Alemanha também adota o salário mínimo

Em discussão há mais de 15 anos, o salário mínimo foi aprovado pelo Parlamento no início do mês na Alemanha. A partir de janeiro, esse piso será de € 8,50 por hora, o equivalente a R$ 4.080 reais em 40 horas trabalhadas por mês – o sexto maior valor pago dentro da União Europeia, atrás de Luxemburgo (€ 11,10), França (€ 9,53) e Bélgica (€ 9,10). A nova lei deverá excluir parte dos jovens e, até 2017, alguns grupos considerados mais sensíveis ao desemprego, como taxistas, entregadores de jornais e funcionários de call center. Especialistas divergem sobre o impacto da medida na economia, mas concordam ser improvável que ameace a competitividade da indústria alemã, que já paga salários mais altos.

Até pouco depois da reunificação, nos anos 1990, o salário mínimo era rechaçado pelos próprios sindicatos, que tinham grande poder de barganha e conseguiam condições de trabalho mais vantajosas nos contratos por categoria, explica Joachim Möller, diretor do Institut für Arbeitsmarkt- und Berufsforschung (Instituto para Pesquisa do Emprego e do Trabalho). A queda do Muro, contudo, apresentou às indústrias da metade ocidental a mão de obra barata do Leste e, alguns anos depois, a criação da União Europeia abriu as fronteiras para trabalhadores vindos de países como Polônia e República Tcheca.

Com a expansão dos setores de serviços e comércio, menos sindicalizados, a cobertura dos acordos coletivos passou de 80% do total da força de trabalho, no começo dos anos 1990, para os atuais 60%, afirma Thorsten Schulten, pesquisador do Wirtschafts-und Sozialwissenschaftliches Institut – WSI (Instituto de Economia e Ciências Sociais), com sede em Düsseldorf. “Os países escandinavos, por exemplo, também não têm salário mínimo regulamentado, mas a cobertura dos acordos ainda é superior a 90%”, diz.

Estatísticas do Deutsches Institut für Wirtschaftsforschung (DIW), um dos principais institutos independentes de pesquisa econômica da Alemanha, mostram que cerca de 5,2 milhões de trabalhadores – aproximadamente 15% do total – ganham menos do que € 8,5 por hora. O percentual é maior entre as mulheres (20%), entre os jovens com até 24 anos (37%) e no Leste do país (23%).

Agora beneficiada, a ilustradora Urte von Maltzahn-Lietz comemora a nova lei. Aos 42 anos, poucas vezes ela conseguiu ganhar o salário médio na Alemanha – até o ano passado, uma agência de marketing pagava-lhe € 2,50 por hora. Quando nasceu, sua Rostock natal, próxima ao mar Báltico, pertencia à República Democrática Alemã (RDA) e suas escolas seguiam, portanto, o modelo soviético de ensino. O currículo escolar praticamente perdeu a validade depois da reunificação em 1990, conta, quando ela completava 18 anos. Urte gastou anos nos processos de obtenção de equivalência de diploma e diz que a competição por vagas para trabalhadores qualificados sempre foi desigual entre os que frequentaram as escolas na parte oriental e ocidental.

Karl Brenke, pesquisador do DIW, estima que em torno de 100 mil trabalhadores poderão perder o emprego já no próximo ano, com a vigência da nova lei, especialmente aqueles com pouca qualificação ou que desempenham “minijobs”, empregos com salários de até € 450 mensais, isentos de encargos e com jornada diária flexível.

O Deutsche Bank prevê perdas entre 450 mil e um milhão de postos de trabalho com a adoção do salário mínimo e alerta para um possível aumento de custos para a grande indústria, por causa do impacto da medida entre os prestadores de serviços. Representados por sindicatos bastante expressivos, os trabalhadores da indústria alemã já ganham em média mais do que o futuro mínimo.

Em relatório divulgado no fim do ano passado, o economista-chefe da instituição, David Folkerts-Landau, chamou atenção para a importância do setor de baixa remuneração – aquele que paga até dois terços do salário médio de um país, de acordo com a definição da Organização Mundial do Trabalho (OIT) – para o que considera o sucesso do “modelo alemão” de mercado de trabalho. Folkerts-Landau se refere às extensivas reformas introduzidas em 2003 pelo então chanceler Gerard Schröder (SPD), às quais se atribui a redução da taxa de desemprego de 11% em 1998, quando assumiu, para 6,9% em 2013.

