Balanço de recuperação: Volkswagen é líder de mercado
Parte da explicação para a arrancada da montadora alemã pode ser creditada a diminuição do ritmo da produção da Fiat em quase 30% - a maior desaceleração entre as grandes montadoras instaladas no País
Ao longo de quase quatro décadas, a operação brasileira da Volkswagen – um colosso com faturamento de 25 bilhões de reais – foi motivo de orgulho para os executivos da matriz, na Alemanha. Líder absoluta de mercado, a montadora havia se tornado símbolo de modelos robustos e confiáveis. Até que, em 2002, a empresa foi ultrapassada pela italiana Fiat, montadora que se mostrou mais ágil no lançamento de carros populares, como o Palio. Um ano mais tarde, foi a vez de a GM fazer a Volks ficar para trás, lançando a empresa alemã em um nada lisonjeiro terceiro lugar no mercado. Foi só recentemente que tal situação começou a se reverter.
Em 2006, a Volkswagen ultrapassou a GM e retomou a vice-liderança de mercado. Em outubro do ano passado, tirou da Fiat a liderança no segmento de automóveis de passeio. E, no último mês de fevereiro, a Volks finalmente assumiu a liderança total de mercado, que inclui o segmento de veículos comerciais leves, com uma diferença de 1 622 carros em relação à Fiat. O feito foi recebido pela matriz, em Wolfsburg, com um misto de entusiasmo e expectativa.
Afinal: trata-se de um movimento sustentável ou mero golpe de sorte? Diante da incerteza, até o alto comando da companhia preferiu contemporizar. “Ainda é muito cedo para fazer qualquer tipo de previsão”, afirmou a EXAME Thomas Schmall, presidente da Volks no Brasil. Parte da explicação para a arrancada da Volks neste início de ano pode ser creditada a um erro de cálculo da Fiat, sua maior concorrente no País. Diante da queda nas vendas em decorrência da crise, a Fiat diminuiu o ritmo da produção da fábrica em Betim em quase 30% – a maior desaceleração entre as grandes montadoras instaladas no País.
Mesmo após o anúncio da redução do IPI, em janeiro, o ritmo de produção permaneceu praticamente inalterado, medida que visava proteger o caixa. Quando a maré virou, em fevereiro, e o mercado começou a dar sinais de recuperação, a montadora ficou sem estoque para seus principais modelos, o que derrubou as vendas. Para complicar, a General Motors deflagrou no início do ano uma campanha de incentivo à venda do Celta, oferecendo bônus de até 1 400 reais na compra do modelo. Com isso, a GM conseguiu atrair potenciais clientes da Fiat. “A Fiat subestimou o efeito da redução do imposto”, afirma o dono de uma concessionária. “Sem carros no estoque, acabamos perdendo vendas para a GM e a Volks.” Apesar de ter um peso importante, não foi apenas o escorregão da Fiat que devolveu a liderança à Volkswagen.
A empresa também teve seu trunfo: o novo Gol, carro de maior sucesso da história da montadora. Relançado com estardalhaço em junho do ano passado, o Gol passou praticamente incólume pelo período de maior turbulência do mercado. Entre os meses de outubro e dezembro, fase mais aguda da crise, as vendas do modelo caíram pouco mais de 10%, ao passo que o setor como um todo sofreu uma retração de mais de 35%.
“A Volkswagen estava com o carro certo na hora certa”, afirma Corrado Capellano, da consultoria Creating Value. Neste ano, mesmo com o crédito mais restrito, foram vendidas quase 39 000 unidades do novo Gol, 65% mais que o Palio, segundo colocado no mercado. E o Voyage, um modelo sedã derivado do Gol, apesar de ter sido lançado em meio à tormenta, em outubro, já conta com uma fila de espera de aproximadamente 20 dias. Embora pareça repentina, a escalada da Volkswagen rumo ao topo do ranking é resultado de um amplo processo de reestruturação, iniciado pela companhia em 2003.
Naquela época, o então presidente da empresa, Hans-Christian Maergner, chegou a anunciar o fechamento da fábrica em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, como forma de estancar os crescentes prejuízos registrados pela montadora – mas voltou atrás diante da chiadeira de sindicalistas e do governo. Mesmo assim, Maergner realizou um profundo corte de custos na pesada estrutura da montadora. Mais de 6 000 postos de trabalho foram eliminados, a maioria por meio de programas de demissão voluntária.
Linhas de produção antigas foram modernizadas e, após retomar a vice-liderança de mercado, Maergner recebeu sinal verde da matriz para dar início ao desenvolvimento do novo Gol. “Sem tais providências, é pouco provável que a Volkswagen tivesse conseguido surfar a onda do setor automotivo nos anos seguintes”, afirma um ex-executivo da montadora. Com a casa em ordem, o atual presidente da Volks, Thomas Schmall, que assumiu o posto em 2007, pôde se dedicar ao lançamento de novos carros – e tirar proveito de um mercado em franca expansão. Nesse mesmo ano, depois de lançar novas versões de Fox, Golf, Bora e Saveiro, a montadora registrou o maior crescimento em vendas do setor: cerca de 30%. Foi dessa forma que a Volkswagen firmou-se na segunda posição do ranking e conseguiu registrar o primeiro lucro depois de nove anos no vermelho.
O teste mais duro, porém, veio em 2008. Receoso de que a Volks pudesse perder participação de mercado por não contar com um grande lançamento no ano, Schmall decidiu antecipar em cinco meses a apresentação do novo Gol, prevista inicialmente para o mês de novembro. Para isso, não poupou dinheiro. Segundo executivos próximos à companhia, só o evento de lançamento, para o qual foi erguida uma arena com capacidade para 10 000 pessoas, teria custado cerca de 30 milhões de reais. (Schmall afirma ter desembolsado apenas um terço disso.) “Modificar um carro da importância do Gol envolve um risco enorme”, diz Flávio Padovan, vice-presidente de marketing da Volkswagen. “O tiro tinha de ser certeiro.” Tamanha pompa, contudo, acabou gerando desconforto entre os executivos da matriz, habituados à austeridade da era Maergner. A situação só foi contornada recentemente, depois de a estratégia ter se confirmado vencedora.
A linha Gol responde hoje por 50% do faturamento da montadora e detém, sozinha, 13,5% do mercado. Na luta para manter a liderança e, dessa forma, aumentar seu prestígio na matriz, Thomas Schmall terá de ultrapassar alguns obstáculos. O principal – e mais difícil – será a resposta da concorrência. Passado o susto do início do ano, a Fiat decidiu voltar à carga e acelerar o ritmo de produção, passando de 2 200 para 2 600 carros por dia, um aumento de quase 20% em relação ao mês de dezembro.
A companhia italiana lançou em janeiro uma nova versão do Palio, seu maior sucesso de vendas, e, além disso, estuda antecipar em alguns meses o lançamento do novo Uno, um projeto totalmente novo desenvolvido em parceria com a matriz na Itália (a Fiat não comenta o assunto). A Volkswagen, por sua vez, apesar de contar com uma série de novidades para 2009, só deverá lançar dois modelos capazes de fazer a diferença em termos de volume: a nova versão do Fox, prevista para setembro, e a picape do Gol, que nasce com a ambição de tomar da Fiat o posto de líder absoluta nesse segmento. O sucesso desses lançamentos é que vai determinar se a estratégia traçada por Schmall para alçar a Volks à liderança deu o resultado esperado – ou se tudo não passou de um sonho de verão.
Da Revista Exame