Assassinos da democracia, por Emir Sader
Nos anos 60 e começo dos 70, o governo dos EUA se dedicou a liquidar o movimento negro naquele país. Os direitos civis conquistados punham em movimento uma força social e cultural que se demonstrava muito radical para os porões norte-americanos e, em especial, para épocas como a da guerra do Vietnã e da ascensão de Richard Nixon.
O movimento negro foi liquidado, em todas as suas vertentes, do pacifismo de martin Luther King ao radicalismo dos Black Panthers, passando pelo de Malcolm X. Apenas algumas décadas depois, a juventude negra é dizimada pelo crack e protagoniza abertamente a crise social da violência urbana, levando a que cidades predominantemente negras na composição de sua população, como Washington, tenha toque de queda permantente.
Os negros hoje vivem pior do que nos anos 50, deslocados dos postos de trabalho pelos trabalhadores imigrantes, que são obrigados a trabalhar em quaisquer condições, por não terem carteira de trabalho, ao contrário dos negros rebeldes, passíveis de sindicalização.
Teria sido muito melhor para a construção de uma democracia com alma social nos EUA a convivência – mesmo que difícil – com os movimentos negros, que representavam suas expressões políticas organizadas, aquelas que davam racionalidade às suas reivindicações. O pior são as expressões desordenadas, no enfrentamenteo violento com a polícia, que leva grande parte deles a fazer parte da maior população carcerádia do mundo, outra a vegetar nos guetos urbanos da droga, enquanto um outro setor segue a difícil luta pela conquista da cidadania.
Algo parecido acontece com os sem terra hoje no Brasil. As elites bem postas se dedicam a tentar liquidar o movimento que busca resgatar a cidadania das pessoas mais pobres, mais humildes, mais massacradas do país, com todo o peso da sua força. Governo, PMs, Exército e os grandes meios de comunicação se mancomunam para tentar a criminalização do mais belo e meritório movimento social que a história do Brasil já teve.
Um movimento que, conforme reconhecem as Nações Unidas na sua última avalíação do Índice de Desenvolvimento Humano, com sua luta, fez com que um milhão de pessoas tenham acesso à terra, contra a vontade das elites e dos governos que em 500 anos só concentraram a terra e a protegeram com a violência. Mais do que isso: nos assentamentos dos sem terra, não há criança fora da escola, num sistema escolar formulado e organizado por eles mesmos, com professores pagos pelas prefeituras, com curriculum decidido por eles mas formalizado pelo Ministério da Educação. Como disse José Cláudio Todorov, responsável de alfabetização do Ministério: “Os sem terra fizeram pela alfabetização no Brasil mais do que 500 anos de história.
É a esse movimento que as elites conjugadas querem destruir, para que o Pará volte a ser o que era, segundo testemulho da Pastoral da Terra daquele estado: uma zona de faroeste, em que os trabalhadores rurais eram massacrados cotidianamente, sem nem sequer sair notícia nos jornais. Querem que proliferem guerrilhas rurais no Brasil, como na Colômbia, como deseja o general Alberto Cardoso, sequioso de militarizar ainda mais os conflitos rurais no Brasil, ao dizer que os sem terra vão “apelar pra outros meios”. O Brasil só não virou uma Colômbia no campo, não graças aos Cardosos e a seu garçom, o Jungmann, mas graças ao MST.
É isso o que querem os assassinso do pouco de democracia que construímos? É isso o que querem de novo todos os magnadas da grande imprensa – que com a única exceção da Ultima Hora – apolaram, pregaram o golpe militar de 64, esconderam seus crimes e compactuaram com a dilapidação do país?
Defender os sem terra na sua luta passou a ser um certificado de caráter no Brasil de hoje. Diga-me o que você acha dos sem terra e eu direi quem você é. O combate entre pobres e ricos, poderosos e fracos, trabalhadores e especuladores, povo e elites, começa com esta pergunta.