Brasil quebra tabu ao combina crescimento com meio ambiente, diz Dilma
"O Brasil derruba um tabu de que ou você cresce ou respeita o meio ambiente. Essa será a síntese da posição do Brasil em Copenhague: é possível crescer, reduzir desigualdade de renda e fazê-lo respeitando o meio ambiente", afirma a ministra
A ministra Dilma Rousseff, que chefiará a delegação brasileira na Conferência do Clima em Copenhague, afirmou em entrevista publicada nesta quarta-feira (9) no jornal Valor Econômico, que o Brasil quebrou um tabu ao provar que é possível combinar o crescimento com o meio ambiente.
“O Brasil derruba um tabu de que ou você cresce ou respeita o meio ambiente. Essa será a síntese da posição do Brasil em Copenhague: é possível crescer, reduzir desigualdade de renda e fazê-lo respeitando o meio ambiente”, afirma a ministra.
Sobre a continuidade do projeto político implementado pelo governo Lula, ela afirmou que “só tem um jeito de continuar esse governo, é avançar, o que significa manter e aprofundar o que já fizemos.Conseguimos gerar 12 milhões de empregos com carteira assinada. Neste ano vamos fechar com mais 1,1 milhão. O que vamos fazer é ampliar os programas de combate à pobreza. Temos de garantir que no Brasil esses programas atinjam todas as pessoas”, enfatizou.
Confira os principais trechos da entrevista da ministra Dilma Rousseff:
O presidente do seu partido excluiu, do debate político e, como consequência, dos princípios de sua candidatura, a questão ética. Disse que a ética não norteará a campanha pois o jogo foi zerado com as transgressões em todos os partidos. A senhora concorda?
A ética é uma questão seríssima no Brasil. Crime de corrupção tinha de ser punido de forma extremamente drástica. Princípio ético é algo que ninguém pode afastar e eu acho que ele permeia tudo. O que eu acredito que o (Ricardo) Berzoini está pensando é outra coisa: tem e teve no Brasil uma utilização de certos episódios não para defender a ética, mas para destruir o adversário.
A senhora está se referindo ao mensalão?
Estou me referindo a todos os episódios que se caracterizaram por julgar, condenar e punir num ato só, sem dar direito de defesa. Por direito de defesa não estou falando em procrastinar nada. Sou a favor, primeiro, que crime de corrupção tenha uma punição mais dura do que tem hoje. A gente não vê nenhuma punição.
É válido o julgamento político? É mais rápido que as vias processuais.
Julgamento político, geralmente, tende a favorecer interesses. Desde a Revolução Francesa, a questão de o inquérito ser impessoal é um princípio de civilização. Julgamento político pode ser enviesado.
Então a senhora diria que não é correto fazer uma desfiliação partidária sumária?
Isso é outra coisa. É julgamento do partido, uma atividade privada, o partido usa os critérios de que dispõe. Eu falo do meu. O meu partido não deve. Ele deve dar amplo direito de defesa e, havendo provas, tomar as providências cabíveis, até expulsar.
O resultado das eleições internas no PT deu vitória ao grupo que defende aliança com o PMDB no apoio à sua candidatura a presidente. Não há mais riscos para a coligação?
A impressão que eu tenho é que ela nunca esteve em risco. Essa aliança com o PMDB faz parte de uma compreensão do PT e do próprio governo da importância de se montar coalizão para governar o Brasil. Inequivocamente, houve dentro do PT uma esmagadora maioria a favor da coalizão.
Mas, em Minas Gerais, onde há muitos delegados do PMDB e a disputa caminha para dois palanques governistas, a questão ainda está em aberto, bem como na Bahia…
A realidade do país é diversa. Em alguns lugares o PT vai apoiar o PMDB, em outros lugares o PMDB vai apoiar o PT. E tem outros que talvez você não consiga, no primeiro turno, fazer uma coligação.
Onde houver mais de um palanque, a senhora vai aos dois?
O presidente disse outro dia uma coisa interessante. Para a gente ir a dois palanques é preciso ter acordo de procedimento entre as partes. Ele estava falando isso inspirado na experiência que teve no Nordeste com o Eduardo (Campos, do PSB, governador de Pernambuco) e o Humbertinho (Costa, do PT, ex-ministro da Saúde). Eles fizeram um acordo pelo qual o presidente iria a um palanque em que os dois estivessem. Foi esse o acordo.
A senhora tem sido mais afirmativa do que o PT de São Paulo, que já tem seis candidatos, no apoio à candidatura do deputado Ciro Gomes (PSB) a governador do Estado.
Há uma preferência nossa pelo Ciro. Temos uma quantidade significativa de outras hipóteses. Tem de deixar a coisa amadurecer mais e se aproximarem as eleições para definir.
E por que a preferência pelo Ciro?
Eu tenho em relação ao Ciro um grande respeito político. Não vejo o Ciro como uma pessoa estranha a nós. Agora eu acho que a Marta (Suplicy), Aloizio Mercadante, Emídio de Souza e o meu companheiro Paloccinho têm condições de ser candidato. Por falar nisso, ele está me esperando para a gente almoçar.
