Bancos dos países emergentes decidem investir no Brasil
O fato de o Brasil estar apresentando retração econômica menor do que a esperada ajuda a estimular o investimento das novas instituições financeiras
Afetada pela crise internacional, a Merrill Lynch foi adquirida pelo Bank of America e acaba de fechar sua área de private equity – compra de participação em empresas para depois tentar vendê-la com lucro – no Brasil e na América Latina. Os negócios foram transferidos para Nova York. O ex-responsável pela área no banco americano, Marcelo Di Lorenzo, acaba de ser contratado pelo Standard Bank, de capital sul-africano e chinês, para montar um fundo de private equity inicialmente com capital próprio que poderá investir até US$ 400 milhões em oito empresas em um prazo de três anos no país.
O Standard Bank faz parte de um grupo de instituições financeiras com origem em países emergentes e de marca não tão conhecida mas que perdeu menos com a crise financeira e está capitalizado, podendo investir com tudo no Brasil. Outros são a sul-coreana Mirae, que em meados do ano passado abriu uma gestora de recursos no país. A empresa acaba de pedir autorização para o Banco Central para iniciar atividades de corretora de ações no Brasil e está em busca de uma licença de banco de investimento no Brasil para comprar. O National Australia Bank (NAB), o maior da Austrália, vai abrir escritório no país em julho.
Instituições de origem nos países emergentes que também estão investindo no país são o Banco da China, que acaba de abrir escritório no país, o Banco de Desenvolvimento da China, que busca autorização para atuar, e o Standard Chartered, que pediu autorização para o Banco Central para abrir um banco no Brasil. Isso sem falar nos próprios banqueiros brasileiros, como André Esteves e Luiz César Fernandes, que atuaram na ponta compradora de instituições financeiras, adquirindo as filiais do suíço UBS e do alemão Dresdner no Brasil, respectivamente.
Enquanto isso, grande parte das instituições financeiras dos países ricos e com marcas mais conhecidas ou quebraram – como o Lehman Brothers -, deixaram o país, como o UBS e o Dresdner, ou estão com o pé no freio nos seus investimentos no Brasil.
“Temos percebido muito interesse de bancos de países emergentes, principalmente da Ásia, em investir no Brasil”, diz Luiz Edson Feltrim, chefe do departamento de organização do sistema financeiro do Banco Central. Segundo ele, depois de o país obter o grau de investimento, em meados do ano passado, bancos que nunca haviam prestado atenção no país passaram a estabelecer contato com o Banco Central com interesse estratégico em investir. “Muitos querem atuar na América Latina a partir do Brasil”, afirma o executivo.
“Temos nosso foco em mercados emergentes e não poderíamos deixar de estar no Brasil, a quinta maior economia do mundo e com um potencial de crescimento inegável”, diz Steve Kim, diretor de finanças da Mirae Asset, a gestora de recursos que foi aberta no ano passado. Gabriel Jung, que será o diretor da corretora da Mirae no Brasil, não nega que o mercado de ações encolheu no país com relação ao seu pico e que as margens de lucro das corretoras estão apertadas neste momento. “No médio e longo prazo as perspectivas são de clara expansão”, acredita.
A Mirae é ainda pouco conhecida no Brasil, mas na Coréia do Sul é a maior corretora de ações e a segunda maior em home broker. Suas receitas vêm de gestão de fortunas (39%), corretagem de ações (24%) e banco de investimento (24%). Dos 45 milhões de coreanos no país, nada menos do que 5 milhões são clientes da Mirae, que tem investimentos também na China, Rússia e Índia.
“Entre os BRICs, o Brasil foi um dos principais destaques na crise por suas posições sólidas”, diz Kim. Por enquanto, a Mirae gere um fundo de R$ 1,2 bilhão de recursos vindos de 12 países para investimento no mercado de ações brasileiro. Já investiu outros R$ 20 milhões em dois fundos no mercado local, um deles multimercado e outro de dividendos. Mas ainda não pode divulgar a performance dos fundos, que estão para completar seis meses de existência, por regras do mercado interno. No mundo, a empresa gere um total de US$ 50 bilhões em recursos de terceiros, segundo informou.
Somente para a corretora, a Mirae já trouxe US$ 50 milhões ao Brasil. Na área de banco de investimento, a instituição financeira prevê outros investimentos e tem visto “diversas oportunidades”, segundo Jung. Pretende atuar inicialmente no mercado de securitização de recebíveis e venda de títulos brasileiros nos mercados asiáticos. Mas não descarta depois desafiar os bancos maiores e atuar em fusões e aquisições e na emissão inicial de ações, afirma Jung.
O National Australia Bank (NAB), com um total de mais de US$ 700 bilhões em ativos, que teve baixas contábeis inferiores a US$ 900 milhões por causa de ativos tóxicos vinculados a hipotecas americanas, vai abrir um escritório de representação em São Paulo em julho, já autorizado pelo Banco Central. A instituição financeira manteve sua classificação de risco de crédito “AA” durante toda a crise. Contratou Luiz Campiglia, ex-diretor do Itaú BBA, para ser seu representante legal e presidente no país.
Já o inglês Standard Chartered, de origem na China e atuação principal na Ásia, Oriente Médio e África, classificado como um dos bancos que menos perdeu com a crise pela revista “The Economist”, pretende abrir instituição financeira no país com capital inicial de R$ 100 milhões, segundo pedido feito ao BC. O foco será atender os grandes clientes corporativos brasileiros que têm relações comerciais ou negócios nas regiões prioritárias para o banco – Ásia, Oriente Médio e África -, assim como empresas dessas regiões com atuação no mercado brasileiro, revelaram executivos do banco ao Valor.
O fato de o Brasil estar apresentando retração econômica menor do que a esperada ajuda a estimular o investimento das novas instituições financeiras, diz Eduardo Centola, responsável pelas Américas do Standard Bank, ele próprio um recém-contratado no banco depois de anos no Goldman Sachs. “O potencial de expansão do mercado interno brasileiro é um atrativo para todos os tipos de investidores”, acredita o executivo.
Ele afirma que os bancos cujos conselhos têm maior participação de executivos dos mercados emergentes tendem a ganhar fatias maiores no mercado brasileiro neste momento crucial. “É importante aproveitar para crescer agora, antes que os preços fiquem altos demais”, afirma. Segundo ele, o Standard está aproveitando a falta de foco em emergentes e a fraqueza geral de concorrentes antes mais ativos para relançar sua marca no mundo todo. “Marcas tradicionais estão perdendo espaço”, diz.
O Standard Bank passou a crescer com mais força depois que o Banco Industrial e Comercial da China (BICC), o maior do mundo em valor de mercado, comprou 20% do seu capital. Com a transação, o Standard recebeu, em 2008, injeção de US$ 5,5 bilhões. O BICC quer usar o Standard como plataforma para seu crescer nas Américas.
Do Valor Econômico