BC tem fôlego para ampliar financiamento à exportação

Henrique Meirelles quer garantir o financiamento de exportações e rolagem de dívida de empresas no exterior

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, disse que o banco vai continuar aumentando o uso de reservas internacionais para garantir o financiamento de exportações e rolagem de dívida de empresas no exterior, já que a seca de crédito internacional vai persistir por um bom tempo.

“Temos condições de suprir esse financiamento por um período longo, uns poucos anos”, afirmou Meirelles em entrevista ao Valor em Davos, depois de inúmeras conversas com outras autoridades monetárias, banqueiros e empresários sobre o estado da economia e das finanças globais.

Ele chegou preocupado aos Alpes suíços e saiu mais preocupado ainda, depois de ter ouvido estimativas sobre o custo em trilhões de dólares da saída dos americanos da crise. As projeções indicam espaço ainda menor para economias emergentes e em desenvolvimento terem acesso ao crédito no mercado internacional.

Para o presidente do BC, o banco do futuro será mais parecido com as instituições brasileiras, totalmente reguladas e com produtos menos complexos.

O sistema financeiro americano está quebrado, a recessão global se aprofunda. Como sair dessa crise?
O governo americano tem como grande desafio fazer a restauração da capacidade do sistema financeiro do país de emprestar. Foi algo que demorou 15 anos no Japão. A expectativa é que agora isso seja feito num prazo muito mais curto. O problema americano atualmente é a dimensão da perda, e, para isso, é preciso estabilizar a perda dos papéis de crédito. É necessário o governo conseguir estabelecer um piso para o preço desses papéis. Os bancos americanos fazem a contabilidade pelo valor de mercado. A partir desse piso, estaria definida a dimensão das perdas dos bancos. O segundo passo seria a recapitalização dos bancos pelo governo. Existem várias formas e certamente os acionistas são os primeiros a pagar a conta. E a terceira fase, depois da recuperação dos bancos, é a definição de uma estrutura normativa que dê garantias de que o sistema financeiro, na medida em que volte a emprestar normalmente, não repita os mesmos problemas de agora de excesso de risco, excesso de alavancagem etc, que possa trazer outro tipo de crise.

O governo Obama entra nos bancos. Como é que sairá?
Este é o ponto importante. O governo americano vai ter uma participação de capital importante nos bancos, gerencial ou não, e a porta de saída é na medida em que o governo conduzir a reprivatização dos bancos. A Alemanha tem problema não tão concentrado no sistema bancário, mas de queda de exportações e, portanto, queda de produção. Aumenta a despesa pública, mas indica uma porta de saída assumindo o compromisso de redução do déficit público no futuro. Os EUA estão substituindo uma desalavancagem do setor privado por uma alavancagem do setor público. E aí a porta de saída da dívida pública vai ser um processo posterior, à maneira do governo Clinton, mediante geração no futuro de superávits orçamentários.

O governo americano precisará tomar emprestado pelo menos US$ 2 trilhões no mercado, para fazer os programas de estímulo. Isso aumentará juros e inflação?
Os números que ouvimos aqui em Davos sobre o custo total dessa crise para os Estados Unidos variam de US$ 2 trilhões a US$ 7 trilhões, em dois, três anos. Isso vai significar a médio prazo uma necessidade maior de financiamento americano e nesse momento é que se colocará a questão de redução do endividamento americano no futuro, depois da crise. Será importante (saber como os EUA sairão do problema do déficit) para dar uma sinalização aos mercado, para não haver aumento de taxas de juros. Isso poderia ocorrer se não houver a sinalização.

Em todo caso, haverá protecionismo no mercado financeiro, em detrimento dos emergentes?
Sim. Os bancos estão sendo forçados a fazer uma desalavancagem, que significa diminuir o volume de empréstimos, além de aumentar o capital. Por outro lado, existe uma pressão dos governos de cada país para os bancos voltarem a emprestar internamente. Na medida em que os bancos têm ao mesmo tempo que diminuir o volume total de empréstimos e aumentar o crédito doméstico, só existe uma saída para eles: cortar as operações internacionais. Significa corte drástico de linha de crédito para os países em desenvolvimento e emergentes.

