Bolsa Família está associado à redução da mortalidade infantil por diversas causas

Pesquisa publicada revista científica britânica e em documento da Organização Mundial da Saúde (OMS) comprova que programa federal reduz a mortalidade por causas relacionadas à pobreza

O programa Bolsa Família (PBF) tem desempenhado um papel significativo na redução da mortalidade infantil nos municípios brasileiros, inclusive por causas relacionadas à pobreza, como a desnutrição e a diarreia. A conclusão é da pesquisa brasileira Efeitos de programa de transferência de renda condicionada na mortalidade infantil nos municípios (Effect of a conditional cash transfer programme on childhood mortality), publicada recentemente na revista médica britânica The Lancet, referência em diagnósticos e pareceres da área em todo mundo e uma das mais prestigiadas atualmente, e também no Relatório 2013 da Organização Mundial da Saúde.

Os pesquisadores, vinculados à Universidade Federal da Bahia (UFB), descobriram que nos municípios onde houve alta cobertura do Bolsa Família (em termos de população municipal) e que tiveram assegurado os benefícios a toda a população pobre elegível pelo menos nos últimos quatro anos tiveram redução de 17% da mortalidade em menores de 5 anos, e de 53% e 65% na mortalidade em criança por diarreia e desnutrição, respectivamente.

Com experiência em intervenções humanitárias internacionais em situações de emergência e subdesenvolvimento na área da epidemiologia, saúde publica, nutrição e assistência social, o pesquisador Davide Rasella, da UFBA, participou do estudo. Segundo ele, o aumento da cobertura do programa federal de transferência de renda nos municípios, da sua duração e da cobertura da população-alvo reforçaram seu impacto. “O efeito foi mais forte quando, além de uma elevada cobertura municipal, foi mantida uma cobertura total da população-alvo durante quatro anos ou mais”, disse.

Menos hospitalização

Quanto aos fatores envolvidos na cadeia causal de redução da mortalidade, conforme o pesquisador, foi mostrado que o programa está associado à redução substancial das taxas de hospitalização em menores de 5 anos e aumento da cobertura vacinal e do número de consultas de pré-natal. “Pode haver impacto na sobrevivência da criança por meio de diferentes mecanismos, basicamente centrados na melhoria da renda e nas condicionalidades de saúde: uma renda maior pode aumentar o acesso aos alimentos e a outros bens relacionados com a saúde, enquanto as condicionalidades de saúde pode melhorar acesso aos serviços de saúde”, explicou.

O subsídio em dinheiro, segundo ele, poderia reduzir a carga da pobreza nas famílias, bem como melhorar as condições de vida e remover ou reduzir as barreiras de acesso aos cuidados de saúde. As chamadas condicionalidades na saúde incluem as consultas de pré-natal, cuidados pós-natais e atividades educacionais de saúde e nutrição para as mães, bem como o respeito do calendário de vacinação regular e de rotinas de check-up para crescimento e desenvolvimento de crianças menores de 7 anos. Isso porque conhecimento e educação materna são alguns dos mais fortes determinantes da saúde infantil, da melhoria da nutrição, das práticas de higiene e da maior procura por cuidados de saúde.

A maior frequência ao pré-natal e a cobertura vacinal, principalmente contra o sarampo e DPT (difteria, Tétano e Coqueluche), são reconhecidos como intervenções eficazes de prevenção contra a mortalidade infantil. O forte impacto do PBF observado nas internações em menores de 5 anos, tanto em geral como por causas específicas, pode ser explicado por dois mecanismos diferentes: diminuição da incidência das doenças, afetando os determinantes sociais da saúde; e aumento do primeiro contato com o sistema de saúde, reduzindo assim o número de casos graves que requerem internação hospitalar.

Muito com pouco

Para Rasella, a explicação do fato de um recurso aparentemente pequeno fazer grande diferença está na chamada relação curvilínea entre morbi-mortalidade (o impacto das doenças e das mortes na sociedade) e renda. Ou seja,  em famílias extremamente pobres uma pequena quantia pode permitir a saída (ou pelo menos melhora) da condição de extrema vulnerabilidade em termos socioeconômicos e de saúde. “Trezentos reais dados a uma família que tem oito membros e uma renda per capita de 100 reais tem um efeito muito maior sobre a saúde das crianças do que 300 reais dados a uma família que tem os mesmos oito membros mas uma renda per capita de 500 reais”, disse.

Os achados do estudo são extremamente plausíveis, segundo ele, e permitem inclusive esclarecer o mecanismo causal deste impacto. Além disso, outros controles feitos, verificando para exemplo que o PBF não tinha efeito sobre a mortalidade para causas externas, confirmam a robustez dos achados. “O que nos impressionou foi a magnitude do efeito do PBF, e o quanto a pobreza possa ainda ser um fator importante de mortalidade nas crianças brasileiras”.

Rasella e seus colegas Rosana Aquino, Carlos A. T. Santos, Rômulo Paes-Sousa e Maurício Lima Barreto coletaram dados em diferentes fontes, como o Sistema de Informações sobre Mortalidade, Sistema de Informação da Atenção Básica, Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos, Sistema de Informações Ambulatoriais, bancos de dados do Ministério do Desenvolvimento Social para o cálculo da cobertura do Programa Bolsa Família, e os bancos de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para as variáveis socioeconômicas.

Metodologia

Para constatar a redução de 17% na taxa de mortalidade infantil a partir do Bolsa Família, eles criaram um conjunto de dados extraídos de várias bases para os anos de 2004-2009. Do total dos municípios brasileiros, selecionaram um subconjunto com estatísticas adequadas de óbitos e nascimento, segundo critérios previamente publicados e criaram então uma variável de cobertura do BF que considerasse a cobertura da população-alvo, ou seja, famílias elegíveis a receber os benefícios, e a cobertura da população municipal.

Estudos similares conduzidos em outros países, como o México, como o programa Oportunidades, acharam resultados similares. No entanto, o trabalho brasileiro conseguiu explicar de forma mais completa e robusta o efeito destes programas na mortalidade em criança.

Da Rede Brasil Atual