Até na indústria, a desigualdade impera no desempenho dos setores

A indústria brasileira nunca esteve tão desigual como nessa crise que o setor enfrenta. Após um ano pífio, em que cresceu menos de 1% e abaixo de toda a economia (o IBGE divulga hoje os resultados fechados de 2011), o setor está produzindo 3,2% menos que em setembro de 2008, antes da crise do Lehman Brothers e espécie de ápice da produção do segmento no Brasil. Mas o desempenho é desigual. Enquanto os setores de material eletrônico e equipamentos de comunicações encolheram impressionantes 36% nestes 38 meses – ou seja, estão produzindo um terço menos que em setembro de 2008 -, e mais três registram queda na casa dos 20% (têxtil, calçados e artigos de couro e máquinas, equipamentos e material elétrico), outros segmentos crescem fortemente. O ramo de bebidas está com a produção 21,50% maior, o de equipamentos médico-hospitalares,11,73% e o de perfumaria, higiene e limpeza, 10,56%.

André Macedo, gerente da Pesquisa Industrial Mensal do IBGE, afirma que esses números mostram que o segmento está vivendo um momento muito desigual:

– Em geral estão em melhores condições os segmentos que são mais protegidos da importação e que se beneficiam do aumento da renda e do consumo interno, além dos que investiram mais em inovação – conta.

Flávio Castelo Branco, economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI), afirma que essa heterogeneidade entre os setores industriais é uma realidade que pode se agravar:

– O setor vive um dispersão muito grande de setores e isso pode se intensificar em 2012.

Produto orgânico ganha valor aos olhos do consumidor
Para ele, o governo não enfrenta os verdadeiros motivos da redução da competitividade brasileira e mesmo medidas paliativas, como as presentes no programa Brasil Maior, em sua opinião, demoram para sair do papel.

Mas se os altos custos, a invasão de importados e os problemas de infraestrutura afetam todo o país, porque alguns setores industriais conseguiram se sair tão bem? A inovação pode ser uma resposta. Segundo Castelo Branco, há segmentos altamente inovadores, como a indústria de cosmético e perfumaria e fármacos.

– Em 2011 devemos ter superado o Japão e nos tornado o segundo maior mercado mundial de produtos de higiene e cosméticos, perdendo apenas para os Estados Unidos, que devemos superar em 2015 – afirmou João Carlos Basilio, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec).

Segundo Basilio, cerca de 35% do faturamento das empresas decorrem de produtos lançados um ano antes. Ele citou como exemplo o ramo de desodorantes:

– Agora, sim, há produtos diferenciados para homens e mulheres, e uma variedade incrível de xampus.

Essa é a realidade, por exemplo, da Niely, fabricante de produtos de beleza de Nova Iguaçu. A empresa há alguns anos desbancou multinacionais no mercado de coloração e não para de investir para aumentar sua participação.

– O investimento em pesquisa e lançamentos de produtos tem um custo alto. Porém, esse investimento tem mais importância do que em mídia e celebridade – afirma Daniel de Jesus, presidente da empresa que deve faturar R$600 milhões neste ano e que está investindo R$50 milhões em uma nova fábrica.

Nessa busca por diferencial, o produto nacional pode ser um importante chamariz:

– Exportamos ativos para grandes empresas no exterior, e só agora, o consumidor e o empresário brasileiro começam a dar valor para produtos nacionais e orgânicos. Alguns desses produtos podem até ser um pouco mais caros, mas trazem um valor agregado altíssimo, que faz a diferença no setor – afirma Filipe Sabará, diretor de negócios da Beraca, empresa líder no fornecimento de ingredientes naturais e orgânicos da biodiversidade brasileira.

Gabriela Onofre, diretora de Assuntos Corporativos da P&G Brasil, responsável por marcas como Pantene, confirma que o Brasil cresce de importância e que a inovação é a chave para o sucesso:

– A busca por produtos novos é constante, precisamos atender ao consumidor.

Dificuldade de importação protege alguns ramos
O mesmo ocorre em outro setor que vive um bom momento: o farmacêutico. A Hebron Farmacêutica, empresa de Caruaru que agora começa a produzir nos Estados Unidos, cresceu com os investimentos em inovação em fitoterápicos (medicamentos à base de plantas). “Dedicamos 5% do faturamento bruto da empresa e nossa meta em cinco anos é chegar a 15%”, informou por e-mail a empresa, que espera faturar R$200 milhões até 2014.

Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, afirma que o sucesso de alguns setores, como bebidas, decorre da impossibilidade de importar grandes quantidades para abastecer esse segmento:

– O consumo cresce, e as importações de cerveja, também, porém nunca será em escala suficiente para abastecer todo o mercado local.

Do O Globo