A paz revolucionária
Guerra no Oriente Médio aprofunda risco de pobreza para milhões de trabalhadores e amplia de forma dramática o risco de uma instabilidade global
Por Jamil Chade, especial para a Tribuna Metalúrgica
“O ato essencial da guerra é a destruição, não necessariamente de vidas humanas, mas dos produtos do trabalho humano. A guerra é uma forma de despedaçar, ou despejar na estratosfera, ou afundar nas profundezas do mar, materiais que, de outra forma, poderiam ser usados para tornar as massas muito confortáveis e, portanto, a longo prazo, muito inteligentes”.
O alerta faz parte da obra 1984, de George Orwell, e uma vez mais parece se confirmar no dramático capítulo que se abre na guerra entre Israel e palestinos.
Desde sábado, centenas de civis foram mortos e a vida para muitas famílias colocadas em compasso de espera, enquanto crimes de guerra e crimes contra a humanidade eram executados.
Mas como ocorre em todos os conflitos armados, a classe trabalhadora está entre as principais vítimas, de ambos os lados da fronteira. Desde a ofensiva do Hamas, ruas de comércio tanto nas cidades israelenses como na Faixa de Gaza estão desertas. Lojas e estabelecimentos fechados, sem data para voltar a funcionar.
Do lado israelense, empresas emitiram comunicados a seus trabalhadores para que não saíssem de casa. Mesmo multinacionais como a rede varejista H&M fechou temporariamente todas as lojas em Israel, deixando centenas de trabalhadores sem saber se conseguirão manter suas rendas.
A fabricante LG Electronics chamou de volta os trabalhadores sul-coreanos do escritório da empresa em Tel Aviv. Trabalhadores ainda das companhias aéreas dos EUA, incluindo American Airlines, Delta Air Lines e United Airlines, foram informados de dezenas de voos foram cancelados. O setor do turismo religioso também já prevê perdas profundas, com o cancelamento de rotas de navios de cruzeiro e dezenas de grupos de todo o mundo que visitam Jerusalém e outras áreas sagradas para cristãos, muçulmanos e judeus.
No lado palestino, a situação é ainda mais grave. Sob o bloqueio de Israel há 16 anos, Gaza já vivia uma situação humanitária considerada como crítica e a pobreza e a fome dominavam seus 2 milhões de habitantes.
Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), as taxas de pobreza na comunidade de refugiados palestinos, que constituem a maioria da população de Gaza, estão em torno de 81,5%. O PIB per capita de Gaza – de cerca de US$ 1 mil por ano – é atualmente quatro vezes menor do que o dos países vizinhos ou mesmo o da Cisjordânia.
Antes mesmo dos ataques deste sábado, a ONU alertava que 80% da população é dependente de assistência humanitária. Três em cada quatro habitantes de Gaza dependem de assistência alimentar emergencial e, apesar desse apoio, a taxa de insegurança alimentar grave aumentava.
A taxa de desemprego era de 47%, sendo que a taxa geral de desemprego entre os jovens atingia 64%.
Agora, o cerco imposto por Israel suspendeu o abastecimento de água para 610 mil palestinos, atingiu 5,3 mil prédios. Energia elétrica apenas existe durante três ou quatro horas por dia, impedindo que milhares de pessoas possam trabalhar.
Os relatos ainda apontam como são os trabalhadores palestinos, uma vez mais, que sofrem com a queda inevitável da renda, o aumento da pobreza, o desaparecimento de postos de emprego e até mesmo com atos de vingança.
Nos primeiros dias da nova etapa da crise, seis trabalhadores palestinos de hospitais na Faixa de Gaza foram mortos, incluindo enfermeiras e motoristas de ambulâncias.
Dois dias depois da ofensiva do Hamas, as forças israelenses agrediram 11 trabalhadores palestinos da Faixa de Gaza e que atuavam em pequenas cidades de Israel, inclusive em Safad. Eles foram agredidos, forçados a se despir e deixados presos no posto de controle de al-Jalama, ao norte de Jenin.
Trabalhadores tailandeses que atuam em Israel, diante da escassez de mão de obra, também foram transformados em vítimas, desta vez pelo Hamas. A denúncia das autoridades locais é de que esses cidadãos tailandeses foram sequestrados no sul de Israel, perto da Faixa de Gaza, enquanto trabalhavam.
No momento, a embaixada tailandesa está coordenando com as autoridades em Israel para confirmar as seguintes informações sobre os cidadãos tailandeses em Israel: uma morte, oito feridos e 11 pessoas capturadas”, disse Parnpree Bahiddha-Nakara, ministro das Relações Exteriores da Tailândia.
Centenas de outros palestinos que diariamente cruzam as fronteiras para trabalhar para os israelenses, inclusive no campo, foram obrigados a serem escoltados para impedir que fossem agredidos.
Em todas as previsões feitas nestes primeiros dias de guerra por parte da ONU, a constatação é de que o impacto econômico da nova etapa do conflito será profundo, sob o risco de se transformar em um êxodo massivo de pessoas que ficarão sem trabalho, renda e casa.
Nos bastidores, governos da região e potências como EUA, França e China tentam negociar para evitar uma escalada e até mesmo a transformação da crise em uma guerra regional.
Mas, nos corredores da ONU, a constatação é de que, depois de dois anos de pandemia da Covid-19 e um ano e meio de guerra na Ucrânia, a violência agora em Gaza e Israel amplia a instabilidade internacional de uma maneira inédita, em mais de 20 anos.
Imobilizado diante de um racha profundo entre as potências, o Conselho de Segurança da ONU apenas observa o mundo atravessar um dos seus momentos mais delicados e que pode ter consequências econômicas nos quatro cantos do mundo.
Se não bastasse, com estratégias de punição coletiva sobre populações inteiras, governos enterram as chances de que a comunidade internacional possa atingir seus objetivos de erradicar a pobreza extrema e a fome até 2030.
O mais dramático, porém, é que esses conflitos revelam que jamais foi a falta de recursos que impediu que o trabalhador saísse de uma situação de miséria. Apenas nos 12 meses do ano de 2022, os gastos com armas no mundo atingiram US$ 2,2 trilhões, valor suficiente para erradicar a fome e pobreza, um velho sonho de cada trabalhador.
Mais do que nunca, líderes precisam assumir suas responsabilidades e convocar ao diálogo para buscar caminhos para a paz. Não a paz do vencedor. Mas o entendimento que permita que os grandes desafios da humanidade possam ser lidados, antes que seja tarde demais.
Em 2023, fazer a paz é o verdadeiro ato revolucionário.