As medidas, conhecidas por Hartz, em alusão ao nome de Peter Hartz, presidente da comissão que fez as recomendações de mudança ao governo, resultaram em transformações significativas no Estado de bem-estar social, como a flexibilização das regras para a extinção e criação de novos postos – os minijobs, por exemplo – e a maior rigidez no processo de concessão de benefícios como seguro-desemprego.

“A Alemanha é vista hoje como um país de baixos salários”, afirma Möller. Estima-se que um quinto da força de trabalho receba, por hora, menos que dois terços dos € 9,62 pagos, em média, no país. De acordo com pesquisa do WSI, o setor de baixa remuneração da Alemanha é o sétimo maior entre os países da União Europeia. Para o pesquisador, as reformas de Schröder ajudaram a elevar a participação de mulheres e idosos no mercado e resolveram o problema, na época persistente, do desemprego. Mas criaram vagas precárias e ajudaram a aumentar a desigualdade no país.

Prevê-se perda de até um milhão de empregos e aumento de custos para a indústria, por causa do impacto da medida nos serviços

Há mais de uma década bandeira dos social-democratas (SPD), o salário mínimo finalmente entrou na pauta do Legislativo graças à formação da “grande coalizão” com os democrata-cristãos de Merkel (CDU/CSU) na última eleição. Na avaliação de Heiko Giebler, pesquisador do Wissenchaftszentrum Berlin für Socialforschung, centro de estudo de ciências sociais, a evolução rápida das negociações para regulamentar o mínimo, nos últimos meses, reflete a incipiência do “manifesto” do partido de Merkel na corrida eleitoral do ano passado. Sem apresentar grandes propostas, afirma, deixou um espaço confortável para que a oposição tire da gaveta algumas de suas principais reivindicações nos próximos cinco anos.

A aliança com o SPD foi estabelecida no fim do ano passado, quando os conservadores do CDU/CSU, apesar de conquistarem o melhor resultado nas urnas em 20 anos (41,5% do total de assentos), perderam a hegemonia no Parlamento junto com seu principal aliado, o Partido Democrático Liberal (FDP), que não conseguiu os 5% necessários para garantir presença no Bundestag.

Merkel sinalizou a mudança de posição em relação ao mínimo, contra o qual até então os conservadores se colocavam, ainda em novembro, quando começaram as tratativas com o SPD para formar a aliança de que ela precisava para ter maioria no Bundestag. O CDU de Merkel e o CSU, seu irmão bávaro, deram aos socialistas seis ministérios, entre eles o do Trabalho, hoje capitaneado pela secretária-geral do partido, Andrea Nahles.

Nos últimos meses, o Ministério do Trabalho realizou reuniões tripartites com sindicatos patronais e de trabalhadores, para registrar suas respectivas demandas antes de regidir o rascunho da lei – algo pouco comum no país, de acordo com o próprio ministério. O principal ponto de discórdia são as exceções previstas para os jovens. Os sindicatos exigem também para eles o direto ao salário mínimo, pelo menos quando desempenharem funções em tempo integral. As empresas afirmam que isso tornaria cada vez menos atrativos os estágios de aprendizado (chamados de “Praktikum”), geralmente mal remunerados, mas considerados parte importante da preparação para a entrada no mercado de trabalho.

As organizações empresariais chegaram a pedir exceções ao mínimo para aposentados e trabalhadores que desempenham “minijobs”. No fim de março, porém, a ministra Nahles sinalizou que apenas dois grupos poderão, por lei, receber menos a partir do próximo ano – jovens com até 18 anos que não tiverem feito o estágio profissional e aqueles que passaram por um longo período de desemprego, durante os seis primeiros meses na nova posição. Uma câmara formada por sindicatos e empresas poderá, mediante consenso, acrescentar à lista, nos próximos dois anos, grupos que consideram ter maior risco de dispensa. Em 2017, porém, a regra passaria a valer para todas as categorias. Reajustes estão previstos a partir de 2018 e também deverão ser decididos pela comissão bipartite.

Do Valor Econômico