Após ligação de Serra, Gilmar Mendes interrompe sessão sobre documentos para votar

Após receber uma ligação do candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes interrompeu o julgamento de um recurso do PT contra a obrigatoriedade de apresentação dos dois documentos na hora de votar.

Serra pediu que um assessor telefonasse para Mendes pouco antes das 14h, depois de participar de um encontro com representantes de servidores públicos em São Paulo. A solicitação foi testemunhada pela Folha.

No fim da tarde, Mendes pediu vista, adiando o julgamento. Sete ministros já haviam votado pela exigência de apresentação de apenas um documento com foto, descartando a necessidade do título de eleitor.

A obrigatoriedade da apresentação de dois documentos é apontada por tucanos como um fator a favor de Serra e contra sua adversária, Dilma Rousseff (PT).

A petista tem o dobro da intenção de votos de Serra entre os eleitores com menor nível de escolaridade.

Após pedir que o assessor ligasse para o ministro, Serra recebeu um celular das mãos de um ajudante de ordens. O funcionário o informou que o ministro do STF estava do outro lado da linha.

Ao telefone, Serra cumprimentou o interlocutor como “meu presidente”. Durante a conversa, caminhou pelo auditório onde ocorria o encontro. Após desligar, brincou com os jornalistas: “O que estão xeretando?”

Depois, por meio de suas assessorias, Serra e Mendes negaram a existência da conversa.

Para tucanos, a exigência da apresentação de dois documentos pode aumentar a abstenção nas faixas de menor escolaridade.

Temendo o impacto sobre essa fatia do eleitorado, o PT entrou com a ação pedindo a derrubada da exigência.

O resultado do julgamento já está praticamente definido, mas o seu final depende agora de Mendes.

Se o Supremo não julgar a ação a tempo das eleições, no próximo domingo, continuará valendo a exigência.

À Folha, o ministro disse que pretende apresentar seu voto na sessão de hoje.

Antes da interrupção, foi consenso entro os ministros que votaram que o eleitor não pode ser proibido de votar pelo fato de não possuir ou ter perdido o título.

Votaram assim a relatora da ação, ministra Ellen Gracie, e os colegas José Antonio Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto e Marco Aurélio Mello.

Para eles, o título, por si só, não garante que não ocorram fraudes. Argumentam ainda que os dados do eleitor já estão presentes, tanto na sessão, quanto na urna em que ele vota, sendo suficiente apenas a apresentação do documento com foto.

“A apresentação do título de eleitor não é tão indispensável quanto a do documento com fotografia”, afirmou Ellen Gracie.

O ministro Marco Aurélio afirmou que ele próprio teve de confirmar se tinha consigo seu título de eleitor. “Procurei em minha residência o meu título”, disse. “Felizmente, sou minimamente organizado.”

A obrigatoriedade da apresentação de dois documentos foi definida em setembro de 2009, quando o Congresso Nacional aprovou uma minirreforma eleitoral.

O PT resolveu entrar com a ação direta de inconstitucionalidade semana passada por temer que a nova exigência provoque aumento nas abstenções.

O advogado do PT, José Gerardo Grossi, afirmou que a exigência de dois documentos para o voto é um “excesso”. “Parece que já temos um sistema suficientemente seguro para que se exija mais segurança”, disse.

Da Folha Online (Moacyr Lopes Júnior e Cátia Seabra)


O candidato tucano José Serra no suposto telefonema para o ministro Gilmar Mendes, do STF (Foto: Rodrigo Coca/ Fotoarena/ Especial para o Terra)

Dalmo Dallari: “Decisão de Gilmar Mendes prova que ele não tinha condições de ser ministro do STF”

Por Conceição Lemes, no blog Viomundo

Ontem à tarde os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) se reuniram para julgar a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), reivindicando o fim da exigência da apresentação de dois documentos para votar nas eleições do próximo domingo.

O placar estava 7 a 0. Sete ministros já haviam votado pela exigência de apresentação de apenas um documento com foto, descartando a necessidade do título de eleitor.  Foi quando o ministrro Gilmar Mendes pediu vistas ao processo, e o julgamento interrompido.

Mais tarde circulou a informação de que a decisão de Mendes foi após conversar com o candidato José Serra (PSDB), que lhe telefonou.

Reportagem publicada hoje pela Folha confirma a conversa, testemunhada pelos repórteres. A Folha  divulga na primeira página: “Após ligação de Serra, Mendes para julgamento de ação do PT”. Segundo a matéria, Serra chamou Gilmar de “meu presidente”.

Conversamos agora por telefone com o jurista Dalmo Dallari, professor emérito da Faculdade de Direito da USP, sobre os dois fatos.

Viomundo – O que o senhor achou da decisão do Gilmar Mendes?
Dalmo Dallari – Lamentável, não importa com que ele tivesse conversado. Do ponto jurídico, é uma decisão totalmente desprovida de fundamento. Seguramente causou prejuízo imenso à instituição. Foi péssimo para a imagem do STF.

Viomundo – O pedido de vistas do processo ocorre  quando há alguma dúvida a ser dirimida. Havia alguma?
Dalmo Dallari – Razão jurídica, nenhuma. Razão extra, não sei.

Viomundo  – O que ocorrerá agora?
Dalmo Dallari – A repercussão foi tão negativa que possivelmente ele devolverá até amanhã o processo para o STF.

