Analistas atribuem ´paralisação´ do ensino técnico no país a ministro de FHC

Duas legislações implementadas pelo ex-ministro da Educação, Paulo Renato Souza, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), paralisaram o ensino técnico no Brasil, de acordo com especialistas ouvidos pela Rede Brasil Atual. As iniciativas do economista teriam levado ao empobrecimento da educação profissional e seriam a causa da atual falta de quadros qualificados em diversas áreas como a construção civil e de tecnologia de ponta.

O tema foi central durante toda a campanha eleitoral à Presidência da República. Desde o início, o candidato atualmente de oposição, José Serra (PSDB), aponta o ensino técnico como uma prioridade em um eventual governo comandado por ele. A visão de críticos contrasta com essa declaração, especialmente porque Paulo Renato foi secretário de Educação da gestão de Serra no governo de São Paulo.

Com o argumento de que a educação profissional brasileira, o antigo segundo grau, atendia a interesses elitistas, o então titular do MEC assinou o decreto 2.208 de 1997, que separou o ensino médio da educação técnica e, segundo profissionais da educação, empobreceu os currículos na educação profissional. “Praticamente destruiu, naquele momento, as escolas técnicas”, aborda Rubens Barbosa de Camargo, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

A iniciativa atendia a diretrizes do Banco Mundial e fortaleceu o conceito de que o mercado de trabalho deveria definir o conteúdo  para a formação dos jovens. “A percepção que se tem é de que quem analisa o que é necessário para a formação dos jovens trabalhadores é o empresário e não mais os profissionais da educação”, afirmam as pesquisadoras e professoras universitárias Angela Salvadori e Maria Ignês Mancini, no estudo “A reforma da educação profissional nos anos 90: uma análise sobre as propostas e práticas no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso”.

O decreto também dava a entender que a educação profissional poderia ser ensinada em qualquer lugar, desde que se cumprisse a carga horária exigida pelos parâmetros curriculares, segundo as autoras do estudo.

Na visão do presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Roberto Franklin de Leão, não se pode confundir mundo do trabalho com mercado de trabalho, como aconteceu na gestão de Paulo Renato. “Não se pode ter uma educação que atenda única e exclusivamente as demandas do mercado de trabalho. Até porque essas demandas aparecem e desaparecem ao sabor de elementos sobre os quais não se têm controle”, descreve.

Sem expansão
Por meio de outra legislação, lei 9.649/1998, no artigo 47, foi praticamente interrompida a expansão do ensino técnico federal. “A expansão da educação profissional, mediante criação de novas unidades de ensino por parte da União, somente poderia ocorrer em parceria com estados, municípios, Distrito Federal, setor produtivo ou ONGs, que seriam responsáveis pela manutenção e gestão dos novos estabelecimentos de ensino”, avaliam Angela Salvadori e Maria Ignês Mancini, no estudo.

Do ponto de vista da qualidade, as professoras universitárias detectaram que o currículo fragmentado e dissociado empurrou a educação tecnológica de natureza integral para o nível superior, empobrecendo os cursos técnicos. “O modelo de Educação Profissionalizante sugerido foi a busca de cursos com curta duração, baixo custo, e que atinjam a maior quantidade de alunos, desvinculados da pesquisa e da extensão”, resumem.

Ainda em 1997, Paulo Renato lançou o Programa de Reforma da Educação Profissional (Proep) com o objetivo de modernizar e expandir o sistema da educação profissional. O programa estabeleceu parcerias com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Entretanto, o Proep atuou muito mais na expansão de vagas do ensino técnico privado que na criação de vagas públicas, ao se propor a financiar entidades gerenciadas de forma comunitária e que mais tarde foram incorporadas pela iniciativa privada.

“Houve um aumento significativo de escolas técnicas particulares. Isso se deve a dos motivos: criação da lei federal nº 9.649 de 1998, que proíbe a criação de unidades da rede federal, a não ser em parcerias com o setor privado, estados, municípios ou Ongs e as escolas do segmento comunitário que nunca funcionaram e nunca ofertaram a quantidade de vagas previstas pelo Proep”, diagnosticaram as pesquisadoras.

