Análise: sem reforma política, Congresso ficará cada vez mais conservador
Setores conservadores da sociedade aproveitam com eficiência o sistema político atual para eleger representantes no Congresso
Na eleição de 2010, 273 deputados e senadores eleitos eram da ´bancada empresarial´, 160 da ruralista e 72 da sindical; representação de evangélicos deve crescer em 2014
São Paulo – Com o atual sistema político e partidário, o Congresso Nacional tende a ficar ainda mais conservador do que os números indicam que já é. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), 273 parlamentares (246 deputados e 27 senadores) eleitos em 2010 são empresários, como donos ou sócios de algum estabelecimento comercial, industrial, de prestação de serviços ou mesmo proprietários de fazenda ou indústria agropecuária. A chamada bancada empresarial passou de 219, na eleição de 2006, para 273 integrantes em 2010.
A ressalva, de acordo com o Diap, é que, embora seja a bancada “informal” mais expressiva, nem sempre atua de maneira homogênea e articulada como a ruralista, por exemplo, já que reúne parlamentares-empresários que vão desde o senador Armando Monteiro (PTB-PE), ex-presidente da Confederação Nacional da Indústria, até o ex-jogador Romário (PSB-RJ).
“Não há como mudar o quadro sem uma reforma política capaz de modificar estruturalmente o sistema eleitoral e partidário e fazer com que os eleitores se sintam mais representados”, diz Antônio Augusto de Queiroz, analista político do Diap. “O financiamento de campanha hoje torna as campanhas proibitivas para candidatos com perfil mais popular, e isso, combinado com o desencanto da juventude com a política, na prática inviabiliza os votos de opinião, especialmente os votos de opinião pela esquerda.”
Com este quadro, mobilizações como o Dia Nacional de Lutas, realizado ontem, se tornam fundamentais para reverter a situação a favor dos trabalhadores. O Executivo tem se negado a negociar alternativas ao fator previdenciário, fórmula criada em 1998, durante a gestão Fernando Henrique Cardoso, e que, na visão das centrais, prejudica os ganhos da aposentadoria. “A saída seria a amenização, flexibilização dos efeitos perversos do fator. Querendo se aposentar mais cedo, o trabalhador pode aderir ao fator, se não, adere à fórmula 85/95 e ao completá-la recebe integralmente a aposentadoria”, defende.
Além de os empresários serem representados por grande bancada, os trabalhadores, por outro lado, têm representação muito inferior. Segundo o Diap, na atual legislatura foram eleitos 72 parlamentares, sendo 64 deputados e oito senadores, que podem ser considerados da bancada sindical. Na legislatura anterior, eram 61 deputados e senadores, número inferior ao de 2002, quando 74 congressistas vinculados a sindicatos pegaram carona na eleição do metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República.
Na eleição de 2010, a bancada ruralista cresceu significativamente, de 120 para 160 parlamentares (142 deputados e 18 senadores). O PMDB tinha o maior número de ruralistas, com 36 parlamentares, seguido do PP, com 25; do DEM, com 24; e do PSDB, com 22 ruralistas.
Já a bancada evangélica, identificada com as propostas mais combatidas pelos movimentos sociais e pelas bancadas progressistas do próprio Congresso, dobrou de tamanho entre 2006, quando elegeu 36 congressistas, e 2010, quando foi para 73 (três senadores e 70 deputados). PSC e PR, com 11 congressistas, são as legendas que reúnem mais evangélicos, com projeção de crescimento devido à alta exposição de parlamentares ligados a causas morais, caso do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
“Ela aumentou na ultima eleição e tende a crescer mais”, disse Queiroz. Segundo ele, um dos motivos pelo qual a representação hoje se expande é que “eles se sentiram valorizados na eleição de Dilma.” E, além disso, continuam prestigiados. “A presidenta não tem apoiado nenhum pleito que conflite com os da bancada evangélica.”
Para o analista do Diap, a falta de perspectiva de mudança sem uma reforma política é clara e não há nenhuma medida, a não ser o financiamento público de campanhas, capaz de mudar a realidade que permite a cristalização de um Congresso de perfil cada vez mais conservador, já que o sistema político-eleitoral privilegia candidatos que contam com muito dinheiro. “Vai continuar o financiamento privado e de empresas na próxima eleição, e num quadro desse a tendência é que o poder econômico tenha vantagem.”
Da Rede Brasil Atual