Acordos salariais estão mais fáceis e com ganho real maior, diz jornal
"Os sindicatos estão encontrando outro ambiente para negociar, bem diferente do ano passado quando as incertezas da crise econômica preocupavam o empresariado", diz Dieese, para quem a inflação menor também contribui
O ano de 2010 começou com perspectivas melhores para os trabalhadores. A combinação de baixa inflação e expectativa de crescimento da economia está resultando em campanhas salariais vitoriosas, com negociações mais rápidas, sem greves, e com aumentos reais superiores aos negociados em 2009. Os reajustes acima da inflação – obtidos por categorias com data-base em janeiro e fevereiro – variam de 0,8% a quase 4%, e os acordos estão sendo fechados com até um mês e meio de antecedência em relação a 2009.
“Os sindicatos estão encontrando outro ambiente para negociar, bem diferente do ano passado quando as incertezas da crise econômica preocupavam o empresariado”, diz o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio. Também contribui a menor inflação. Nos 12 meses terminados em dezembro ou janeiro, ela ficou entre 4,11% e 4,36%, bem abaixo da inflação superior a 6% de igual período do ano passado.
Para Lúcio, a tendência para 2010 é que as greves ocorram para buscar mais benefícios, e não para impedir perdas. “Trabalhamos com perspectiva de crescimento econômico de 5% a 6% neste ano, e isso eleva a disputa por mão de obra, pressionando os salários”, diz. Dessa forma, é possível que o número de categorias a conseguirem ganhos reais fique acima dos 77% do ano passado (primeiro semestre).
Na Bahia, os trabalhadores da construção conseguiram o maior índice de reajuste entre os setores levantados pelo Valor, de 8%, considerando uma inflação de 4,11% no período. Para o piso, o reajuste foi de 10%. No ano passado, o aumento foi de 9,68%, mas como a inflação foi maior, o ganho real ficou abaixo do de 2010.
Segundo Raimundo Brito, presidente do Sintracon-BA, entidade que representa a categoria, o crescimento do mercado mobiliário foi determinante para o resultado. “As empresas não tinham como negar o crescimento e, como há muitos imóveis sendo entregues, uma greve ia complicar muito a situação”, diz. Os empregados chegaram a indicar uma greve para o dia 22 de fevereiro, mas conseguiram fechar acordo três dias antes. No ano passado, o acordo foi fechado só em 25 de março. Além do reajuste real, a categoria conquistou plano de saúde e aumento da cesta básica de R$ 45 para R$ 70.
No Ceará, os comerciários conseguiram aumento de 7,75% e reajuste do piso salarial de R$ 465 para R$ 560. Em Franca, no interior de São Paulo, as negociações estão travadas por conta de um problema jurídico. Há dois sindicatos representando os trabalhadores, e enquanto não ficar definido qual entidade ficará à frente da negociação, as empresas vão dar apenas a reposição da inflação.
O reajuste de 5,5% foi considerado importante pelos trabalhadores do segmento de artefatos de couro de Franca (SP) por garantir ganho real, mas a categoria esperava mais num ano de crescimento do setor. Segundo Carmem Silva, presidente do sindicato dos funcionários, a reivindicação inicial era de alta de 12%. “Tínhamos uma expectativa melhor, porque, pelo que acompanhamos, as empresas estão bem e contratando.” O acordo foi fechado um mês e meio antes da data de assinatura de 2009, o que mostra uma maior disposição de negociação das partes.
De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Construção Civil e Fibrocimentos de Criciúma e Região, os 4,9 mil funcionários da categoria vão receber aumento de 6,11% – 2% de ganho real somados aos 4,11% de reposição da inflação pelo INPC. “As indústrias estão em boa fase e conseguimos um aumento razoável”, opina Itaci Sá, presidente da entidade.
O presidente do Sindicato das Indústrias de Cerâmica Para Construção e de Olaria de Criciúma (Sindiceram), Ottmar Müller, explica que “o cenário econômico está bem mais claro do que no ano passado, por isso, proporcionalmente, o aumento real foi maior”. Em 2009, os trabalhadores da categoria receberam 7,9% – 1,6% de aumento real e 6,2% do INPC.
Este ano, o maior ganho foi no salário de admissão da categoria, que subiu 12% e atingiu R$ 680. Ele vale por 120 dias. Depois, o trabalhador passará a receber R$ 865, de acordo com o novo acordo.
