Acusados de matar trabalhadores sem-terra vão a júri popular
Na próxima terça-feira (14), acontece o júri dos acusados de assassinar os trabalhadores rurais Vanderlei das Neves (16), José Alves dos Santos (34) e da tentativa de assassinato de mais quatro trabalhadores em Laranjeiras do Sul, região Sudoeste do Paraná.
Os crimes ocorreram em 16 de janeiro de 1997, numa emboscada na fazenda Pinhal Ralo, em Rio Bonito do Iguaçu/PR, área grilada pela empresa Giacomet Marodin (atual Araupel). Apesar dos pistoleiros acusados dos assassinatos serem funcionários da empresa na época, a empresa e seus proprietários nunca foram responsabilizados.
O júri já foi cancelado oito vezes desde 1997, sem qualquer motivo plausível para esse fato. No Paraná, a morte do jovem Vanderlei das Neves é apenas o segundo caso de assassinato de trabalhadores rurais sem-terra que vai a júri, apesar do alto número de assassinatos no campo. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que entre 1998 e 2009, no Paraná, houve o assassinato de 19 trabalhadores rurais sem-terra.
A acusação feita pelo Ministério Público, que será assessorada pelo Dr. Luiz Eduardo Greenhalgh, aponta que os assassinatos ocorreram em retaliação à maior ocupação de terras da história da América Latina. A fazenda foi ocupada por 3 mil famílias no dia 17 de abril de 1996, em ação imortalizada na foto mundialmente conhecida de Sebastião Salgado, na qual um homem empunha vigorosamente a foice rompendo uma porteira.
Nove meses depois da ocupação, os assassinatos aconteceram, exatamente, no mesmo dia em que o então presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, assinou o decreto de desapropriação de pouco mais de 16 mil dos 87 mil hectares da fazenda. Hoje, grande parte dessas terras foi retomada pela União em ações judiciais que reconheceram irregularidades nos registros imobiliários, e foram transformados em assentamentos rurais.
O cenário de violência e impunidade que marcou a história da luta pelos Direitos Humanos no Brasil encontra neste julgamento um caso emblemático que merece uma resposta do Poder Judiciário à altura das vidas dos dois trabalhadores sem terra assassinados. A memória dos mártires brasileiros da luta pela terra fortalece a mobilização social em mais um dia 10 de Dezembro, no qual se celebra o Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Os assassinatos
Os sem-terra foram atacados enquanto trabalhavam em uma plantação de milho, tinham em mãos os instrumentos de trabalho e marmitas. Além de Neves (16) e Santos (34), que morreram no local, José Ferreira da Silva (38) foi ferido com um tiro de raspão no olho. Outros trabalhadores que estavam no local conseguiram fugir se embrenhando no meio do mato.
Depois do crime, a empresa alegou em nota que foram encontrados na região da fazenda vários animais silvestres abatidos, e a versão da Giacomet Marodin era de que havia acontecido um embate entre trabalhadores e caçadores da região. Porém, o delegado responsável pelas investigações, Sebastião Ramos, não encontrou qualquer vestígio dessas caças.
Além disso, as cápsulas das balas encontradas no local eram de armamentos pesados. Havia restos de munição de calibre 22, 12, 357 e de um fuzil 762, arma de uso exclusivo da Polícia Militar e do Exército. Durante as investigações policiais também ficou evidente que a empresa mantinha uma verdadeira milícia armada na região, composta inclusive por ex-integrantes da polícia.
Histórico de violência
Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que entre 1998 e 2009, no Paraná, houve o assassinato de 19 trabalhadores rurais sem-terra. O fato de apenas um caso ter sido julgado na história da justiça paranaense demonstra que há uma demora injustificável na ação da justiça quando os processos envolvem a morte de membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Isso reproduz um estado de impunidade que alimenta a violência contra pequenos agricultores ao longo da história do Brasil.
Como está a área hoje
Cerca de metade dos mais de 87 mil hectares da fazenda Pinhal Ralo são utilizados hoje para fins de reforma agrária. O Incra tem em tramitação na justiça uma Ação Anulatória de Registro de Imóveis, porque descobriu que área da Giacomet Marondin é resultado de um processo de grilagem de terras.
Da Terra de Direitos, via MST