Aborto: Sindicato defende amplo debate social

Médico e coordenador do Departamento de Saúde do Trabalhador do Sindicato, Théo Oliveira afirma que as críticas à descriminalização do aborto prevista no 3° Programa Nacional de Direitos Humanos são resultado da falta de debate sério e sem preconceitos e da desinformação sobre o tema, além da influência da Religião

 

A descriminalização do aborto, alvo das mais severas críticas dos setores conservadores, consta do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH), em decreto publicado em dezembro pelo governo federal.

O médico Théo de Oliveira, coordenador do Departamento de Saúde do Trabalhador do Sindicato, afirma que essa oposição ao tema se deve à falta de um debate sério e livre de preconceitos, à desinformação e, sobretudo, pela influência da religião sobre assuntos de Estado. Em entreista à Tribuna Metalúrgica que será distribuída nesta quarta-feira (27), Théo responde a várias questões sobre o tema. Leia abaixo:

Por que tanta resistência em se discutir o aborto se ele é praticado em vários países, inclusive no Brasil?

O tema aborto é sinônimo de polêmica em praticamente todos os países do mundo. Na maioria das sociedades, essa discussão tem ocorrido de forma a superar os conflitos e com uma tendência em descriminalizar a prática do aborto, encarando-o como uma questão de saúde pública. É uma posição com a qual eu, como médico, assessor de saúde do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e cidadão brasileiro, tenho profunda identificação.

No Brasil, parece que nossa sociedade tem dificuldade de conciliar o processo de convivência com as diferenças, as necessidades e os interesses das minorias. Outra dificuldade é a ideia de debater ampla e democraticamente as questões que envolvem mudanças e avanços sociais que privilegiem os mais pobres, pois a questão do aborto só é problema para os mais pobres. Embora proibida por lei, a prática do aborto está à disposição de todos aqueles que tem condições de pagar pelo procedimento, obviamente clandestino, mas praticado de forma regular em clínicas particulares especializadas em todo o País.

Por que tanta resistência em se discutir o aborto se ele é praticado em vários países, inclusive no Brasil?

O tema aborto é sinônimo de polêmica em praticamente todos os países do mundo. Na maioria das sociedades, essa discussão tem ocorrido de forma a superar os conflitos e com uma tendência em descriminalizar a prática do aborto, encarando-o como uma questão de saúde pública. É uma posição com a qual eu, como médico, assessor de saúde do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e cidadão brasileiro, tenho profunda identificação.

No Brasil, parece que nossa sociedade tem dificuldade de conciliar o processo de convivência com as diferenças, as necessidades e os interesses das minorias. Outra dificuldade é a ideia de debater ampla e democraticamente as questões que envolvem mudanças e avanços sociais que privilegiem os mais pobres, pois a questão do aborto só é problema para os mais pobres. Embora proibida por lei, a prática do aborto está à disposição de todos aqueles que tem condições de pagar pelo procedimento, obviamente clandestino, mas praticado de forma regular em clínicas particulares especializadas em todo o País.

Para uma elite existe ainda a possibilidade de praticar o aborto numa viagem de férias para países da Europa ou da América do Norte, aonde a prática é legal.

Dessa forma, o debate se restringe ao acesso dos mais pobres ao aborto e lidar com as milhares de complicações e mortes de mulheres vítimas de abortos caseiros, realizados por curandeiros e curiosos em condições precárias de higiene ou provocados por medicamentos proibidos, mas que são contrabandeados e vendidos livremente.

Diante dessa realidade, não há como continuar impedindo um amplo debate nacional sobre a descriminalização do aborto. Essa tem sido a posição das igrejas de modo geral e dos setores mais conservadores da elite brasileira, que acha que tem o direito de saber e decidir o que é melhor para todos, mas não pratica aquilo que exige dos demais.

Qual a discordância entre o Ministério da Saúde e os que sã contra o aborto?

A principal oposição à descriminalização do aborto parte dos segmentos religiosos. As igrejas sequer admitem discutir a questão. Colocam a vida como um meio para atingir o fim, que é a manutenção da proibição. É um erro. A vida humana não pode ser utilizada como meio para obter fins políticos ou religiosos. A vida humana é fim em si mesma. Além disso, antes da vida futura, que do ponto de vista legal e constitucional só se legitima no nascimento, há que se levar em conta a vida presente, que pode ser salva, preservada e até preparada para uma maternidade mais consciente e responsável no futuro. Todo o barulho que os religiosos fazem diante de uma perspectiva de aborto para preservar uma vida não resiste a poucas semanas após ao nascimento. E o que resta é a miséria, a desnutrição e o abandono dessas pessoas, mãe e filho.

