As outras intenções da Princesa Isabel

Documento recémrevelado mostra que a autora da Lei Áurea queria também distribuir terra ao negros libertados.

A assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, foi considerada durante longos anos pela história oficial como a redenção dos escravos que viviam no Brasil. Muito tempo se passou até que o movimento negro questionasse a amplitude da lei, que deixou entregues à própria sorte afro-descendentes destituídos de emprego, educação e moradia.

Nesse 13 de maio de 2006, porém, um novo fato reabre a discussão do papel da princesa e seus interesses na abolição, situando-a num patamar bem mais progressista do que se supunha até então.

A mudança no contexto vem pela divulgação de uma carta escrita pela princesa em 11 de agosto de 1889 revelada pela revista Nossa História neste mês. Endereçada a um amigo, o Visconde de Santa Vitória (primo e sócio do Visconde de Mauá, um dos homens mais ricos do Brasil), deixa claro que ela tinha planos para os escravos recém-libertos. Isabel e o pai, o imperador Pedro II, chegaram  a articular com empresários a compra de terras para ex-escravos. A mensagem dirigida por Isabel ao empresário é clara: “Com os fundos  doados pelo senhor, teremos oportunidade de colocar estes ex-escravos, agora livres, Afro-descendentes em terras próprias trabalhando  na agricultura e na pecuária e delas tirando seus próprios proventos”.

“Nessa carta da princesa dá para ver que ela pensava nisso, em uma reforma agrária após a abolição”, apontou o historiador Eduardo Silva. Ele lembra que Isabel chegou a ter contato indireto com escravos fugidos, reunidos em um quilombo no Alto Leblon, então o único lugar do país onde se cultivavam camélias, a flor que acabou virando um símbolo da luta abolicionista.

Para o diretor executivo do Educafro, frei David Santos, é preciso rever o papel da princesa. “Somos obrigados a perceber o quanto ela tinha a intenção de redenção e o quanto a classe política daquele tempo não permitiu esse sonho de redenção ser realizado”, acredita.

Libertação – O documento, que ficou guardado por mais de um século traz ainda outra revelação: a princesa Isabel estava engajada numa outra campanha, pelo voto feminino. “Quero agora dedicarme a libertar as mulheres dos grilhões do cativeiro doméstico, e isto será possível através do sufrágio feminino. Se a mulher pode reinar, também pode votar”, escreveu a princesa. Com a Lei Áurea, caiu o apoio político ao Império, que seria derrubado três meses depois com a proclamação da República. A princesa e a família real tiveram então que se exilar em Paris.

Conseqüências – As garantias pedidas por Isabel jamais tornaram-se reais. Nenhum ex-escravo foi indenizado, dando origem a um ciclo de desigualdade contínuo cujas conseqüências permanecem no Brasil atual. “Por isso temos a necessidade de defender políticas públicas específicas para os afro-descendentes, como por exemplo as cotas nas universidades”, lembra Ana Nice Machado, coordenadora da Comissão de Combate ao Racismo dos Metalúrgicos do ABC.