A economia vai estar fora da campanha eleitoral? Sem problemas de inflação, sem crise internacional, sem necessidade de aumentar juros…
Sou “Clintoniana” em matéria de economia. “É a economia, estúpido!” (conceito que pontuou a reeleição do presidente americano Bill Clinton).
Como a economia vai para a sua campanha?
Com os resultados econômicos e sociais. A política monetária no Brasil é muito bem-sucedida. Se você olha para trás, vê que sobrevivemos a uma crise, temos estabilidade e margem de manobra. Nossos juros vão convergir para juros internacionais? Vão. Mas fizemos por onde.
Por que todos os candidatos estão indo para Copenhague?
Pela importância que Copenhague tem independentemente de qualquer coisa. Não em termos de campanha política, mas pelo assunto em si. O que está em jogo em Copenhague é a obrigação dos países ricos de reduzir suas emissões. De um lado, colocar os números na mesa e, de outro, os recursos para financiar as ações de adaptação e de mitigação dos países pobres e em desenvolvimento. O que se espera de Copenhague é que eles assumam um compromisso robusto de reduzir suas emissões.
Qual é o objetivo?
Que eles reduzam de 25% a 40%, com base em 1990, que respeitem o Protocolo de Kyoto e que, ao mesmo tempo, apresentem volumes de financiamento para que os países em desenvolvimento, que não têm meta obrigatórias, façam ações de adaptação.
A senhora acha realista a proposta do Brasil de redução das emissões entre 36,1% a 38,9%?
Pelos dados que temos, sim. Vamos reduzir mais ou menos 50% disso por meio de ações contra o desmatamento da Amazônia e do Cerrado. O restante vamos fazer mantendo nossa política – e até acelerando-a – de energia renovável, de agricultura e uma pequena ação na área da indústria, no setor de siderurgia. No caso das emissões por desmatamento, nós reduziremos uns 80%, o que significa quase a metade da meta total.
E na área industrial?
A emissão não é muito grande. No Brasil, a composição é mais ou menos a seguinte: em primeiro lugar está o desmatamento, em segundo a energia e, em terceiro, a indústria. A emissão maior no mundo é a da energia. Portanto, como temos uma matriz hidrelétrica muito forte (86%), se mantivermos isso e ao mesmo tempo dermos uma ampliada no biocombustível, seguramos as emissões.
Então, a opção é a hidrelétrica?
Os países ricos têm um problema porque o que move uma economia, que é a energia, é eminentemente de fontes térmicas. No Brasil há uma esquizofrenia de não fazer hidrelétrica. A alternativa de não fazer hidrelétrica é a energia térmica. Por isso, o governo Lula tem brigado sistematicamente para voltar a investir em hidrelétricas.
Na China, segundo especialistas, uma redução que leve o crescimento econômico a menos de 9% ao ano pode implicar enormes custos econômicos e sociais. O mesmo não se aplica aos países pobres e em desenvolvimento?
Nossa situação é diferente. Além do combate ao desmatamento e de termos mais energia renovável, temos agricultura mais produtiva do mundo, que utiliza métodos de eliminação de emissão de CO2. Quando dizemos que vamos ter o aço verde é porque estamos incentivando as siderúrgicas a voltarem a usar carvão vegetal de floresta replantada.
Sem comprometer o crescimento?
Pelo contrário. O Brasil derruba um tabu de que ou você cresce ou respeita o meio ambiente. Essa será a síntese da posição do Brasil em Copenhague: é possível crescer, reduzir desigualdade de renda e fazê-lo respeitando o meio ambiente.
Qual é seu compromisso com o meio ambiente?
O meu maior compromisso é ter brigado a vida inteira para a hidreletricidade entrar na nossa matriz. Por ter brigado pelos combustíveis renováveis – etanol e biodiesel.
Como?
Temos duas políticas de combate ao desmatamento. Nesse ano o desmatamento caiu de 12 mil para 7 mil quilômetros quadros.
Como consequência direta das políticas do governo federal?
Direta! Foi uma política de repressão. O chamado Arco de Fogo. Bota a Polícia Federal, o Ibama, a Força Nacional e baixa lá nos 43 municípios (os campeões do desmatamento, segundo lista do Ibama) e não deixa passar madeira. Agora, isso não dura, é uma política emergencial. Não se pode basear uma política de desmatamento na repressão.
E o que é que dura?
A política chamada Arco Verde Terra Legal. No caso do Terra Legal, porque não sabe, na zona de desmatamento do Brasil, de quem é a terra. Na Amazônia, não se sabe de quem é a terra. No Mato Grosso, uma parte grande ninguém sabe de quem é. O mesmo se dá em Tocantins. Mandamos ao Congresso uma lei para legalizar a posse da terra e foi aprovada.
Quais foram exatamente suas divergências com a ex-ministra Marina Silva?
A Marina fez o papel dela e eu, o meu. Tenho uma visão a respeito da energia. Licenciar uma térmica em seis meses é um crime contra o meio ambiente. Podem falar o que quiser. No Brasil, dão licenciamento de térmica em seis meses, mas licenciamento de uma hidrelétrica leva um ano e seus meses.
