Amir Khair defende continuação da queda da Selic

O governo vem, desde 1999, mantendo elevado superávit primário (receitas menos despesas exclusive financeiras) para administrar a dívida pública. Poderia, em vez disso, reduzir a despesa anormal com juros, caso tivesse adotado uma Selic próxima da praticada nos países emergentes (5% ao ano). Nesse caso, com menor esforço fiscal poderia ter zerada essa dívida.

Essa superdosagem de juros defendida pelo mercado financeiro, e acatada pelos governos, foi o veneno que atacou o tecido econômico e social do País. Ainda não nos livramos totalmente dele, pois ainda existe, porém em doses menores.

1. Selic e dívida. O Comitê de Política Monetária (Copom) é que estabelece a Selic. Foi fixada pela primeira vez em 1.º de julho de 1996 em 25,3% ao ano e permaneceu em nível elevado, passando pelo máximo de 45% em março de 1999, para iniciar o regime de metas de inflação. Só foi ficar abaixo de 15% a partir de julho de 2006, mas sempre em dois dígitos até junho de 2009, quando, em razão da crise, foi mantida entre 8,75% e 10,0% durante um ano. A partir de junho de 2010, com a forte elevação dos preços internacionais das commodities, passa novamente a subir até atingir 12,5% em julho de 2011 e, a partir de um ano atrás, passou a cair até os 7,5% atuais. Considerando a Selic adotada pelos governos, há nítida tendência de melhora. No governo FHC, foi em média 21,7% ao ano, no governo Lula, 14,9%, e nesses dois anos do governo Dilma deve fechar em 10,2%.

A dívida líquida do setor público foi marcadamente influenciada pela Selic. No início do governo FHC, estava em 28% do PIB e, mesmo com a mega venda de patrimônio público com privatizações, ao final do governo chegou a 60,4%. A elevada Selic foi a responsável por isso. No fim do governo Lula, tinha baixado para 39,2% e em julho estava em 34,9%. Caso a Selic continue caindo, é possível que, ao final do governo Dilma, seja possível retornar próximo da que estava no início do governo FHC.

2. Recursos disponíveis. Por manter essa política de juros anormais, o setor público torrou dinheiro ao gastar em média por ano, nos últimos dez anos, 7% do PIB e arrecadou 33% do PIB, sobrando para desenvolver suas ações (custeio e investimentos) 26% do PIB. Os recursos disponíveis estão hoje maiores do que na média dos últimos dez anos. A carga tributária está em 34% e os juros 5%, sobrando 29% do PIB, ou seja, três pontos acima da média dos últimos dez anos.

Essa disponibilidade de recursos será ampliada nos dois próximos anos, pois, se mantida a mesma carga tributária (o que pode ser considerado conservador, caso a economia cresça), a conta de juros poderá cair em 2013 e 2014 se o governo rumar para a Selic dos países emergentes de 5%.

Com essa crescente disponibilidade de recursos, o setor público poderá ampliar sua ação no campo social, na infraestrutura e no estímulo à economia.

Mas, se cair no engodo do mercado financeiro, que ameaça com o fantasma da inflação cuja cura seria a elevação da Selic (?), como consta do boletim Focus, deixará de usufruir do potencial fiscal à sua disposição.

3. Morte do resultado primário. Outra consequência da queda da Selic é que finalmente o governo passará a aferir e dar ênfase na divulgação do resultado fiscal usando o conceito do resultado nominal, que são as receitas menos as despesas, inclusive e, principalmente, os juros. É esse o conceito adotado pelos organismos internacionais para identificar os resultados fiscais nos orçamentos públicos.

O resultado nominal deste ano deve ficar próximo a 2% do PIB, melhorando em relação a 2011, quando atingiu 2,6% e, caso a Selic continue caindo, poderá caminhar ao final do governo Dilma para o equilíbrio pleno das contas públicas, ou seja, resultado nominal zero.

O Brasil foi uma exceção no uso equivocado do superávit primário como o medidor do resultado fiscal do setor público. Isso ocorreu por causa da predominância das análises do mercado financeiro, que, inteligentemente, influenciou a política econômica até recentemente ao defender que a Selic é o único (!) instrumento capaz de controlar a inflação, e para isso deve ser mantida elevada para inibir o consumo. Tese desastrada e irreal.

Infelizmente, as análises do mercado financeiro centradas no superávit primário ganharam espaço na mídia, pois pregavam a redução das despesas para poder pagar os juros catapultados pela Selic. Juros esses que serviram em todos esses anos a alimentar os lucros do setor financeiro.

Secada aos poucos essa fonte anômala de lucros, os bancos terão de ser eficazes e atuar de forma a ampliar suas operações de crédito. Com isso, cresce a disputa entre os bancos com queda na taxa de juros nos empréstimos bancários, o que é decisivo para destravar o crescimento econômico.

4. Exemplo. Os bancos deveriam seguir o exemplo da Caixa Econômica Federal, que, em face da retomada da crise, atuou de forma agressiva para ampliar sua ação. Segundo seu presidente, “a Caixa aumentou a carteira com créditos bons que os outros bancos não quiseram fazer”. “Nossa carteira tem a menor inadimplência do mercado. Por quê? Porque temos foco em modalidades de crédito com inadimplência baixa, como imobiliário e consignado. A Caixa está crescendo nesse ritmo há cinco anos. Já era tempo de termos quebrado. Em 2008, tínhamos 6% do mercado. Hoje temos 14%. Naquela época, a inadimplência era de 2,74%. Hoje é de 2%. O lucro saiu de R$ 2 bilhões para R$ 5,2 bilhões em 2011.” (Estadão de 4/9).

5. Mudança. Com a queda da Selic, as aplicações financeiras dos agentes econômicos sofrem radical transformação, impondo queda nas taxas de administração dos bancos e deslocamento das aplicações financeiras para outros ativos, como imóveis e bolsa de valores. As empresas começam a reavaliar projetos que estavam engavetados, pois apresentavam perspectivas de retorno inferiores aos que poderiam ser obtidos em aplicações em títulos do governo. Isso pode ser um bom propulsor para a retomada dos investimentos, especialmente para o caso de empresas que se encontram com a produção próxima de sua capacidade.

O governo não precisa temer a redução da procura por seus títulos, pois, com menor despesa com juros, não precisará demandar tanto o mercado. Nem se preocupar com a inflação, pois em larga medida é originada do exterior cujos preços estão contidos enquanto perdurar a crise que domina a Europa, que será longa.

Resta ver qual política o governo pretende seguir daqui para a frente. Caso posicione rapidamente a Selic em 5%, terá economias sem precedentes para estimular a economia.

Caso recue, atendendo à pressão do mercado financeiro para elevar a Selic, terá perdido a oportunidade de ouro que lhe caiu aos pés. É fundamental rumar a Selic o mais rapidamente possível para 5% ao ano.

O governo ganha substanciais recursos, os consumidores terão menos juros bancários, as empresas maior estímulo para investir em seus negócios em vez de títulos do governo. Vamos aguardar.

Do Estado de S. Paulo