Especialista aponta risco de apagão no Sudeste em outubro

Falta de investimentos em geração e distribuição, além de distorções no funcionamento do sistema elétrico, contribuíram para cenário “alarmante”, segundo Clarice Ferraz (GEE-UFRJ)

risco de apagão

Foto: Divulgação

Os reservatórios do Sudeste/Centro Oeste estão com cerca de 17% da sua capacidade. Até o fim do mês, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) prevê que esses níveis devem chegar a 14,9%. Há cerca de duas semanas, as usinas de Ilha Solteira, no Rio Paraná, e Três Irmãos, no Rio Tietê, passaram a operar no volume morto. Além disso, outras três reservatórios operam com cerca de 10% da sua capacidade, entrando também em estado de alerta. Na última quinta-feira (23), o presidente Jair Bolsonaro sugeriu que as pessoas tomem banho frio e evitem elevadores. É mais um sintoma da crise energética, que deve se agravar nos próximos meses, elevando a possibilidade de apagão em algumas regiões.

No pior cenário, o ONS estima que podem faltar 1,4 Gigawatts (GW) de potência, em momento de pico, em novembro, resultando em possíveis blecautes. No entanto, se os reservatórios da região – que respondem por cerca de 70% da capacidade de armazenamento total do país – caírem para menos de 10% ainda em outubro, o apagão, com interrupções no fornecimento de energia no Sudeste, poderiam ocorrer já no mês que vem.

De acordo com a economista Clarice Ferraz, pesquisadora do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (GEE/UFRJ), os dados são “alarmantes”. Com a redução nos reservatórios, a pressão cai. Além disso, aumenta o risco de acidente durante a operação. Isso porque essa água do fundo dos reservatórios é mais ácida, e ainda pode conter lama e galhos que comprometeriam o funcionamento das usinas.

“Colegas estimam que, no meio de outubro, os reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste devem atingir 10% na média. Várias usinas podem perder o controle. No limite, não conseguem operar e têm que abrir o vertedouro. Daí para frente, é rezar. A partir de meados do mês que vem, o risco de apagão é iminente”, firmou Clarice.

Modelo defasado e apagão no Sudeste

Para a especialista, além da falta de investimento na geração e distribuição de energia, há graves distorções na concepção do sistema elétrico. Baseado no modelo de modicidade tarifária, o ONS “despacha” as fontes energéticas em ordem crescente de custos de produção. Primeiro, entram as usinas eólicas, concentradas principalmente no Nordeste. Na sequência, as hidrelétricas, que respondem por 65% da produção. No final da fila, as termelétricas movidas a gás natural, muito mais caras. No entanto, há exceções que impactam em custos ainda maiores para os consumidores.

Ainda que bem-intencionado, esse modelo, inspirado no sistema britânico, predominantemente baseado nas usinas térmicas, acabou contribuindo para o esvaziamento paulatino dos reservatórios das hidrelétricas. Além disso, as térmicas operam, na grande maioria, com demanda fixa. E precisam permanecer ligadas por longos períodos para terem seus custos reduzidos.

Em vista disso, o ONS, por vezes, é obrigado a despachar a energia das térmicas, chegando inclusive a “expulsar” das linhas de transmissão a produção eólica, mais barata. Em março deste ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou, inclusive, resolução normativa que indeniza os fornecedores eólicos que tiveram sua distribuição barrada pelo operador.

São essas falhas nos sistemas de operação e regulação, segundo ela, que fazem do Brasil o país com uma das maiores tarifas energéticas do mundo. “A gente paga pelo que consome e pelo que não consome, e também pelo que o outro deixou de ganhar. Por isso a tarifa é desse tamanho. Duplicamos custos o tempo inteiro”, lamentou.

Tarifa e bônus

São distorções como essas que resultaram na escalada da tarifa de energia. Desde o início do mês, entrou em vigor a nova “bandeira da escassez hídrica”, implementada pela Aneel como forma de inibir o consumo. Estabelece taxa extra de R$ 14,20 para cada 100 kWh consumidos, o que representa aumento de 49,6% em relação a atual bandeira vermelha de patamar 2 (R$ 9,492 a cada 100 kWh). A cobrança da taxa, por enquanto, valerá até abril de 2022.

Contudo, Clarice aponta que o novo reajuste, que nem sequer foi sentido ainda no bolso dos consumidores, é insuficiente para pagar o custo de utilização das termelétricas. São cerca de R$ 5 bilhões em déficit que serão repassados aos consumidores no ano que vem. O que indica que a “bandeira de escassez” pode ser estendida.

A especialista também criticou o bônus, anunciado pelo Ministério de Minas e Energia, para que grandes consumidores reduzam suas demandas por energia, no período entre 12h e 18h, para evitar sobrecarga em “horário de pico”. “Esse período representa um turno inteiro de uma fábrica. Para reduzir o consumo, vai ter que diminuir a produção. Se reduz a produção, vem mais desemprego e miséria”, alertou. “É um espiral de coisas ruins”, acrescentou.

Oferta e demanda

A especialista concorda que foi um grave erro a decisão do governo Temer, tomada em 2016, de cancelar um leilão de energia que poderia ter criado cerca de 1.200 mil usinas solares e eólicas. Essa contratação poderia reforçaria o fornecimento de energia no Brasil por 20 anos, a partir de julho de 2019, inibindo o atual esvaziamento dos reservatórios das hidrelétricas.

Mais do que isso, Clarice aponta que uma das saídas seria investir em pesquisa e desenvolvimento na busca por melhor eficiência energética, principalmente no setor industrial. Nesse sentido, a construção de motores e alto-fornos mais eficientes contribuiriam para a criação de novos empregos.

Sem medidas como estas, de ampliação de energia limpa e consumo mais eficiente, ela acredita que a crise hídrica e os riscos de apagão não acabam em 2022, mesmo se houver chuvas acima da média deve durar anos. coE prevê que deve levar anos para que os reservatórios recuperem níveis seguros de operação

Da Rede Brasil de Atual.