Auxílio Brasil abandona critérios do Bolsa Família e desmonta rede de proteção social
A historiadora e pesquisadora Denise De Sordi alerta que a proposta do governo Bolsonaro não é uma medida isolada. “O Auxílio Brasil faz parte de um projeto de desmonte da política social brasileira”
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“Há um apagão dos programas sociais e ele é sintetizado na MP do Auxílio Brasil”, destaca.
São Paulo – O Auxílio Brasil, programa social do governo Bolsonaro que substitui o Bolsa Família, “é um retrocesso que corrói a rede de proteção social” do país. É o que destaca a historiadora e pesquisadora do programa de pós-doutorado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), Denise De Sordi. Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, a especialista contesta que o Auxílio Brasil seja o “novo Bolsa Família”. De acordo com Denise, a proposta de Bolsonaro “não poderia estar mais longe dos objetivos desse programa”.
A primeira diferença, que é também, segundo ela, a mais crucial, é que o Auxílio Brasil não estará articulado ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS). O sistema é o responsável por organizar e permitir a gestão compartilhada de todos os programas que compõem a rede de proteção social. O projeto de Bolsonaro ainda não tem uma definição exata de sua execução, mas a ruptura com o SUAS está prevista tanto na Medida Provisória (MP) enviada pelo governo ao Congresso, quanto na apresentação de seus interlocutores.
“E isso esvazia o próprio programa social do seu conteúdo, tanto político quanto social. Porque estamos vendo um processo que é de transformar um programa de transferência condicionada de renda, ou seja, – que propõe ações socioassistenciais para os beneficiários –, em um programa de mera transferência de dinheiro”, critica a historiadora e pesquisadora. Na prática, a falta de articulação significa o fim das premissas sociais do Bolsa Família. São elas que condicionam o recebimento do benefício à frequência escolar de crianças e adolescentes, à vacinação e ao acompanhamento nutricional pelo SUS, por exemplo.
Desmanche da rede
Mais do que um programa de transferência de renda, o Bolsa Família contava com um acompanhamento social, conforme explica Denise. Nesse caso, as famílias que deixavam de cumprir alguma dessas condições não eram simplesmente excluídas do programa. Com o objetivo principal de romper com o ciclo intergeracional da pobreza, as famílias de trabalhadores empobrecidos eram acompanhadas para que elas conseguissem atingir e acessar direitos sociais que poderiam garantir o mínimo dos patamares de cidadania. O que deixa de existir com o Auxílio Brasil.
“O Auxílio Brasil restitui uma prática que era bastante comum no início dos anos 90, que é a transferência indireta de renda. E aí nós vamos ter a transformação dessas condicionalidades em saúde e educação como oferta de serviços sociais de maneira financeirizada. Teremos o fornecimento de vouchers para acessar creches, que será o pagamento diretamente do Estado para as creches. Assim como a possibilidade de consignação de parte do valor do benefício. Então é um completo desmanche da rede de proteção social existente”, contesta.
“Quando você deixa de investir na ampliação de creches e passa a pagar diretamente para creches que não se sabe como serão regulamentadas, você está deixando de investir em um projeto de sociedade de médio e longo prazo”, completa Denise. “Porque creches construídas e com mais vagas atendem todo mundo e os vouchers a gente não sabe nem se serão suficientes”.
Apagão dos programas sociais
Na esteira desse processo, a especialista prevê também a volta de outros tipos de “vale” para compra de gás e alimentos. O que na ponta também pode significar a desmobilização dos programas de incentivo à agricultura familiar. Um processo que já vem em curso desde o início do governo Bolsonaro, em 2019, com a desativação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) até o desmanche do Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal (CadÚnico).
É por isso, segundo Denise, que o encerramento do Bolsa Família e sua substituição pelo Auxílio Brasil não é algo isolado. Mas parte de um projeto de desmonte da política social brasileira.
“Há um apagão dos programas sociais há um tempo e ele é sintetizado na MP do Auxílio Brasil”. Com anúncio previsto para novembro deste ano, o programa social deve terminar em dezembro de 2022, sem qualquer planejamento para os anos seguintes. Em outro aspecto, o Auxílio Brasil ainda responsabiliza os mais pobres por sua baixa renda, desconsiderando as marcas da desigualdade no País.