Após um ano, Lei da Billings é sonho

Ao menos 100 mil casas aguardam iniciativas das prefeituras para cumprir legislação que vai regularizar imóveis

 

Amanda Perobelli

Já faz mais de um ano que a Lei Específica da Billings foi aprovada, mas a Região não mostra sinais de avanços para a regularização das residências do entorno da represa e muito menos para a recuperação ambiental do local, assegurados na legislação. A falta de urbanização, infraestrutura e saneamento básico dos cerca de 100 mil imóveis em área de manancial do ABCD, assim como a não-preservação, despejo de lixo e esgoto in natura, marcarão o aniversário de 86 anos da represa, comemorado neste domingo (27/03).

O deputado estadual Donisete Braga acredita que falta organização das prefeituras do ABCD para que o processo saia do papel. “Santo André, São Bernardo, Diadema, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra precisam formar um grupo, concentrar informações e passar os dados aos cartórios de registros para que saiam os documentos de posse das residências”, explicou. O parlamentar afirmou que está cobrando mobilização do Consórcio Intermunicipal. “É um processo novo, burocrático, mas se nada começar a ser feito não vai andar”.

As prefeituras de Santo André, São Bernardo, Diadema e Ribeirão Pires garantem que não estão paradas e que já iniciaram o processo de regularização para os assentamentos em áreas de interesse social, com apresentação de propostas dos locais que podem ser enquadrados como PRIS (Plano de Recuperação de Interesse Social) para posterior licenciamento, execução de obras e regularização dos imóveis. O problema é que o trabalho é burocrático, demorado, demanda muito investimento e é, até o momento, praticamente invisível aos olhos da população.

“A Lei da Billings é maravilhosa porque garante o direito de moradia em harmonia com a natureza, mas não é uma varinha mágica. O processo não é imediato, demanda muito dinheiro e trabalho”, explicou a secretária de Habitação de São Bernardo, Tássia de Menezes Regino. O município já realizou todo o mapeamento das áreas irregulares e precárias e descobriu que a cidade possui 151 assentamentos que podem ser enquadrados como PRIS, o que corresponde a 40 mil unidades habitacionais. As demais áreas ainda estão com o mapeamento em curso.

Diferentemente da secretária, o ambientalista Virgílio Alcides de Farias acredita que a Lei Específica da Billings é falha, porque não limita a quantidade de esgoto que pode ser jogada na represa e não cita no texto especificação de como será o pagamento dos chamados protetores-recebedores, moradores do entorno da represa que serão compensados pelo trabalho de preservação. “A legislação garante pagamento em dinheiro para os proprietários de terrenos que têm produção de água ou retenção de CO2 (gás carbônico), mas o Estado não especifica quem fará esse pagamento”, afirmou.

Para Virgílio, a antiga legislação que regulava o uso e ocupação do solo em áreas de mananciais era melhor. “Isso porque restringia a quantidade de habitantes por metro quadrado. Hoje, desde que o imóvel tenha 5 m² permeáveis, podem viver no espaço quantas pessoas quiserem. Além de aumentar a poluição, em alguns bairros, como o Eldorado, não é possível ter essa metragem para escoamento da água”, disse.

Obras
A secretária Tássia Regino afirmou que, dos 151 assentamentos no entorno da Billings em São Bernardo, alguns possuem contrato e outros estão na fase de contratação para desenvolver as obras. “Já iniciamos as intervenções em cinco núcleos do Parque Alvarenga, um no Capelinha e outro no Cocaia”. Tássia ainda esclareceu que o município possui cinco tipologias de problemas nos núcleos, sendo que alguns vão passar por urbanização e outros apenas por intervenções pontuais. “A prioridade são os locais de risco e de interesse ambiental”.

Diadema apresentou três locais que podem ser enquadrados como PRIS, sendo que a primeira proposta, relativa à rua Iguassu, foi aprovada e enquadrada no plano. Apesar de não citar nomes, a Prefeitura afirmou que apresentará, nos próximos dias, a quarta proposta de enquadramento em PRIS.  A Prefeitura de Ribeirão Pires aguarda a análise da Secretaria de Habitação do Estado sobre as áreas do município carentes de regularização fundiária, que deverá ser realizada pelo programa Cidade Legal. Os imóveis que não puderem receber a escritura serão recuperados ambientalmente e as edificações, devidamente realocadas.

