Aos 20 anos, Mercosul avança mais em temas sociais
Itamaraty e parceiros querem que esta década leve à criação de direitos comuns entre os cidadãos do bloco
Livre circulação de pessoas, controle integrado das fronteiras, documento de identidade unificado, direitos previdenciários e trabalhistas iguais, intercâmbio entre universidades, placas de automóveis iguais e eleições diretas para o Legislativo regional. Se tudo o que está no papel der certo, em dez anos, quando o Mercosul chegar aos 30 de idade, a integração entre os cidadãos dos páises-membros será muito maior. Para o Itamaraty, embora o lado econômico continue como ponto fundamental para o sucesso do bloco, os últimos anos assistiram a importantes avanços no campo social.
Ainda distante desse cenário, a entidade criada em março de 1991 tem grandes desafios colocados à frente. “O Mercosul vai criar elementos muito importantes, como a facilitação cada vez maior das viagens, o reconhecimento de diplomas, (do tempo de contribuição para) a Previdência, e uma série de coisas que vão interferir na vida do cidadão”, destaca Antonio Simões, Subsecretário-Geral da América do Sul do Ministério das Relações Exteriores. Ele afirma que até a placa de carros dentro do Mercosul será padronizada.
Aprovado em dezembro passado pelo Conselho de Mercado Comum, o órgão deliberativo máximo do Mercosul, o Estatuto da Cidadania, é a grande aposta para fazer com que a integração entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai chegue ao cotidiano das sociedades. As metas ambiciosas devem ser atingidas até 2021, momento em que se espera que a realidade regional se aproximará do que ocorreu com a União Europeia.
O plano de ação tem linhas gerais que indicam que devem ser estabelecidos vários direitos comuns a todos os cidadãos do bloco, independentemente do país de origem. Caso o Estatuto da Cidadania saia do papel, um paraguaio terá os mesmos direitos previdenciários de um brasileiro, o documento de identidade de um argentino será igual ao de um uruguaio. Um carro comprado no Brasil terá a mesma placa de um carro comercializado na Argentina e os direitos dos consumidores serão iguais em qualquer uma das nações-membro.
Miriam Gomes Saraiva, professora de Relações Internacionais da Univeridade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), afirma que os maiores beneficiários do Mercosul nos acordos sociais e políticos são Brasil e Argentina. Ela enumera a possibilidade de intercâmbio universitário entre os países e a conquista do direito à migração. “Essas dimensões nem eram previstas nos primeiros tratados, mas que foram conduzidas a outras áreas que não eram os acordos econômicos. E com isso só teve a ganhar”, enaltece.
Aprofundamento
As primeiras apostas em uma integração política e social foram dadas ainda na década de 1990. O Protocolo de Ouro Preto, firmado três anos após o início do bloco, começava a delinear a criação de instituições dentro do Mercosul, entre elas uma Comissão Parlamentar Conjunta que desembocaria, na última década, na criação do Parlamento do Mercosul (Parlasul).
Os primeiros anos do novo século foram, de fato, o momento de aprofundar a noção de um continente sul-americano, o que naturalmente desembocou em novas iniciativas dentro do bloco. Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores, destaca a criação da Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila) a partir de 2008. Com sede em Foz do Iguaçu, na Tríplice Fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai, a instituição recebe este ano suas primeiras turmas.
A Unila, precursora desse tipo de instituição de ensino superior na América Latina, nasceu com o intuito de trabalhar com o ambiente multicultural dos países países que compõem o bloco. “A sua vocação é a de contribuir para o desenvolvimento e a integração latino-americana, por meio do conhecimento humanístico, científico e tecnológico e da cooperação solidária entre as universidades, organismos governamentais e internacionais”, descreve o reitor da Unila, Hélgio Trindade, no site da universidade.
O ex-chanceler não tem dúvidas de que os avanços nas áreas social e cultural foram muito maiores nos últimos anos. “Uma coisa interessante que eu disse duas ou três vezes, e que o presidente Lula disse também, pode soar até grandiloquente, mas é verdade: passamos de uma fase em que o Mercosul era só dos Estados para ser dos povos”, avalia Amorim.
Ele acredita que o empenho dos cidadãos será fundamental para promover novos avanços. “A gente não pode e nem deve fazer tudo de cima para baixo. Tem de ser de baixo para cima. O que o povo quer? Mais bolsa (de estudos), mais intercâmbio cultural, monitoramento dos direitos humanos?”, enumera.
Educação e saúde
Ainda no âmbito educacional, o Estatuto da Cidadania prevê a simplificação dos trâmites para a validação de diplomas universitários obtidos em qualquer um dos países. Já o monitoramento dos direitos humanos pode ser fortalecido dentro do Parlamento do Mercosul, que tem essa como uma de suas atribuições.
O Parlasul também deverá ficar mais próximo dos cidadãos ao longo desta década. Os parlamentares brasileiros que por lá atuaram querem aprovar no Congresso Nacional o projeto que prevê eleições diretas para a escolha dos representantes no Legislativo regional. Entre eles, a única dificuldade é saber se o momento adequado para promover este pleito é 2012 ou 2014. O problema maior é convencer os demais deputados e senadores sobre a importância da integração regional.
Atualmente, o Parlasul está parado pela falta de indicação da representação brasileira. De toda maneira, a crença é de que as eleições diretas poderão chamar atenção do cidadão sobre o que ocorre dentro do bloco. “Há um déficit democrático no Mercosul porque não tem nada que fala em nome do cidadão, nem direta nem indiretamente. E o parlamento é o canal para manifestações em nome da cidadania”, avalia o deputado Dr. Rosinha (PT-PR), que já presidiu o órgão legislativo do bloco.
“Imagino que um dia, não sei com que rapidez, chegaremos lá. Você não vai pensar em qual representante é do Brasil, qual é da Argentina, qual é do Paraguai, qual é do Uruguai, mas vai pensar que ´esse é social-democrata, esse é de um partido de esquerda´”, pondera Amorim. “Assim é na Europa. Vai ter bancadas que se organizem em torno de afinidades ideológicas, e não só do ponto de vista nacional”, sugere.
Na área da saúde, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou, em fevereiro deste ano, que firmará acordos de cooperação técnica entre os países membros do Mercosul para fortalecer a capacidade regulatória desses países. Os acordos envolvendo Paraguai e Uruguai tratam de temas como medicamentos, alimentos, combate à falsificação e controle em fronteiras. Já com a Argentina, a ideia é avançar na troca de experiências sobre os códigos farmacêuticos oficial de ambos os países.
Da Rede Brasil Atual