Apesar de proibida, revista vexatória continua ocorrendo nos presídios paulistas
Na última semana, uma mulher conseguiu, pela primeira vez em São Paulo, um mandado de segurança que permite que ela faça as visitas sem passar por revista íntima
Apesar de o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ter sancionado a lei que proíbe as chamadas revistas vexatórias em agosto do ano passado, a prática continua ocorrendo em todos os presídios paulistas, como denunciou o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo à RBA. O estado teria 180 dias para regularizar a situação, prazo encerrado no último mês, mas de lá para cá nada mudou.
“Eu e minha mãe continuamos passando pela revista vexatória todos os dias de visita. Neste fim de semana, em especial, as condições de higiene estavam péssimas. Tinha até sujeira de menstruação no chão e algumas mulheres acabaram sujando suas roupas com sangue de outra pessoa”, lamenta M.T. parente de um interno no interior de São Paulo, que não quis se identificar.
Para que consigam entrar nos presídios nos dias de visita, as mulheres devem agachar e abrir os órgãos genitais com as mãos. Nesse processo, têm vaginas e ânus revistados, crianças ficam nuas na frente de adultos e idosas precisam vencer o limite físico da idade para abaixar e levantar em cima de um espelho. “É horrível, uma violência muito grande”, conclui.
Em nota, a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) não confirmou nem negou que a prática continue ocorrendo. Limitou-se a anunciar que no último dia 18 ocorreu um pregão eletrônico para alugar cinco scanners corporais para os Centros de Detenção Provisória I, II, III e IV de Pinheiros para um projeto piloto. “Todas as 161 unidades prisionais do Estado já dispõem de aparelhos de raio-X de menor e maior porte, além de detectores de metal de alta sensibilidade, como determina a Lei 15.552. O ingresso de visitantes nos presídios é realizado conforme previsto pela legislação vigente, com o auxílio desses aparelhos.”
Para o defensor público Bruno Shimizu, que coordena o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria, a prática configuraria improbidade administrativa e o estado deve ser responsabilizado. “Eles nos afirmaram que enquanto não conseguirem verba para ter scanners corporais nas unidades não vão suspender a prática, mesmo ela sendo ilegal. Nós estamos estudando o que fazer.”
M.T. e mais quatro mulheres da região de Rio Claro, no interior paulista, deram início a uma ação judicial para que fiquem liberadas de passar pelo procedimento, já que ele é proibido por lei. Na última semana, uma mulher cujo filho é interno do presídio de Itirapina foi a primeira a conseguir na Justiça um mandado de segurança que permite que ela faça as visitas sem que passe por revista íntima. O Ministério Público de São Paulo se posicionou contrário à decisão.
“Se o estado não cumpre a lei, a Defensoria vai expandir esse modelo para mais pessoas e para outras comarcas. A revista íntima é na verdade um estupro: as mulheres ficam nuas entre si, têm que abrir suas vaginas. É um caso clássico de opressão de gênero e de criminalização da pobreza. Já existe uma lei proibindo a prática, mas o próprio estado não está cumprindo. É um absurdo”, lamenta o defensor público, Vinicius da Paz Leite, que venceu a ação em Rio Claro.
“Estou tentando mais para a minha mãe do que para mim. Ela tem problemas graves no joelho e na coluna e não consegue abaixar e ao mesmo tempo abrir a vagina com as mãos. As agentes penitenciárias não me deixam ajudá-la. Fazem ela tirar até a prótese dentária. É muito humilhante”, conta M.T..
Teoricamente, os procedimentos de revista vexatória teriam sido adotados para impedir que drogas, armas, chips ou celulares entrem nas prisões. No entanto, das visitas realizadas entre fevereiro e abril dos anos de 2010 a 2013, em São Paulo – que tem a maior população carcerária do país – houve tentativa de adentrar as unidades com drogas ou celulares em apenas 0,03%. Nenhuma pessoa tentou levar armas para os internos, segundo pesquisa da Rede Justiça Criminal, elaborada a partir de dados fornecidos pela própria Secretaria de Administração Penitenciária.
A prática não está prevista na lei. Ao contrário, a Constituição Federal garante o direito à intimidade, assegurando indenização pelo dano decorrente da violação. Atualmente, seis estados além de São Paulo proíbem a prática: Paraíba, Goiás, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Em novembro do ano passado, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal aprovou o Projeto de Lei (PL 7.764/14), de autoria da senadora Ana Rita (PT-ES), que proíbe a revista vexatória em presídios de todo país. A proposta ainda passará pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. “Você transfere para a família uma espécie de punição. Nós já temos meios tecnológicos avançados para fazer o controle do que entra nos presídios”, avalia a senadora.
Uma resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, de 12 de julho de 2006, já recomendava a utilização de equipamentos eletrônicos para a revista em presídios, visando a preservar a honra e a dignidade durante as revistas.
A prática de revista vexatória foi denunciada pela organização não-governamental Conectas Direitos Humanos aos países-membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, durante a 25ª sessão ordinária do órgão, realizada em março de 2014, em Genebra, na Suíça. A organização pediu ainda às Nações Unidas que recomende o fim imediato da prática no Brasil. O relator especial da ONU para a tortura, Juan Mendez, chegou a afirmar para a entidade que as revistas vexatórias são “cruéis” e “desumanas”.
Em 1996, a Argentina foi condenada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por revista vexatória de uma mulher e a filha dela, uma adolescente de 13 anos. A Convenção Americana de Direitos Humanos garante o direito à integridade pessoal e o direito da proteção da honra e da dignidade.
O Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU, em relatório sobre o Brasil no ano de 2012, recomenda que “o Estado assegure que as revistas íntimas cumpram com os critérios de necessidade, razoabilidade e proporcionalidade (…) duma maneira compatível com a dignidade humana e respeito pelos direitos fundamentais. Revistas intrusivas vaginais ou anais devem ser proibidas pela lei”.
As Regras de Bangkok, que estabelecem critérios para o tratamento de mulheres presas, determinam que devem ser desenvolvidos métodos de revista que substituam exames invasivos e que os funcionários da prisão deverão ter “competência”, “profissionalismo” e “sensibilidade” para revistarem crianças.
Da Rede Brasil Atual