“Brasil vai dar de bandeja a indústria em troca de ser fornecedor de carne e de cereais”
Análise do acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia mostra que indústria nacional está em risco, assim como os empregos de qualidade que o setor gera
Ao anunciar o acordo de livre-comércio entre os blocos Mercosul e União Europeia, o governo promove um ataque à indústria nacional, com riscos aos empregos e à própria soberania do Brasil.
O diretor executivo do Sindicato, responsável por políticas industriais, Wellington Messias Damasceno, alertou que o acordo foi feito sem transparência nem participação das partes envolvidas, principalmente, trabalhadores, pequenos e médios empresários.
“É uma demonstração muito ruim desse governo ao fechar o acordo sem que mais ninguém saiba do conteúdo, sem falar para a sociedade o que está em jogo, para acertar os detalhes só depois”, criticou.
O diretor ressaltou que o primeiro impacto da medida será nos empregos dos trabalhadores das fornecedoras das montadoras.
“A indústria de transformação, que é a base dos Metalúrgicos do ABC, será ‘engolida’ pelo acordo. O acordo de livre-comércio do Brasil com o México, assinado em março deste ano, já tem mostrado os efeitos negativos no país, principalmente nas autopeças. Junto com os demais acordos, alertamos que pode representar o início do fim da indústria automotiva nacional”, lembrou.
A preocupação no acordo com o México, de importar produtos de alto valor agregado enquanto exporta produtos de baixo valor agregado, será ainda mais agravada com o acordo com a União Europeia.
“Os países da União Europeia estão tecnologicamente muito a nossa frente e levam vantagem em produtividade e competitividade, com linhas de produção mais avançadas do que as do Brasil. Outra vantagem deles é que grande parte das empresas que produzem aqui tem suas matrizes na Europa. Tudo isso agrava a situação brasileira”, explicou.
“Muita gente está ‘vendendo’ que o acordo é bom, mas é bom pra quem? O acordo favorece o agronegócio brasileiro, enquanto a indústria nacional tende a perder competitividade e produção”, disse.
Hoje a balança comercial já mostra que o Brasil manda produtos básicos para a União Europeia enquanto importa medicamentos, veículos e peças. Confira a análise do Dieese na página 2.
“Dados do próprio governo mostram que o país abre mão da capacidade da indústria de transformação, onde estão concentrados os melhores empregos e tem influência direta nos investimentos. Com o acordo, vai sobrar para o Brasil ser um grande quintal. É dar de bandeja a indústria nacional em troca de ser fornecedor de carne e de cereais para a Europa”, reforçou.
Vai competir?
Desde as discussões sobre a nova política industrial, o Sindicato pressionou por um espaço na mesa de negociação. No dia 27 de março do ano passado, dirigentes dos Metalúrgicos do ABC estiveram em reunião no Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty, com o embaixador Ronaldo Costa, responsável brasileiro pelas negociações entre os blocos. O Sindicato insistiu no acompanhamento do tema para colocar questões de interesses dos trabalhadores e demonstrar preocupação.
“Naquele momento, ainda foram passadas algumas informações e o Itamaraty ficou de apresentar estudos e tratativas, o que não aconteceu. Com a entrada do novo governo, a questão dos trabalhadores se perdeu. Mostra que, de fato, a linha do Itamaraty não é de preservar os empregos no Brasil, mas sim garantir o acordo que é muito mais marketing do que efetividade, pelo menos para a indústria e seus trabalhadores”, afirmou.
O Rota 2030 foi anunciado muito menor do que deveria ser. “Sem ter uma política de Estado que olhe para o setor automotivo, o governo ainda abre o mercado justamente para países que já detêm uma longa tradição em políticas industriais”, criticou.
“O Brasil vai enfrentar países que têm toda uma política estruturada, favorecendo as empresas europeias em custo da produção, investimentos, treinamento dos trabalhadores, logística, alta tecnologia. Os processos de criação e Pesquisa e Desenvolvimento estão nas matrizes”, continuou.
O acordo
O acordo tem que ser aprovado pelo Congresso dos países do Mercosul e pelo Parlamento Europeu. “Ainda temos que insistir na Câmara e no Senado para defender a nossa soberania. Mostrar que o Congresso não pode ratificar um acordo que entrega de bandeja a indústria, os empregos e a inteligência nacional”, concluiu.
Principais produtos exportados pelo Brasil para a União Europeia em 2018:
8,1% Farelo e resíduos de extração de óleo de soja
6,8% Minérios de ferro e seus concentrados
5,7% Óleos brutos de petróleo
5,5% Café cru em grão
4,7% Soja
3,6% Minérios de cobre e seus concentrados
Principais produtos importados pelo Brasil da União Europeia em 2018:
11% Medicamentos para medicina humana e veterinária
7,5% Demais produtos manufaturados
5,0% Partes e peças para veículos automóveis e tratores
1,9% Automóveis de passageiros
1,7% Rolamentos e engrenagens
1,3% Motores, geradores e transformadores
Fonte: ComexVis- MECON