“Bancos enfiam a faca”
Artigo afirma que bancos mostram grande relutância em emprestar e que a queda no crédito para a compra de veículos equivaleu a 93,5% da redução total de empréstimos para pessoas físicas
Para os bancos , o custo médio do dinheiro aumentou muito menos do que sua aversão a emprestá-lo. Isto é, o motivo mais importante da alta feia de juros em outubro não foi o aumento da taxa de juros média pela qual os bancos obtêm fundos -sua taxa de captação. Foi o aumento brutal do “spread” (o extra que os bancos somam à taxa de captação, grosso modo o seu ganho bruto no crédito). Desde que há registros disponíveis no Banco Central (junho de 2000), o aumento percentual do “spread” para empréstimos a empresas apenas não foi maior em agosto de 2002.
A economia vivia o segundo ano seguido de crise, Lula arrancava para ser presidente e os mercados se torciam de pavor. Em outubro, o aumento dos juros médios para empresas perde apenas para os de novembro de 2002 (pânico da vitória de Lula), julho de 2001 (alta de juros do BC devida ao apagão e à crise argentina e mundial) e janeiro de 2003 (início do governo Lula, quando a Selic vinha de alta de 11 pontos em menos de um ano).
A taxa média de juros para empresas aumentou 3,3 pontos percentuais de setembro para outubro. Segundo dados do BC, o custo médio de captação dos bancos em tais operações cresceu meio ponto percentual. O “spread”, pois, cresceu 2,8 pontos percentuais. Os maiores aumentos de “spread” ocorreram em repasses de captações externas (4,8 pontos) e de adiantamentos sobre contratos de câmbio (4,2), que são antecipação de recursos vinculados a contratos de exportação. As taxas de juros nesse caso subiram, em apenas um mês, respectivamente 4,9 pontos (a 22,4% ao ano) e 7,2 pontos (a 24,2%).
O “spread” continuou em alta no início de novembro. No caso da intermediação do crédito de origem externa, a alta é mais compreensível, dados o enorme tumulto mundial, a oscilação da taxa de câmbio etc. A alta foi menor, por exemplo, para capital de giro: 2,1 pontos de aumento de juros (para 23,3% ao ano), com 1,8 ponto devido ao aumento do “spread”.
Ainda assim, os bancos mostram sua grande relutância em emprestar. A inadimplência média das empresas cresceu um pouco em outubro, mas para 1,9%, igual à média registrada no primeiro semestre deste ano. Obviamente, os bancos, como todo mundo, esperam resultados piores para as empresas. Devem ter recuado também devido a rombos deixados por brincadeiras de empresas com derivativos cambiais (folia dolarizada de alto risco oferecida, porém, pelos próprios bancos, numa ação casada de irresponsabilidade).
Mas não houve “seca geral” de crédito em outubro, cujo saldo total foi a 40% do PIB (mesma fatia da dívida pública). No início deste mês, a concessão de crédito crescia em ritmo maior que o de outubro. O total de novas concessões de crédito para pessoas físicas caiu 3,5% de setembro para outubro. A queda no crédito para a compra de veículos equivaleu a 93,5% da redução total de empréstimos para pessoas físicas. As novas concessões para financiamento imobiliário continuam bem. O pior sinal veio do aumento importante de crédito na rubrica “cheque especial” (que representa 43% das novas concessões), tipo de endividamento desesperado e alucinadamente caro (171% ao ano).
Da Folha de S.Paulo