Outra questão é que o Brasil é um Estado democrático e constitucionalmente laico. Ser democrático significa respeitar e preservar os direitos das minorias, uma vez que o desrespeito às minorias é uma característica de Estados totalitários. Ser laico significa que o Estado respeita e defende a liberdade dos cidadãos na escolha ao culto religioso, à crença e à fé. Significa, igualmente, que as religiões devem restringir suas ações ao campo religioso, não interferindo nas questões de Estado. Assim como a descriminalização do aborto não obrigará nenhuma mulher que não queira, por qualquer motivo, religioso ou não, realizar um aborto, as igrejas não devem interferir na liberdade de uma cidadã brasileira decidir sobre sua vida, seu corpo e seu futuro.

O Estado brasileiro, ao colocar para a sociedade o debate sobre a descriminalização do aborto, cumpre apenas o seu dever constitucional de garantir ações de saúde pública abrangentes a todos os segmentos sociais. E esse deve ser o foco do debate.

Os críticos afirmam que a descriminalização do aborto vai torná-lo uma prática comum. Isso é verdade?

Diziam o mesmo sobre o divórcio. A instituição do divórcio não aumentou sua prática, apenas trouxe para o mundo real e legal casamentos e separações que viviam em absoluta e hipócrita marginalidade. Da mesma forma, a descriminalização do aborto não vai aumentar ou disseminar sua prática. Vai, sim, trazer para a realidade um submundo de práticas clandestinas que dão muito lucro a uns poucos, causam muita dor às vítimas e um enorme custo social e econômico para o País. Esse pensamento não leva em conta o enorme custo psíquico que é para uma mulher decidir a respeito de um aborto. Para a esmagadora maioria das mulheres, optar por fazer um aborto é uma decisão que só é tomada depois de um amplo embate psíquico e diante de uma realidade que aponte essa como a única e melhor saída diante do que ela espera e deseja para sua própria vida.

Os contrários ao aborto alegam que ele equivale a eliminação de uma vida. Quando começa a vida?

Falar em eliminação de uma vida sem fazer um amplo debate filosófico a respeito da vida é leviano. Então, para não se perder uma vida perde-se duas? E de que vida eles estão falando? E o que é estar vivo apenas biologicamente como qualquer animal, não como um ser vivo humano com todo pressuposto de cidadania, de dignidade e de sociabilidade? A vida humana difere das outras vidas.

Por isso, é preciso um debate amplo e sério que provoque uma profunda reflexão para que as muitas opiniões se consolidem. Os críticos tentam passar a descriminalização do aborto como um oba-oba irresponsável e consentido, e isso não é verdade. Justamente para isso precisamos do debate, pois a partir dele a sociedade estabelecerá os limites, as exigências e as etapas legais a serem cumpridas para se obter um aborto legal. Hoje em dia, essas etapas e condições estão muito simples, basta ter disposição e dinheiro. Dentro de uma norma legal para o aborto outras exigências teriam de ser consideradas.

O sistema público de saúde será capaz de desenvolver um serviço efetivo de atenção à saúde da mulher?

Em relação à capacidade do sistema público de saúde dar uma atenção completa e de boa qualidade à saúde da mulher, vale lembrar que hoje é ele que arca com o tratamentos das gravíssimas complicações que resultam dos abortos clandestinos. E realizar abortos dentro de critérios técnicos adequados é um procedimento mais simples, mais barato e seguro. E há ainda um custo que não se consegue dimensionar. É o custo das milhares de vidas das nossas mulheres, brasileiras, jovens, cheias de força e de esperança, mas pobres, que se perdem na clandestinidade e na hipocrisia de uma sociedade que se recusa fazer o debate. Vidas reais e não vidas futuras e hipotéticas.

Qual a posição do Sindicato?

O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que por vocação é a favor da democracia, defende um amplo debate com todos os segmentos sociais. A diretoria do nosso Sindicato acredita que esse debate deve estar nas universidades, nos meios de comunicação, nas igrejas, nas organizações sociais, nos bairros, nas fábricas, nas escolas e nas famílias, sem preconceito.

 Da Tribuna Metalúrgica