Após 30 anos no poder, ditador Hosni Mubarak renuncia no Egito


Manifestantes antigoverno tomam as ruas da litorânea Alexandria, segunda maior cidade do Egito, no 18º dia de protestos.
Foto: AFP

Após 18 dias de intensos e violentos protestos que tomaram diversas cidades do Egito, o ditador Hosni Mubarak, 82, renunciou ao poder depois de comandar uma ditadura com mão de ferro durante 30 anos. O anúncio foi feito pelo vice-presidente egípcio, Omar Suleiman, na TV estatal. Em poucos minutos, centenas de milhares estavam em festa e aos gritos na praça Tahrir, epicentro das manifestações de oposição.

A saída de Mubarak solidifica a crise no mundo árabe, sendo a segunda ditadura a ruir na região em menos de um mês. Ainda no dia 14 de janeiro a Revolução do Jasmim levou o ditador da Tunísia, Zine el Abidine Ben Ali a abandonar o país, em meio ao movimento que se alastrou para outros países, causando protestos na Mauritânia, Argélia, Jordânia e Iêmen.

Além de exigir a renúncia imediata de Mubarak, os egípcios protestaram por mais de duas semanas contra altas taxas de desemprego, pobreza, censura, abusos do regime ditatorial e sobretudo por reformas políticas e econômicas.

O ditador ascendeu na Força Áerea –principalmente pelo seu desempenho na guerra de Yom Kippur com Israel– e tornou-se vice-presidente em 1975. Ele assumiu a Presidência quando islamitas mataram a tiros seu antecessor, Anwar Sadat, em um desfile militar em 1981.

Mubarak se beneficiou de artigos da Constituição egípcia que ditam mandatos presidenciais de seis anos com um número de reeleições indefinidas. Além disso, alterações à lei fizeram com que a vitória de candidatos de outro partido que não o seu fosse praticamente impossível.

Sob denúncias de corrupção e em meio a diversas acusações de abusos de autoridade e prisões tornadas possíveis devido ao estado de emergência, em vigor há 30 anos no país, a imagem de Mubarak deteriorou-se ao longo dos anos.

Aliado de Washington na região, o ditador usufruía de boas relações com o Ocidente embora fosse fato conhecido de que seu governo era uma ditadura de mão de ferro.

Mubarak também era bem visto por ter mantido um acordo de paz com Israel, assinado em 1979, país com o qual o Egito travou três guerras.

Nas eleições legislativas de novembro passado, o partido de Mubarak ganhou cerca de 90% dos assentos no Parlamento, que viu a principal oposição islâmica perder todos os seus 88 lugares, garantindo ao partido de Mubarak as decisões do Parlamento e apertando o punho Mubarak no poder.

Saída do Cairo
Em uma tentativa de acalmar os manifestantes, Mubarak anunciou dias atrás que não concorreria às eleições presidenciais de setembro próximo, mas alertou que ficaria no poder até lá para evitar o “caos” no país. Ele mandou ainda seu vice, Omar Suleiman, negociar com a oposição –oferta que foi rejeitada. Os manifestantes exigiam que Mubarak deixasse o poder antes de iniciar qualquer diálogo.

Mais cedo, o porta-voz do partido de Mubarak havia confirmado que o mandatário e sua família viajaram para o balneário de Sharm el-Sheikh, no mar Vermelho.

“Ele está em Sharm el-Sheikh”, afirmou Mohammed Abdellah, do Partido Nacional Democrático.

Pouco antes, fontes ligadas ao governo informaram que Mubarak e a família haviam deixado o Cairo nesta sexta-feira, mas sem deixar claro qual era o destino.

A TV estatal egípcia informou também que uma importante declaração de Mubarak será transmitida em breve, mas não deu mais detalhes.

A edição digital do jornal pró-governo “Al Ahram” afirma, citando fontes próximas às Forças Armadas, que Mubarak esteve em uma base militar durante as últimas 48 horas para garantir sua segurança.

O jornal diz ainda que, “devido à situação na capital, foi impossível para o presidente mover-se com segurança com sua comitiva habitual”.

A informação sobre a viagem de Mubarak também foi divulgada pelas redes de TV árabes Al Arabiya e Al Jazeera. Sharm el-Sheikh, localizado no extremo sul da península do Sinai, é o local em que Mubarak costuma receber personalidades estrangeiras e realizar conferências internacionais.

Protestos
Os violentos protestos registrados no Egito por mais de duas semanas registraram quase 300 mortes, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), além da morte de jornalistas e diversos ataques à imprensa.

Iniciadas no Cairo, as manifestações se espalharam por outras cidades, como Alexandria e Suez.

O Exército teve um papel crucial desde o início da crise, por vezes apoiando a população mas em algumas ocasiões também abrindo fogo contra os manifestantes.

Nesta sexta-feira, centenas de milhares de pessoas fizeram orações na praça Tahrir, onde clérigos traçaram paralelos entre a luta dos manifestantes contra Mubarak e a do profeta Moisés com o antigo faraó. “Que Deus force os opressores para fora!”, os clérigos diziam. “Amém, amém”, respondiam os fiéis. Depois, seguiram para o palácio presidencial.

Do lado de fora do prédio, homens rezavam atrás de veículos blindados. Os militares não interferiram, apesar de eles terem bloqueado as principais ruas que levam ao palácio, um grande complexo onde Mubarak conduz a maioria de suas tarefas oficiais.

“Abaixo, abaixo Hosni Mubarak!”, cantavam os manifestantes. Centenas deles andaram por mais de uma hora para chegar até o palácio na noite de quinta-feira, saindo do epicentro dos protestos, a praça Tahrir, no centro do Cairo.

“Saia! Por que você continua?”, gritavam cinco mulheres idosas. “Trinta anos é o suficiente”, elas diziam ao ditador, de 82 anos de idade. O número de manifestantes no palácio já era de 2.000 no início da tarde.

“Não sairemos até que Mubarak renuncie e, se Deus quiser, o protesto de hoje será pacífico”, disse Yasmine Mohamed, 23, uma estudante universitária. “Tudo ficará bem e ele renunciará com certeza.”

Um membro de um dos movimentos jovens por trás protestos, que começaram em 25 de janeiro, disse que os manifestantes iriam “tomar o palácio”. “Teremos massas de egípcios após as orações de sexta-feira para tomá-lo”, disse Ahmed Farouk, 27.

Na segunda maior cidade egípcia, Alexandria, na costa mediterrânea, centenas de milhares de pessoas foram às ruas após as orações. O xeque Ahmed al Mahalawi, em seu sermão na principal mesquita da cidade, pediu aos fiéis para não desistirem.

“Não recuem de sua revolução porque a história não irá recuar”, afirmou o xeque em um sermão transmitido pela rede Al Jazeera. Mahalawi disse aos fiéis que eles estavam derrubando um “regime corrupto” que não serve para governar.

Da Folha Online