A tendência do BC no Brasil é então aumentar o uso das reservas para as linhas de crédito?
Certamente. Nesta semana implementaremos o programa de empréstimos externos, usando recursos das reservas para substituir essas linhas internacionais que não são roladas. A taxa de rolagem está oscilando bastante no Brasil, recentemente foi ao redor de 50%, já esteve muito mais baixa. E temos condições de suprir esse financiamento por um período longo.

Por quanto tempo?
Uns poucos anos. O Brasil é um dos poucos países que têm essa capacidade. E esse é o grande problema enfrentado pelo mundo hoje. A grande maioria dos emergentes e a totalidade dos países em desenvolvimento não têm a capacidade, como tem o Brasil e a China, de financiar sua própria necessidade de crédito para comércio exterior.

O BC vai usar no mínimo US$ 20 bilhões a US$ 25 bilhões das reservas para linhas de crédito. O Brasil tem grande fôlego para muito tempo?
Temos US$ 200 bilhões de reserva e (a concessão dos créditos) é uma excelente aplicação de reserva, de primeira linha, com garantias de empréstimos que os bancos façam às companhias brasileiras. O rendimento é inclusive melhor do que o retorno normal da aplicação das reservas. Portanto, temos condições, sim, de fazer isso por alguns anos.

Qual será o novo papel do Fundo Monetário Internacional?
Seria o de replicar para todo o mundo emergente e em desenvolvimento o que está fazendo o BC do Brasil para as exportações brasileiras. Para isso, o valor (de aumento do capital do FMI) que está sendo discutido, cerca de US$ 250 bilhões adicionais, não será suficiente.

Quais as principais idéias nas discussões?
A idéia seria, além do sistema de quotas, aumentar em muito a emissão de SDR, que são as obrigações do FMI, que os países poderiam usar como reserva. Isso seria o primeiro passo para a criação de uma moeda alternativa ao dólar como reserva internacional.

E a vantagem disso?
Em primeiro lugar, é que, para os países que têm reservas, fundos soberanos etc, teriam reservas que não dependeriam de um único pais. Seria uma moeda ancorada em mais países. E, do ponto de vista da economia mundial, o FMI teria recursos substanciais para fazer o que o Brasil está fazendo com suas reservas, financiar o comércio internacional.

Como será a nova regulamentação bancária?
Primeiro, haverá maior transparência dos balanços das instituições financeiras, que todos os riscos sejam registrados, de securitização, de obrigações que não estão no balanço, de derivativos. A partir de todos os riscos registrados, a segunda coisa é alocar capital para cobrir esses riscos. Constituição de provisões, porque um dos dados mais importantes da lição de hoje é que as provisões sejam constituídas nos momentos de expansão, para ser usadas nos momentos de contração. Os problemas são criados não durante a recessão, mas durante a expansão econômica. Também haverá limites mais rígidos para alavancagem e maior responsabilização das administrações. No momento em que os bancos estejam recapitalizados, com uma estrutura normativa que inspire maior segurança ao investidor, isso dará condições para os bancos emprestarem normalmente.

Qual será o banco do futuro?
O banco do futuro será mais parecido como os bancos brasileiros. Será totalmente regulado pelos bancos centrais ou entidades reguladoras, dependendo do país. Todas as instituições financeiras serão supervisionadas e reguladas. Os produtos financeiros não serão tão complexos, serão mais simples e de melhor entendimento pelos investidores, depositantes, analistas e, principalmente, pelos supervisores.

As dores da crise global vão aumentar ainda mais?
Não sei se vão continuar por muito tempo. A duração desse processo vai depender fundamentalmente da eficácia e da precisão de diagnóstico do modelo americano. O Brasil, em termos relativos, está melhor. As previsões da média mundial mudam, mas o Brasil está sempre crescendo um ponto percentual ou mais acima dessa média. Também se está prevendo que o Brasil será um dos países que sairá mais rapidamente da crise. Mas não há dúvida de que quanto mais tempo durar a crise, mais tempo cresceremos a taxas menores e pior será para todos.

Que conselho o senhor dá na situação atual?
Neste momento, um dos maiores perigos é o pânico. O pânico leva a erros de decisão, seja de política macroeconômica, seja de decisão das empresas e dos indivíduos. Devemos ter sobriedade. A a crise é séria, mas também não devemos entrar em pânico e tomar medidas que possam substituir uma crise externa de duração de curta para média para uma crise interna de longa duração.

Do Valor Econômico