobres nos EUA: já são 47,8 milhões
Definitivamente, o badalado modo de vida americano (American way of life), embora ainda atraia imigrantes desesperados e imprudentes, já não é o mesmo. A pobreza avança, acompanhando a decadência de Tio Sam, alavancada pela crise e a escandalosa concentração de renda. Já atinge 47,8 milhões de pessoas, segundo números preliminares do censo de 2009, que adota novos critérios para o cálculo da pobreza.
Proporcionalmente, o número de pobres nos EUA é comparável ao do Brasil: um em cada seis habitantes; e é maior que o da China, onde há um pobre em cada nove habitantes. No Brasil, o número foi estimado em 30 milhões de pobres no ano passado; na China, onde existem 150 milhões de pobres numa população de 1,3 bilhões de pessoas, a pobreza – proporcionalmente – é menor: lá um em cada nove chineses são pobres.É preciso ressalvar que os critérios de pobreza nos três países não são semelhantes.
Idosos
Muitos pobres norte-americanos são idosos, com idade acima de 65 anos. Vivem na pobreza devido à alta dos custos médicos e de outros serviços que não são prestados pelo Estado. Nos EUA, os créditos fiscais, subsídios de alimentos e outros programas do governo ajudaram a garantir que a taxa de pobreza não aumentasse ainda mais durante a recessão de 2009, o primeiro ano de mandato do presidente Barack Obama.
Sob a nova fórmula de cálculo adotada no censo, a pobreza total em 2009 era de 15,7%, equivalendo a 47,8 milhões de pessoas. A fórmula revelou que a pobreza cresceu de forma mais intensa entre os estadunidenses maiores de 65 anos, em todos os grupos demográficos. Aumentou também entre os adultos em idade produtiva, de 18 a 64 anos de idade, bem como entre os hispânicos e os brancos. As crianças, mesmo negras, e os casais não casados mostraram menor probabilidade de pobreza, segundo a nova medição.
Devido a novos ajustes às variações geográficas do custo de vida, as regiões oeste e noroeste mostraram a maior proporção de pobres: quase um em cada cinco pessoas no oeste. A nova forma de medir não substitui a taxa oficial de pobreza, mas será publicada ao lado das tabelas tradicionais, como um “complemento” que as agências federais e estaduais poderão usar para definir suas políticas de combate à pobreza.
Os economistas há muito tempo criticam a forma oficial tradicional de medir a pobreza porque só inclui as rendas pagas antes do pagamento de impostos e não levam em conta os gastos médicos, de transporte e com o trabalho.
Crescente polarização social
O desenvolvimento do capitalismo americano ao longo das últimas décadas foi marcado pela crescente concentração da renda e polarização social. As políticas neoliberais introduzidas por Ronald Reagan no início dos anos 1980 exacerbaram o problema. O salário mínimo acumula perda 9,3% desde então. Os salários em geral não acompanharam os preços e valem hoje, em termos reais, menos do que nos anos 1970, malgrado todo o avanço da produtividade do trabalho observada desde então. O salário/hora médio se mantém praticamente no mesmo valor real desde 1964 (ao redor de 18 dólares).
Alguns economistas estimam em cerca de 30 milhões o número de trabalhadores desempregados e subempregados no país. O número oficial fica em torno de 15 milhões (o que não é pouco), mas só compreende o chamado desemprego direto, excluindo os desocupados por desalento (que não mais procuram emprego e são excluídos da população ativa) e a multidão de precarizados a viver de bicos.
Privilégios tributários
Cerca de 3,5 milhões de pessoas nos EUA, um terço das quais são crianças, não tem moradia fixa em algum momento do ano. Nada menos que 50 milhões não têm plano de saúde. O país, é preciso esclarecer, não conta com serviço público de saúde. 49 milhões de pessoas vivem em casas onde só há comida porque recebem vales-alimentação ou frequentam dispensas de comida ou restaurantes populares para obter ajuda.
Na mesma medida em que crescia a pobreza na base da sociedade, no andar de cima as coisas caminharam no sentido inverso. Isentos de impostos, os ricos ficaram ainda mais ricos. No topo, 0,01% da população ganha 976 vezes mais do que 90% dos americanos. Metade dos americanos detém somente 2,5% da riqueza nacional. O 1% mais rico, 33,8% (Institute for Policy Studies). Em 1962, esta faixa de privilegiados detinha 125 vezes mais riqueza que a família americana média. Hoje a razão é de 190 vezes.
O 1% mais rico viu sua riqueza dobrar desde 1979. Os 90% mais pobres amargaram uma diminuição da riqueza. Sua carga tributária (reduzida de forma escandalosa por George Bush) era de mais de 60% em 1968, hoje é de menos de 40%. Obama prometeu alterar o quadro, mas não teve coragem ou força suficiente e manteve as benesses tributárias concedidas pelos republicanos.
Produto da acumulação capitalista
Que os ricos gozam de incontáveis privilégios na terra de Tio Sam ficou também comprovado nas intervenções que o Estado fez na economia para contornar a crise, derramando trilhões de dólares para resgatar banqueiros e grandes capitalistas da falência e abandonando os trabalhadores à própria sorte e ao rigor cínico e implacável dos bancos na execução da dívida hipotecária. Não há o menor sinal de que a situação tende a melhor para a classe trabalhadora no país.
A realidade dos EUA não é mais nem menos que o produto perverso da acumulação capitalista (liberta pelo neoliberalismo das amarras do chamado Estado intervencionista), que reproduz em escala ampliada a desigualdade, aumentando a concentração da renda e a polarização social. Os apologistas do império, que apresentam a decadente potência capitalista como a maior democracia de todos os tempos e terra de grandes oportunidades para quem nela queira se aventurar, certamente não têm o que falar sobre os indicadores que sinalizam o “milagre” da multiplicação dos pobres no interior do país mais rico e poderoso do mundo
Do Vermelho (Umberto Martins e José Carlos Ruy, com agências)