Os trabalhadores têxteis de Joinville, que fecharam acordo em fevereiro, tiveram aumento de 5,16% – 4,36% de INPC no período e 0,8% de ganho real. Em 2009, o reajuste foi de 7%: 6,46% de INPC e 0,57% de ganho real. Segundo o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da categoria, Livino Steffens, o maior ganho incidiu sobre o piso de experiência, válido por 90 dias no momento da contratação do trabalho. Ele passou de R$ 534,60 para R$ 618, 20, equiparando-se ao piso de contratação definitiva. Segundo Livino, a aprovação do mínimo regional – que começou a valer em janeiro e estabeleceu o piso de R$ 616 para a categoria – influenciou no aumento.
Os 18 mil metalúrgicos de Jaraguá do Sul (SC) e região vão receber 6% de reajuste em 2010. O acordo fechado em janeiro concedeu 4,11% de INPC e 1,89% de ganho real. Em janeiro do ano passado, o acordo foi fechado em 8% – 1,67% de ganho real e 6,33% de inflação.
A primeira negociação salarial fechada em 2010 em Curitiba também resultou em ganho real . Os vigilantes patrimoniais nem precisaram fazer greve para conseguir reajuste de 4,6% no piso da categoria, 39% de aumento no adicional de risco e 9% na ajuda para alimentação, que resultou num ganho total de 7,42%, acima da inflação de 4,36%, acumulada de fevereiro de 2009 a janeiro de 2010.
Sandro Silva, economista do Dieese, explica que muitas categorias não têm adicional de risco e alimentação previstos na convenção coletiva, como no caso dos vigilantes, mas mesmo assim são esperados bons resultados nas negociações que virão pela frente. “A expectativa que temos é de aumento de patamar de ganho real”, diz ele, citando a recuperação da economia como fator que deve favorecer os trabalhadores.
Com data-base em 1º de fevereiro, os trabalhadores nas indústrias de calçados de Sapiranga, no Rio Grande do Sul, aceitaram na semana passada a proposta de aumento real de 1,72% apresentada pelas empresas do setor. O ganho é o maior das três últimas negociações (ela havia sido de 0,98% em 2009 e de 1,29% em 2008), mas o índice total caiu em relação ao ano passado, devido à desaceleração do INPC no acumulado dos últimos 12 meses, para 4,36%.
Conforme o assessor da diretoria do Sindicato dos Sapateiros da cidade, Adelino Frank, o reajuste somou 6,15%, ante 7,41% no ano passado, quando o INPC alcançou 6,43%. O acordo foi fechado após três reuniões com o Sindicato das Indústrias de Calçados de Sapiranga e vale também para os municípios de Nova Hartz e Araricá. As calçadistas da região empregam cerca de 20 mil pessoas.
No início das negociações, os trabalhadores pediram um reajuste total de 10%, mas as empresas ofereceram 4,75%. Segundo o diretor do Sindicato dos Sapateiros, Hermes Tavares dos Santos, apesar do cenário mais favorável no mercado interno, as indústrias ainda alegavam perdas nas exportações para justificar a oferta modesta. Funcionários de algumas empresas chegaram a realizar paralisações de cinco minutos a um dia para pressionar por um aumento maior, disse o sindicalista.
Santos admite que em 2009 houve “mais demissões do que contratações” no setor na cidade, mas no fim do ano a situação começou a melhorar. Segundo ele, nos dois últimos meses as empresas recorreram a carros de som, cartazes em bares e anúncios em rádios locais para buscar mão de obra. Após atingir pico de 743 em agosto, o número de rescisões homologadas pelo sindicato começou a cair em setembro e em janeiro atingiu o menor patamar em 11 meses, com 95 demissões, ante 189 em igual período de 2009.
Os empregados do setor moveleiro de Bento Gonçalves, também com data-base em fevereiro, assinam hoje o acordo com as empresas. De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário, Ivo Vailatti, a categoria terá reajuste total de 5,75%. O índice representa ganho real de 1,33%, ante 0,82% em 2009, mas ainda abaixo do 1,56% obtido em 2008.
“O setor está mais aquecido e a por isso conseguimos um acordo melhor do que o do ano passado”, explicou Vailatti. Segundo ele, o piso da categoria, para jornada mensal de 220 horas, teve aumento real de 2,5%, ante 2% em 2009. Com o reajuste total de 7%, a menor remuneração subiu para R$ 665, válida para funcionários contratados há até dois meses. De dois a seis meses de contrato, o piso subiu para R$ 700 e, acima disso, para R$ 780.
Valor Econômico