Brasil sem miséria requer metas para reforma agrária
Democratização da terra merece destaque na investida do Executivo federal contra a miséria. Reforma agrária segue como uma das políticas públicas com maior potencial de inclusão social efetiva e combate às desigualdades
Nas próximas semanas, o país deve conhecer o Brasil Sem Miséria, programa do governo federal que pretende beneficiar cerca de 16,3 milhões pessoas atadas à extrema pobreza, na mais completa exclusão social. O público-alvo é formado por famílias com renda mensal de até R$ 70 per capita. Trata-se de uma das prioridades anunciadas pela presidenta Dilma Rousseff.
Sabe-se que mais de 7,5 milhões de pessoas que sobrevivem nessas condições estão no meio rural. A cada 20 pessoas no meio urbano, uma pode ser considerada miserável. Quando se toma apenas o meio rural, a cada quatro indivíduos, um é miserável. Ou seja, parte substantiva do desafio de acabar com a miséria no Brasil está diretamente associada a ações que possam impedir a continuidade do ciclo perverso que não só exclui e vulnerabiliza a população pobre das áreas rurais, como também tende a aumentar a pressão e o inchaço nos conglomerados urbanos.
Em declarações a imprensa, ministros têm abordado a novidade de diversas perspectivas. Tereza Campello, que comanda o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) disse a um jornal paulista que serão adotadas “rotas diferentes para tratar da inclusão produtiva na cidade e no campo”.
“A escolaridade no campo é baixíssima, mas, por outro lado, as pessoas têm seu meio de produção, que é a terra. Vamos potencializar esse meio, facilitando o acesso à informação e à assistência técnica. Estamos trabalhando com o apoio do Ministério da Agricultura, da Conab e, sobretudo, da Embrapa, que talvez seja a instituição mais importante do mundo nessa área. Posso adiantar que a Embrapa vai fornecer sementes de qualidade para essa população. Queremos que eles melhorem a produção com o que existe de melhor no mundo em termos de agricultura tropical. Não queremos fazer um programa rebaixado. Como são famílias com pouca terra, a meta é melhorar a produção, garantir a segurança alimentar e também obter excedentes para comercializar”, completou a ministra em questão que associava a miséria aos assentamentos rurais. Os grifos, que encobrem a injustiça na distribuição de terras no Brasil, são do Blog da Redação.
Sobre a multidão de sem-terras que se espalha por acampamentos improvisados e precários à espera de um pedaço de chão, nada se disse. Apenas entre as famílias ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), são mais de 100 mil nessa situação. Sobre os altíssimos índices de concentração fundiária e a permanência dos conflitos agrários – que agravam ainda mais o sofrimento dos pobres do campo -, nenhuma palavra sequer. Como se fosse possível combater a miséria rural sem reforma agrária.
Essa contradição vem ganhando cada vez maior evidência. Na semana passada, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) realizou a mobilização anual do Grito da Terra 2011 e sublinhou a necessidade de “ações emergenciais de combate à pobreza rural”, especialmente a ampliação e qualificação dos assentamentos de reforma agrária. Paralelamente, o MDS e a Secretaria-Geral da Presidência da República convidaram representantes de movimentos sociais do campo e também de vários outros segmentos para que tomassem conhecimento de algumas das linhas gerais que estão sendo trabalhadas no Brasil Sem Miséria.
Em reação às mobilizações camponesas ocorridas neste primeiro semestre, o governo anunciou na semana passada que está destinando R$ 530 milhões para a aquisição de terras. Ao longo dos primeiros meses de 2011, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) confirmou ter desembolsado apenas R$ 600 mil em desapropriações.
Em outra entrevista, o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, disse que o governo ainda não tem uma posição firmada sobre metas de reforma agrária.
Em tempos de contingenciamento, a autorização para os gastos não deixou de ser bem recebida pelos movimentos sociais. Todavia, José Batista Oliveira, que faz parte da coordenação nacional do MST, já comentou que os recursos são insuficientes. Segundo ele, se forem contabilizadas as terras com processo já pronto para desapropriação no Incra, seria preciso algo em torno de R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão. Procedimentos correm o risco de “caducar” caso não haja providências no curto prazo, advertiu.
Mesmo que amaldiçoada e tida como ultrapassada por muita gente, a reforma agrária, especialmente em um país continental e abundante em recursos naturais como o Brasil, continua sendo apontada por organizações sociais populares do campo e da cidade como uma das políticas com maior potencial de inclusão social e combate às desigualdades.
Seria muito importante, portanto, que o Brasil Sem Miséria incorporasse metas efetivas para a ampliação, qualificação e consolidação de assentamentos. Se a miséria aflige inclusive parte dos que usufruem de um pequeno imóvel rural, é certamente mais dolorosa a penúria para quem continua acampado, sem nada muito além da esperança. É bastante inglória – para não dizer vã – a tarefa de negar que a lógica estrutural de multiplicação de desassistidos dificilmente será interrompida sem o aprofundamento da reforma agrária.
Tráfico de pessoas
O Blog da Redação também destaca a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico Humano no Senado Federal. A CPI pretende mapear algumas das principais rotas nacionais e internacionais, além de identificar obstáculos ao enfrentamento da atividade criminosa que chega a movimentar, em nível mundial, cerca de US$ 32 bilhões ao ano.
De acordo com a autora do requerimento e relatora da CPI, senadora Marinor Brito (PSol/PA), cidades escolhidas como sedes da Copa do Mundo de 2014 que fazem parte de rotas conhecidas de tráfico – como Rio de Janeiro (RJ), Goiânia (GO), Fortaleza (CE) e Manaus (AM) – merecerão cuidado especial. Segundo ela, essas cidades deverão ficar ainda mais suscetíveis ao crime com a chegada de grande número de turistas durante o evento.
Com duração de 120 dias (sujeitos à prorrogação), a CPI será presidida por Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM) e terá como vice-presidente Randolfe Rodrigues (PSol/AP). Integram a CPI Ângela Portela (PT-RR), Gleisi Hoffman (PT-PR), Paulo Davim (PV-RN) e Waldemir Moka (PMDB-MS).
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Do Repórter Brasil