Em nota, a Prefeitura de Santo André informou que aguarda resposta da Secretaria Estadual do Meio Ambiente sobre o PRIS do núcleo Pintassilgo, ocupação irregular em terreno que pertence ao Parque do Pedroso. As ações envolvem a remoção de mais de 580 moradias da área de preservação. O município ainda prevê a implantação ou urbanização de mil unidades habitacionais em áreas de assentamento precário em torno da represa.

O cronograma de intervenções no Pintassilgo integra acordo entre Prefeitura e Ministério Público do Estado de São Paulo. As etapas de remoção tiveram início em 2007 e 2008 por conta das obras do trecho Sul do Rodoanel e vão prosseguir nos próximos seis anos. O projeto de urbanização, que definirá com maior precisão as obras e remoções necessárias, está aprovado no PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento), e a expectativa é que  as intervenções sejam licitadas ainda este ano. 

Ocupação irregular causa degradação do manancial
A maior ameaça à represa vem da ocupação irregular de seu entorno, que degrada o manancial. O cumprimento da legislação vem para mudar esse panorama. A Lei da Billings prevê escritura para quem tem construções menores do que 125 m², caso da maioria dos habitantes do entorno da represa, estimados em 1 milhão.

Aos 86 anos, a Billings já perdeu 36% da capacidade de armazenamento e grande parte está poluída. “Bebemos o esgoto que produzimos e ninguém faz nada”, criticou o professor-adjunto da UFABC (Universidade Federal do ABC) Ricardo de Sousa Moretti.

Faz quatro anos que o quintal do pedreiro João Darciu Rodrigues é a Billings. Sem condições financeiras para adquirir uma casa com escritura, o paraibano comprou um imóvel na beira da represa, na estrada do Alvarenga, em São Bernardo. “Ninguém que tenha recurso mora em um lugar desses. Se pudesse iria para um local melhor”, desabafou. Rodrigues vê com bons olhos as mudanças propostas pela lei da Billings. “Ficarei feliz de conseguir os documentos da casa, mas se for preciso sair, também saio, desde que me coloquem em um lugar melhor”, afirmou.

A falta de fossa e de coleta de esgoto do imóvel de Rodrigues e dos vizinhos revela a importância do início imediato das regularizações. Nos dias quentes, os moradores sofrem com o mau cheiro da represa que recebe todo o esgoto do bairro. “Para conseguir ficar em casa, só com janelas e portas fechadas”, disse Rodrigues.

O comerciante e pescador Alci de Morais Carvalho, que mora no local há 17 anos, percebeu que a escassez de peixes está por toda a Billings. “A cada ano, a quantidade de peixes diminui. É preciso implantar uma coleta de esgoto urgente em todo o ABCD”, afirmou.y

Destinação: abastecimento ou energia?
Atualmente, entre as cidades do ABCD e a Capital, cerca de 1,8 milhão bebem água da represa Billings. Porém, quando foi criado, o principal objetivo do manancial era armazenar água para gerar energia elétrica para a usina Henry Borden, que está localizada em Cubatão. 

Com o passar do tempo, a necessidade de abastecimento na Região Metropolitana de São Paulo foi priorizada e a finalidade da represa mudou. Pela poluição, hoje não existe água suficiente para fazer as duas atividades.

De acordo com o engenheiro civil e professor-adjunto da UFABC Ricardo de Sousa Moretti, se as águas dos rios Tietê e Pinheiros fossem limpas, a reversão das águas para a Billings garantiria o volume suficiente para o abastecimento da população e para o uso da hidrelétrica.

“Por não termos água limpa nos rios, deixamos de lucrar, em 15 anos, mais de R$ 3,6 bilhões em energia ao deixar a Henry Borden operar com apenas 14,36% da capacidade”, disse Moretti.

Moretti acredita que os bilhões investidos, pelo governo federal, na usina nuclear Angra 3 poderiam ser revertidos para despoluir os rios Tietê e Pinheiros e na modernização da  Henry Borden. “A modernização elevaria a capacidade de megawatts entre 10% e 15% da usina de Cubatão. Seria um ganho energético enorme para o País e para o meio ambiente”, destacou.

Do ABCD Maior