África vê ascensão de sua classe média
Por toda a África subsaariana, a alta demanda de consumo está impulsionando as economias do continente de novas maneiras, suscitando a esperança de que a África se torne uma história de sucesso nos próximos anos, comparável à ascensão dos Tigres Asiáticos na segunda metade do século 20.
Após anos de expansão econômica ininterrupta por toda a África, governos, analistas e investidores estão mirando os consumidores e trabalhadores desse continente em rápido crescimento, em vez de apenas acompanhar as oscilações habituais nos preços das matérias-primas que guiaram os ciclos anteriores de pujança e declínio.
Em seu relatório anual divulgado em maio, o Banco Africano de Desenvolvimento previu que os investimentos estrangeiros na África bateriam um recorde este ano, chegando a US$ 80 bilhões (R$ 175 bi), com a maior parte do dinheiro destinada a iniciativas industriais, e não à extração de recursos minerais.
“O desenvolvimento é real e, além disso, muitas oportunidades comerciais estão surgindo”, comentou Simon Freemantle, do Standard Bank local.
As economias da África dão munição estatística para pessimistas e otimistas. O crescimento é irregular. A desigualdade está aumentando em muitos lugares. Milhões de pessoas ainda vivem em extrema pobreza.
A classe média está em rápida expansão em todo o continente, mas a população aumentou tanto que o número absoluto de africanos pobres também subiu. Restaurantes de sushi em Dacar, no Senegal, e cafés elegantes em Kigali, em Ruanda, não têm impacto positivo sobre as vidas dos agricultores humildes no interior.
Um sinal de confiança é o êxito dos países africanos em atrair capital internacional. Apesar dos recentes ataques terroristas, no mês passado o Quênia vendeu títulos da dívida no valor de US$ 2 bilhões (R$ 4,4 bi) para investidores internacionais, e parte desse montante será usada para financiar projetos de infraestrutura.
As exportações da África subsaariana subiram de US$ 68 bilhões para mais de US$ 400 bilhões de 1995 a 2012. Desse total, US$ 300 bilhões vieram de recursos naturais e da extração de petróleo, gás natural, metais preciosos e diamantes.
No entanto, o crescimento acelerado também se deve a outros setores. Na África do Sul, por exemplo, a classe média negra agora gasta mais que os brancos do mesmo segmento.
Desprezados durante décadas, os consumidores negros desse país gastavam seu dinheiro na economia paralela, comprando produtos básicos como sabão, sal e leite em lojas de conveniência informais chamadas “spaza”. Durante os anos sombrios do Apartheid, os avós de Itumeleng Mothibeli tiveram uma dessas lojas em uma “township”, que era o tipo de periferia na qual os negros viviam praticamente confinados pelo regime racista.
Hoje, Mothibeli administra 14 shopping centers para a Vukile Property Fund, cujo alvo é o mercado representado pelas periferias. “Antigamente, havia catedrais no centro das cidades”, disse Mothibeli, 30, enquanto dirigia um Toyota Corolla dourado no estacionamento do shopping Daveyton. “Hoje em dia há shopping centers.”
Em 2011, o Banco Africano de Desenvolvimento introduziu um elemento surpreendente no debate sobre a ascensão africana, com um relatório apontando que a classe média africana saltou de 126 milhões de pessoas em 1980 para 350 milhões em 2010. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico divulgou em 2010 que esse número era de apenas 32 milhões. Uma explicação para a diferença é que o Banco Africano de Desenvolvimento já considera quem ganha no mínimo US$ 2 por dia como pertencente à classe média.
“O futuro está ligado a essa classe média baixa que se expande rapidamente”, disse Staffan Canback, diretor-executivo da consultoria Canback & Company, que faz negócios na África há décadas. Ele se referia às pessoas com dinheiro de sobra para pequenos pacotes de detergente ou para economizar o suficiente para comprar sapatos de uma marca famosa.
“Está surgindo uma classe média até em lugares como Angola”, comentou Canback.
Atentas às oportunidades, grandes empresas estão ansiosas para entrar no mercado africano. Em abril, a rede hoteleira Marriott fechou negócio para comprar o Protea Hospitality Group da África do Sul, que tem 116 hotéis. Empresas de vestuário como Forever 21 e a sueca H&M pretendem abrir suas primeiras lojas aqui.
A Nigéria talvez seja o país que ilustre melhor as armadilhas e oportunidades do continente africano. Embora haja estimativas de que o país crescerá 7,3% neste ano e no próximo, os crimes cometidos pelo grupo extremista Boko Haram estarrecem o mundo.
Adewale Opawale, da Strategic Research and Management Insight, em Lagos, disse ter testemunhado uma mudança drástica não só na quantidade de carros nas ruas e de aviões que decolam do aeroporto internacional da maior cidade do país, como também na maneira de fazer negócios.
Os consumidores estão deixando de usar dinheiro nas compras e fazendo mais pedidos a redes de varejo on-line com seus smartphones. “O mercado de consumo nigeriano oferece muitas oportunidades”, afirmou ele. “A Nigéria está em vias de se tornar uma das 20 maiores economias do mundo.”
No entanto, não há uma distribuição igualitária dos ganhos comerciais entre a sociedade e o continente. Um estudo sobre as principais marcas africanas descobriu que, das 25 maiores, apenas uma não era da Nigéria ou da África do Sul.
O modo de distribuir os dividendos do crescimento é tão importante quanto as médias nacionais que mascaram a desigualdade profunda. A meta é uma ampla melhora na qualidade de vida das massas, a qual tem sido impalpável. Isso significa mais empregos na indústria e em serviços e menos na agricultura de subsistência.
Se os governos do continente estiverem à altura desse desafio, não há dúvida de que um forte impulso empreendedor já está fazendo a África avançar.
“Há uma determinação surpreendente para progredir”, disse John Simpson, do Instituto Unilever de Marketing Estratégico na Universidade da Cidade do Cabo. E acrescentou: “É um desejo inexorável de ganhar mais, progredir e ter uma vida melhor”.
Do New York Times