Até a Veja admite: “O Brasil saiu fortalecido” da crise

A revista mais lida do País faz uma análise da crise favorável às decisões do governo Lula. A Veja teve de ceder aos fatos, embora tenha passado os últimos cinco anos criticando e atacando a política econômica do governo federal

 

A revista Veja dedica sua edição desta semana (nº 2130, de 16/9/2009) a uma ambiciosa tentativa de exlicar o mundo pós-crise. E faz uma análise amplamente favorável às decisões do governo do Brasil, que, no entender dos especialistas citados, foi o último país a entrar na turbulência e está sendo o primeiro a sair dela.

Sim, porque, acredite o(a) leitor(a), a revista mais lida do Brasil, aquela que passou os últimos cinco anos criticando a política econômica oficial, chegou à conclusão de que a crise financeira internacional realmente não passou de uma marolinha por aqui.

O carro-forte do esforço de reportagem é uma entrevista com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, de longe a figura mais palatável do governo para a imprensa nacional. Pois Meirelles, lá pelo meio da conversa, lembra que o governo combateu a crise com uma receita que misturava o estímulo ao crédito e redução controlada, mas firme, dos juros e dos impostos, contra a opinião da maioria dos economistas apreciados pela mídia. E observou que os bancos públicos, cujo fortalecimento foi condenado pela imprensa, lideraram a oferta de financiamentos, medida fundamental para a retomada da economia.


Sem críticas

Não é preciso ter memória de elefante, apenas o hábito de guardar recortes, revistas velhas e arquivos digitais, para se ter acesso ao conjunto de críticas que a imprensa – Veja em destaque – apresentou à estratégia governamental de reforçar os bancos públicos.

Indo um pouco mais longe, também seria interessante lembrar como a imprensa condenou a política externa brasileira, de diversificar as parcerias comerciais e reduzir a dependência em relação aos Estados Unidos.

Adeptos do alinhamento automático aos americanos, jornais e revistas, com exceção da CartaCapital, tentaram desqualificar a estratégia do Itamaraty de virar as costas à proposta da ALCA (Aliança de Livre Comércio das Américas) em favor do Mercosul.

Hoje ninguém se arrisca a condenar a diversidade da carteira comercial brasileira, causa essencial da vantagem que representou para o país contar com mais de 200 bilhões de dólares no momento de encarar a crise internacional.


Pode melhorar

Como boas contribuições ao debate, registrem-se os cadernos “Aliás”, do Estado de S.Paulo, e “Mais!”, da Folha, no domingo (13/9). O caderno do Estadão traz um artigo honesto sobre como a imprensa costuma tratar de maneira viciada a relação entre o poder público e a iniciativa privada. O caderno da Folha debate como a teoria simplificadora sobre a eficiência dos mercados desmorona com o fim da hegemonia do liberalismo.

É bem mais do que o leitor teve nos últimos anos, mas dá para melhorar.

Até o meio da semana, quando se convenciona seja o marco de um ano da crise internacional, a imprensa brasileira ainda tem tempo para fazer sua autocrítica.

Observatório de Imprensa

 Abaixo, integra da reportagem publicada na última edição da Veja:

 A despeito do pânico no fim do ano e do temor de que o drama do desemprego crescente voltasse a atingir a economia, o Brasil agora já está em plena recuperação. Aqui a crise chegou tarde e foi embora cedo. Isso só pôde acontecer por causa dos avanços obtidos nos últimos quinze anos e também por causa da ação eficaz do governo, especialmente do Banco Central, em meio à turbulência. “Chegamos a receber críticas por supostamente termos agido tardiamente”, afirma o presidente do BC, Henrique Meirelles. “Agora, no entanto, fica evidente que fizemos o diagnóstico correto e soubemos agir para eliminar os focos de contágio da crise no país, com o menor custo para a economia.” Meirelles falou ao editor Giuliano Guandalini na tarde da quarta-feira, em seu gabinete na sede do BC, em Brasília.

CREDIBILIDADE

O Brasil conquistou o reconhecimento externo pela seriedade com que a economia do país tem sido administrada, particularmente no caso da atuação do Banco Central. Participamos ativamente dos principais fóruns de discussão sobre a economia mundial. Trata-se de um grupo bastante restrito, do qual hoje o Brasil faz parte. O mundo quer ouvir as lições que temos a oferecer. Infelizmente, o que o Brasil fez certo durante a crise é muito mais bem entendido no exterior. O BC brasileiro tem sido elogiado lá fora por ter seguido a estratégia correta, ao contrário de outros bancos centrais que agora reconhecem seus erros. Aqui, entretanto, há quem diga que o país foi pouco atingido apesar de o BC ter sido lento, como se não houvesse causa e efeito. Penso que essas críticas derivam do mal entendimento do que ocorreu e de um equívoco de avaliação. Isso me deixa um pouco entristecido. É como se o país tivesse entrado e saído da crise por obra de uma magia, sem que nada tivesse sido feito para atenuar os efeitos do choque externo.

