Brasil|Paciência sertaneja

"O senhor tolere, isto é o sertão", diz Riobaldo, na primeira página de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Mas, de uns tempos para cá, tolerar não é um verbo muito comum. O normal, hoje sonhado, é viver à custa do próprio trabalho

Por Xandra Stefanel


Raízes
Maria Vitória voltou ao tear, apesar das dificuldades para vender seus produtos

Maria Vitória Pereira aprendeu a tear com a mãe aos 12 anos, mas as obrigações com a roça a fizeram deixar de lado a tradição. Com a abertura da Tecelagem Veredas, da Associação das Artesãs de Sagarana (MG), Vitória voltou, ao lado das irmãs Maria Abigail e Nair, ao ofício de herança. Já fica menos exposta ao sol quente e mais tempo sob o telhado da associação – na pequena Arinos, a 280 quilômetros de Brasília. No ano passado, a produção da tecelagem foi vendida em três feiras e rendeu algum recurso para as famílias envolvidas. Mas neste ano as vendas estão fracas. “Já estou ficando bem sem graça. Às vezes a gente fica até três meses sem receber porque não tem feira. E aqui não vende essas coisas. A vida no sertão é difícil”, lamenta Vitória, 46 anos. O sustento vem da pequena plantação mantida em seu terreno. Colhe milho, cria galinhas e porcos. “Daqui não saio, não. Acredito que a gente vai melhorar daqui um pouco. É só ter onde vender as colchas, as cortinas, as toalhas.”

Graças às feiras, Abigail chegou a receber 500 reais mais de uma vez no ano passado. Mas neste ano, até julho, entraram apenas 270 reais. Abigail já trabalhou de bóia-fria e em carvoaria. Para ela, apesar de cansativa, a lida na tecelagem é bem melhor: “Não tem que encher forno quente com tora nem andar duas horas pra arrancar feijão”, compara a irmã mais nova, de 41 anos. A mais velha, Nair Pereira da Silva, de 48, já pensou em desanimar, mas sabe da importância da associação. “Não pode deixar fechar. É o único serviço que a gente tem.” O marido não tem trabalho fixo. A casa é mantida com o Bolsa Família que dois dos sete filhos recebem. “Hoje a gente já não passa fome, mas aqui não tem trabalho. Quando as coisas melhorarem vou garantir que meus dois filhos que ainda moram comigo não vão embora”, diz, com ar de esperança no rosto marcado pelo sol e pelo sofrimento.

As associadas receberam cursos de formação para aprender a vender, criar padrões e conhecer a logística da produção e técnicas de gestão da tecelagem – já que sua arte e sua técnica vêm “de família”, exemplo prático da chamada tecnologia social. As três irmãs dedicam mais tempo ao negócio e também saem para as cidades vizinhas para vender a produção. As outras – ao todo são 22 fiandeiras, dez tecelãs e quatro bordadeiras – passam mais tempo trabalhando em casa. Elas aprendem a tocar o próprio negócio e são responsáveis por todas as etapas de decisão, produção, venda, estoque – que é o que mais tem crescido nos armários antigos da Tecelagem Veredas.

Mudança à vista
A Associação das Artesãs de Sagarana está entre comunidades organizadas no Vale do Urucuia, no noroeste de Minas. E é uma das ações apoiadas pelo Projeto Urucuia Grande Sertão, criado com o objetivo de identificar possibilidades de emancipação econômica das famílias a partir da sua própria cultura e do potencial de desenvolvimento local. A iniciativa envolve ministérios e outros órgãos públicos federais e estaduais, além de agências de desenvolvimento não-governamentais. Nos 11 municípios atendidos – Arinos, Bonfinópolis, Buritis, Chapada Gaúcha, Formoso, Pintópolis, Riachinho, São Romão, Uruana de Minas e Urucuia (todos em MG) e Cabeceiras (Goiás) – vivem 100 mil pessoas, das quais quase 70% estavam abaixo da linha de pobreza, segundo o IBGE. O mapa da pobreza e das dificuldades locais começou a ser descoberto no início da década.

De lá para cá, além da chegada do Bolsa Família, foram investidos cerca de 6 milhões de reais no estímulo à formação ou ao fortalecimento de micro e pequenos negócios e de empreendimentos coletivos solidários, como apicultura, piscicultura, artesanato, fruticultura, fábrica de ração animal. Hoje existem na região 2.500 unidades de conservação de água, quatro estações de ace