Para a professora universitária Lúcia Maria Wanderley Neves, na prática as medidas implementadas durante o governo de FHC favoreceram a “exclusão social”. “O estudante pode vir a ter acesso à escola, mas não terá, necessariamente, acesso ao conhecimento”, cita a pesquisadora.

Implicações
O presidente da CNTE acredita que as mudanças implementadas pelo ex-ministro Paulo Renato seguiram à lógica de importação de tecnologia e hoje, como conseqüência, o país sofre com a falta de profissionais em diversas áreas. “Temos uma falta muito grande profissionais porque o país não crescia. A lógica era: se é preciso tecnologia, importe-se do exterior e não se produza aqui”, detecta. Por isso, na visão de Leão, justificava-se a ausência de investimentos em educação tecnológica e formação de profissionais.

O enfoque dado ao ensino técnico por Paulo Renato também é alvo de críticas do deputado federal Carlos Abicalil (PT-MT), membro da comissão de educação e cultura da câmara dos Deputados. “Hoje temos uma situação de contradição. Nós temos a economia em expansão, com franca oferta de empregos e até na construção civil o diagnóstico é de que não há mão de obra qualificada. Sem falar na indústria de ponta…”, destaca o parlamentar.

Abicalil condenou o fato de o ensino técnico de qualidade, que fazia parte do antigo segundo grau, ter sido substituído pelos “cursinhos de qualificação de 40 horas”. Essa modalidade resultou, segundo o parlamentar, em baixa capacidade de melhorar a qualidade de vida e a renda das famílias. “(Esses cursos) foram aplicados aos milhões”, critica.

Além da “curtíssima duração”, os cursos de qualificação oferecidos pelo governo Fernando Henrique  pecaram por não elevar a escolaridade e habilitar apenas para ocupações temporárias, acusa Abicalil. “O próprio Serra comete o ato falho de dizer que os cursos técnicos têm duração de um ano, um ano e meio, quando na verdade, os técnicos são de três a quatro anos”, aponta o parlamentar sobre as propostas do candidato do PSDB à Presidência da República.

O parlamentar também aponta incoerências na proposta de Serra de criar o Protec, uma espécie de Universidade para Todos (ProUni) do ensino técnico. “Serra não explica que o Protec não é oferta de curso. é oferta de bolsa. É a multiplicação desses cursinhos breves, temporários para ocupações precárias”, condena.

Os cursos técnicos antes das alterações implantadas por Paulo Renato eram referência de qualidade, analisa o professor Camargo, da USP. “Sempre foi referência de qualidade, inclusive para entrar no vestibular. Alunos saíam e entravam direto em cursos concorridos”, destaca.

Segundo o pesquisador, em 2004, o decreto 5.154, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva recompôs o ensino técnico, voltando a reuni-lo ao ensino médio. A legislação permite tanto que se curse de forma separada, como de forma conjunta. “Lei do Lula recoloca a questão do ensino médio e do ensino técnico juntos”, explica Camargo. Em 2005, o Projeto de Lei Complementar nº 70, alterou a lei  nº 9.649/1998, e permitiu à União criar escolas técnicas e agrotécnicas federais e unidades descentralizadas.

Ensino superior
A principal recordação do pesquisador da USP, Rubens Camargo, sobre a política do governo FHC para o ensino superior é de recursos escassos, falta de professores e longas greves. Ele foi professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) de 1993 a 1998. “As recordações são muito ruins”, declara. “Deixou muito tempo sem recolocar professores. Os recursos eram escassos e às vezes só chegavam no final do ano, a ponto de não poder utilizar e serem devolvidos para o Tesouro (Nacional)”, diz o especialista.

Para Leão, presidente da CNTE, a gestão de Paulo Renato no MEC privilegiou o viés das escolas particulares e investiu pouco nas universidades públicas, que estavam sucateadas. “É a política do quem puder mais chora menos”, define.

O deputado federal Carlos Abicalil cita que na época houve “a explosão das instituições privadas” no ensino superior, em oposição à qualificação das instituições públicas. “Ele incentivou indiretamente o ensino privado no país, à medida que restringiu a ação pública e ofereceu meio de expansão da oferta privada, sem contrapartida que hoje tem do ProUni”, analisa o parlamentar.

 

Da Rede Brasil Atual