Aumento de salário acima da inflação vira raridade no pós-crise, diz jornal
Antonio Ramalho, do Sintracon: "Não deveria ser difícil negociar, porque as perspectivas para o setor de construção são boas"
O mau desempenho da indústria neste começo de ano já se reflete nas negociações salariais. Depois de cinco anos em que aumentos reais vinham sendo conquistados pela maioria das categorias – em 2008, 78% conseguiram -, os sindicatos encontram hoje um ambiente arisco para negociar e poucos estão obtendo resultados acima do INPC. Em alguns casos, as empresas têm começado a negociação oferecendo aumentos abaixo da inflação do período. Queda da produção, ameaça de desemprego, indefinição do cenário econômico no curto prazo, tudo converge para dificultar as conversas entre funcionários e empresários.
Trabalhadores do segmento de artefatos de couro de Franca, no interior de São Paulo, com data base em 1º de janeiro, começaram pedindo 10% de aumento real. Fecharam acordo com 6,5%, apenas uma reposição das perdas inflacionárias. Os calçadistas da mesma região pediam 16,75% em fevereiro. Vinte rodadas de negociação depois, o pleito foi reduzido para 7,5% no total, com as empresas oferecendo 6,5%, novamente apenas reposição de perdas.
No Sul Fluminense, região que concentra a indústria de transformação do Rio de Janeiro, os reajustes firmados até o momento também só repõem a inflação. O sindicato dos metalúrgicos garantiu a variação do INPC em acordos com as montadoras Volkswagen Caminhões e Peugeot Citröen, a valer a partir de maio.
Cada empresa tem 3 mil empregados nas fábricas de Resende e Porto Real. “As negociações foram mais difíceis porque as montadoras disseram que estavam com os pátios cheios”, diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense, Renato Soares Ramos. A Peugeot Citröen demitiu recentemente 250 pessoas. Já a Volks suspendeu em fevereiro o contrato de trabalho de 500 funcionários, que passaram a receber bolsa de qualificação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) em prazo máximo de cinco meses.
Ramos espera negociação ainda mais dura com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), cuja data base é em maio. A siderúrgica emprega 6,5 mil funcionários em Volta Redonda e demitiu aproximadamente 1,3 mil desde dezembro, segundo o sindicato.
José Silvestre Prado de Oliveira, coordenador de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), diz que é inevitável que as negociações sejam afetadas pela crise. “O aumento das taxas de desemprego e a queda das oportunidades de trabalho tornam o cenário mais adverso para a negociação”, diz. Ele ressalta, porém, que o impacto deve ser diferente, dependendo do setor. “Há setores que ainda não foram muito afetados, nesses casos há possibilidade de conseguir resultados melhores.”
Entre as exceções estão os trabalhadores vigilantes do Rio e do setor de alimentação de São Paulo, que obtiveram aumentos reais de 3% e 1,18% respectivamente. Os 12 sindicatos de vigilantes do Rio fecharam em fevereiro aumento de 9% para 2009. O aumento superou o fechado em 2008, de 6%.
Mesmo assim, os sindicatos da categoria, que representam cerca de 50 mil vigilantes, relatam que as negociações foram mais difíceis neste ano e ameaçaram fazer greve durante o carnaval, o que implicaria, por exemplo, a ausência de segurança no sambódromo carioca, um dos principais atrativos turísticos da época. Também houve passeata no centro do Rio e greve de um dia no município de Campos dos Goytacazes, com a participação de 150 profissionais. “Conseguimos esse aumento, mas o nosso piso salarial ainda é menor em relação a vários Estados, como São Paulo, Minas Gerais e Paraná”, disse o presidente do Sindicato dos Vigilantes do Município do Rio, Fernando Bandeira.
Em São Paulo, os trabalhadores da indústria de alimentação do setor de doces e conservas obtiveram um aumento real de 1,18%. A data base é 1º de março e o aumento beneficia 25 mil pessoas. “As empresas alegaram dificuldade por conta da crise, mas contrapomos que a produção não foi afetada, eram problemas pontuais”, diz Neuza Barbosa, diretora da Federação dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação do Estado de São Paulo (Fetiasp). Casos com possibilidade de aumentos maiores, como o do setor têxtil de Pernambuco, contam com uma base salarial
Do Valor Econômico