Viomundo – O ministro Gilmar Mendes conversou com o candidato Serra antes de tomar a decisão. Qual a implicação jurídica disso?
Dalmo Dallari – Eu vi as reportagens, elas insinuam a conversa. Mas, eu como advogado, raciocino em cima de provas. Só depois de tê-las é que posso me manifestar.

Viomundo – Em 2002, o senhor fez um artigo, publicado originalmente na Folha de S. Paulo, criticando a indicação de Gilmar Mendes para o STF. O senhor disse que ele  “degrada o Judiciário”. E agora?
Dalmo Dallari – A decisão de ontem demonstra que eu tinha razão. Ele não tinha condições de ser ministro do STF. Hoje estou convencido de que ele não tem a seriedade e imparciliadade indispensáveis para um juiz.


Walter Maierovitch: Nos corredores do Supremo, fala-se em impeachment de Gilmar Mendes

Artigo do jurista e professor Walter Maierovitch, no blog Sem fronteiras 

1. A matéria apresentada pelo Jornal Folha de S. Paulo é de extrema gravidade. Pelo noticiado, e se verdadeiro, o ministro Gilmar Mendes e o candidato José Serra, tentaram, por manobra criminosa, retardar julgamento sobre questão fundamental, referente ao exercício ativo da cidadania: o direito que o cidadão tem de votar.

Atenção: Gilmar e Serra negam ter se falado. Em outras palavras, a matéria da Folha de S.Paulo não seria verdadeira.

Pelo que se infere da matéria, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes interrompeu o julgamento do recurso apresentado pelo PT. Pela ação proposta, considera-se inconstitucional a obrigatoriedade do título eleitoral, acrescido de um documento oficial com fotografia.

O barômetro em Brasília indica alta pressão. Pressão que subiu com o surpreendente pedido de “vista” de Mendes. E que chegou no vermelho do barômetro com a matéria da Folha. Ligado o fato “a” (adiamento) com o “b” (pedido de Serra), pode-se pensar no artigo 319 do Código Penal: crime de prevaricação.

Já se fala entre políticos, operadores do Direito e experientes juristas, caso o fato noticiado na Folha de S.Paulo tenha ocorrido e caracterizado o pedido de Serra para Gilmar “parar” o julgamento, em impeachment do ministro.

O impeachement ecoa na “rádio corredor” do Supremo. E por eles circulam ministros e assessores.

Com efeito. O julgamento da ação proposta pelo PT transcorria sem sobressaltos. Não havia nenhuma dificuldade de ordem técnica-processual. Trocando em miúdos, a matéria sob exame dos ministros não tinha complexidade jurídica. Portanto, nenhuma divergência e com dissensos acomodados e acertados.

Sete ministros já tinham votado pelo acolhimento da pretensão apresentada, ou seja, ao eleitor, sem título eleitoral, bastaria apresentar um documento oficial, com fotografia. A propósito, a ministra Ellen Gracie observou que a exigência da lei “só complica” o exercício do voto.

O que surpreendeu, causou estranheza, foi o pedido de vistas de Gilmar Mendes. Como regra, o pedido de vistas ocorre quando a matéria é de alta complexidade. Ou quando algum ministro apresenta argumento que surpreende, provocando a exigência de novo exame da questão. Isso para que quem pediu vista reflita, mude de posição ou reforce os argumentos em contrário.

Também causou estranheza um pedido de vista de matéria não complexa, quando, pela proximidade das eleições, exigia-se urgência.

Dispensável afirmar que não adianta só a decisão do Supremo. É preciso tempo para a sua repercussão. Quanto antes for divulgado, esclarecido, melhor será.

Terceiro ponto: a votação no plenário do STF se orientava no sentido de que a matéria era de relevância, pois em jogo estava o exercício da cidadania. A meta toda era, como se disse no julgamento,  facilitar e não complicar o exercício da cidadania, que vai ocorrer, pelo voto, no próximo domingo, dia das eleições.

Um pedido de vista, a esta altura, numa questão simples, em que os sete ministros concluíram que a lei sobre a apresentação de dois documentos para votar veio para complicar, na realidade, dificultava esse mencionado exercício de cidadania ativa (votar).

O pedido de vista numa questão que tem repercussão, é urgente e nada complexa, provocou mal-estar.

Os ministros não querem se manifestar sobre a notícia divulgada pela Folha, uma vez que, tanto José Serra quanto Gilmar Mendes negaram. Mas vários deles acham que a apuração do fato, dado como gravíssimo, se for verdadeiro, é muito simples. Basta quebrar o sigilo telefônico.

Pano rápido. Como qualquer toga sabe, a matéria da Folha de S.Paulo é grave porque envolve, caso verdadeira, uma tentiva de manipulação que prejudica o direito de cidadania. Trata-se de um ministro do Supremo, que tem como obrigação a insenção. Serra e Mendes desmentiram. A denúncia precisa ser apurada pelo Ministério Público e, acredita-se, que a dra Cureau não vai deixar de apurar e solicitar, judicialmente, a quebra dos sigilos telefônicos de Serra e Mendes.

A única forma de se cassar um ministro do Supremo, já que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não tem poder correcional sobre eles, é o impeachment. Ministros do Supremo só perdem o cargo por impeachment.

O único caminho, quando se trata de grave irregularidade, de crime perpetrado – e esse caso, se comprovado, pode ser caracterizado como crime -, é o impeachment.

Na historiografia judiciária brasileira nunca houve impeachment de ministro do STF. Já houve cassação pela ditadura militar, e por motivo ideológico.