Por que é um crime contra o meio ambiente?
Porque o maior emissor do mundo é a fonte fóssil, da qual se valem as usinas térmicas.
De repente o governo ficou sensível ao tema do meio ambiente. Não é porque virou um tema eleitoral?
Quando eu era ministra de Minas e Energia, o biodiesel entrou na matriz de combustível do Brasil. Você sabe o que é, em 2003, aprovar uma lei, tornando obrigatória a mistura de biodiesel no diesel? Nós antecipamos, para 1º de janeiro de 2010, a mistura de 5%. Fizemos zoneamento agroecoecológico. Como é que não temos compromisso com o meio ambiente?
Valor: Não é compromisso. É a sensibilidade surgida com a corrida eleitoral.
Dilma: Gostaria de saber com o que fomos insensíveis? Voltamos a investir em hidrelétricas. Quando alguém fala que é possível substituir hidrelétrica por energia eólica é porque não entende da eólica. Tenho orgulho de ter participado da grande geração eólica que há no país, lá no Rio Grande do Sul, em Osório. Há um parque eólico com geração de 100 MW. Nós fomos lá, medimos os ventos, depois criamos toda a parte institucional. Por que tem de criar? Porque a energia eólica é cara e ela não garante o abastecimento. Não há ainda uma tecnologia para estocar vento. Quando venta, você usa. Quando não venta, você não tem o que fazer.
A senhora diria que o governo trata o tema hoje como antes de a Marina entrar no páreo eleitoral?
Bom, é que o pessoal achava que lutar por hidrelétrica não era respeitar o meio ambiente. No Brasil há esse problema. As alternativas hidroeletricidade são: usinas térmicas a carvão, a gás e nuclear. Se o pessoal é contra nuclear, sobra o quê?
Mas não há uma revisão hoje sobre a nuclear?
Não. Tem de haver uma revisão primeiro sobre a hidrelétrica. É um absurdo um país que tem o potencial que nós temos não desenvolver hidrelétricas. Concordo que se cometeram crimes na construção de algumas hidrelétricas. Balbina é um crime (grande área de inundação, apodrecimento da mata e grande emissão de gás). Mas a gente não precisa cometer crime para explorar a hidroeletricidade. Pode-se mitigar, impedir que tenha aqueles alagamentos monstruosos.
O que a senhora pretende fazer para mudar os prazos de licenciamento ambiental?
Quem tem hoje que responder o que vai fazer são os ministro (Edison) Lobão e (Carlos) Minc. Quando você faz propostas ambientalmente corretas, não pode falar que não quer isto ou aquilo, porque o país tem que crescer.
Qual a perspectiva do pre-sal em relação ao meio ambiente?
O pré-sal é eminentemente um grande recurso que temos para exportação. O petróleo não é para a gente usar internamente. É a nossa grande arma para obter reserva, para aumentar o grau de industrialização da cadeia de petróleo e gás e para exportar produtos para valor agregado.
Então, a senhora não vê contradição entre o desenvolvimento hidrelétrico e a exploração do pré-sal?
Nossa hidreletricidade é para nós. O petróleo é para exportação.
Há temas em que o eleitorado se diz interessado, preocupado até, e avalia mal o desempenho do governo, como Educação, Saúde e Segurança. A senhora já reconheceu, tempos atrás, que houve dificuldades de avançar nessas questões.
Isso ocorre porque são áreas que demandam maior tempo de maturação. A gestão do ministro (Fernando) Haddad é boa. Na saúde, estamos no caminho certo. Mas vocês hão de convir comigo que tivemos um baque muito grande quando a saúde perdeu a CPMF.
Os especialistas dizem que o problema da saúde não é dinheiro.
Concordo com eles. Não posso fazer UPA (Unidade de Pronto Atendimento) se não investir um pouco, mas concordo que há sempre um problema de gestão.
Como seria um governo de continuidade?
Avançar e isso significa manter e aprofundar o que já fizemos. Tem um princípio que eu acho que construímos: é possível crescer e distribuir renda.
Como aprofundar isso?
Conseguimos gerar 12 milhões de empregos com carteira assinada. Neste ano vamos fechar com mais 1,1 milhão. O que vamos fazer é ampliar os programas de combate à pobreza. Temos de garantir que no Brasil esses programas atinjam todas as pessoas. O Bolsa Família tem de atender a todas as pessoas que não têm renda suficiente. Hoje, estamos atendendo quase 12 milhões. Dependendo de quanto a renda cresça, pode haver dois movimentos: um de redução e um de aporte de recursos ao programa.
Além do crescimento com distribuição de renda, há algum outro princípio definido?
Universalização de serviço público. O Luz para Todos é a universalização de energia, mas falta a universalização do esgoto. Temos que ter cobertura de esgoto em 100%. Há Estados que você não acredita que não tinham cobertura. Santa Catarina era quase zero. Como deixar um estado rico sem cobertura de esgoto?
Do Valor Econômico