 

A CRISE NO BRASIL

Embora a crise tenha se iniciado nos Estados Unidos e na Europa no fim de 2007, até setembro de 2008 o Brasil não havia sido atingido em nada. No terceiro trimestre do ano passado, o PIB brasileiro cresceu 6,8%, acima de seu potencial. Mas aí veio um dado novo: a quebra do banco Lehman Brothers, que provocou uma paralisação gradativa do sistema financeiro mundial. Houve um efeito drástico da concessão de financiamentos pelos bancos estrangeiros. No Brasil, 19% da oferta de crédito tinha origem externa. O colapso dessas linhas irradiou efeitos em cadeia, restringindo o crédito para as empresas. Ao mesmo tempo, os bancos nacionais deixaram de ter acesso a dinheiro lá fora. Isso trouxe uma crise de liquidez, por exemplo no financiamento de automóveis. Iniciou-se aqui um processo de recessão diferente do ocorrido em outros países, porque no Brasil a retração foi puxada pelo setor industrial.

 

DIAGNÓSTICO E AÇÃO

Percebemos que o contágio no Brasil havia ocorrido pelos canais do crédito e decidimos agir sobre esse ponto. Outros bancos centrais, ao contrário, optaram por abaixar rapidamente os juros e vender dólares. Hoje, eles reconhecem que erraram, mas no Brasil há muita gente que acha que o BC deveria ter feito o mesmo. Isso só traria mais instabilidade e não teria nenhum efeito prático para resolver o real problema, que era a falta de crédito, como diagnosticamos. Sem que o mercado de crédito estivesse funcionando, a redução da taxa básica (a Selic) teria efeito nulo, não haveria tração na economia. O BC agiu sobre as causas: liberou os compulsórios retidos pelos bancos e ofereceu linhas de crédito em dólares para compensar a falta momentânea de dinheiro externo. A estratégia deu certo, e o crédito voltou a fluir já a partir de novembro. Aí, sim, surtiram efeito as políticas de redução dos juros e da diminuição dos impostos. Contribui também a atuação dos bancos públicos, ampliando os empréstimos. A estratégia funcionou. A crise permaneceu muito restrita e, portanto, não causou um aumento substancial do desemprego. O país perdeu inicialmente 600 000 vagas, mas já em fevereiro as contratações foram retomadas. A produção industrial ainda não recuperou o nível pré-crise, mas tem crescido desde janeiro. Banco nenhum teve problemas mais sérios no país.

 

AS PROTEÇÕES DO PAÍS

O Brasil entrou na crise com recursos. Sem isso, nossas ações não teriam o mesmo efeito. Dispúnhamos de 205 bilhões de dólares em reservas internacionais. Além disso, a demanda doméstica estava aumentando ao ritmo de 9% ao ano. As taxas de investimento eram crescentes. Entramos na crise com a inflação estabilizada. Outro dado de maior importância: bancos sólidos. A recomendação dos acordos de Basileia é que as instituições financeiras tenham 8% de capital próprio em seus ativos. Aqui, a exigência é maior, de 11%, mas, na prática, esse porcentual estava em níveis ainda maiores, de 16%. O Brasil não precisou gastar um centavo para socorrer bancos, como ocorreu em outros países. Esses fatores fizeram com que o país enfrentasse o tsunami externo com um conjunto inédito de proteções. Graças a isso, o desemprego já está em declínio, e os salários reais, em alta.

 

BRASIL PÓS-CRISE

No exterior, o Brasil é visto como dono de uma posição privilegiada. Depois de décadas de declínio, as commodities produzidas pelo país deverão continuar em ascensão por um período relativamente longo, como consequência da incorporação da massa de consumidores asiáticos. Os exportadores de produtos básicos, como o Canadá, a Austrália e o Brasil, deverão se enriquecer. A descoberta do pré-sal é mais um elemento a contribuir com as boas perspectivas do país. O desafio será tirar proveito dessas riquezas, investindo em educação, tecnologia e infraestrutura. Mas não dependemos apenas de commodities. Temos uma indústria diversificada e em crescimento, apesar de queixas eventuais de alguns setores.

 

 

FUTURO POLÍTICO
Existem muitas especulações sobre uma possível candidatura minha, mas francamente ainda não tenho nenhuma decisão tomada, nem sequer a respeito da minha filiação a algum partido. Caso decida me filiar, não necessariamente irei concorrer a algum cargo no próximo ano. De qualquer maneira, não faria nada que maculasse o trabalho do BC e o meu próprio legado.