Brasileiro troca moto por carro chinês

Importados chegam com preços atrativos e promovem no País o efeito Tata Nano

Na quarta-feira, o metalúrgico Fábio Aparecido Bezerra saiu da concessionária Amur, na zona leste de São Paulo, dirigindo um Chery QQ zerinho, o primeiro automóvel próprio em seus 29 anos. “Ter um carro era sonho antigo, parece que ainda não acordei”, dizia ele na sexta-feira.

Bezerra e a esposa, que trabalha no Poupatempo, têm renda mensal de R$ 3,8 mil e compraram o QQ em 60 parcelas de R$ 704, sem entrada. “Pensávamos em um modelo nacional básico, mas escolhemos esse porque já vem com ar condicionado, direção hidráulica, air bag e vidros elétricos, itens que não conseguiríamos adquirir nos outros carros que vimos”, diz.

O compacto QQ, importado pela chinesa Chery, começou a ser vendido em maio por R$ 22.990. Hoje, é um dos modelos com maior fila de espera. “Tenho 400 pedidos e, se for mantido o ritmo de entregas, só conseguirei atender todos em janeiro de 2012”, diz Wilson Goes, diretor comercial do grupo Pequim, com quatro lojas em São Paulo.

“Tudo o que chega já está vendido”, confirma o dono da Weimotors, Abílio Tastaldi. “Tenho 113 unidades vendidas para chegar nos próximos 30 a 40 dias.”

Inaugurada há um mês e meio na avenida Marechal Tito, tradicional reduto de venda de carros velhos no bairro de São Miguel Paulista, na periferia da zona leste, a Amur, única concessionária de veículos novos na via, esgotou o primeiro lote de QQ em dois dias. Somando os negócios de outra loja do grupo em Mogi das Cruzes, foram 36 unidades.

Parcela significativa dos clientes do modelo dá como parte do pagamento carros velhos, como um Escort 98 recebido na Amur, informa o proprietário da loja Carlos Gambarotto. Na Pequim, em 10% a 15% das vendas o que entra na troca são motocicletas, informa Goes. O grupo já estuda abrir uma loja de motos usadas.

Para parte dos brasileiros, o Chery QQ tem papel similar ao do Tata Nano, na Índia, desenvolvido para dar oportunidade a famílias que dependem apenas da moto para se locomover.

O modelo nacional mais barato, o Fiat Mille, custa R$ 23,2 mil, sem equipamentos que no QQ vêm de série, assim como em outros modelos chineses. “Comprei um carro com ar condicionado, direção hidráulica, air bag duplo, vidros elétricos e farol de milha por R$ 30 mil; por esse preço, só conseguiria um nacional sem nada”, diz a supervisora de ensino Fernanda Amorin, de 40 anos, moradora de Sorocaba (SP). Há dois meses, ela adquiriu um hatch Lifan 320. Passaram-se 13 anos desde que ela havia comprado o primeiro carro zero, um Fiat Palio 98.

Críticas de que o Lifan é barulhento e o acabamento apresenta rebarbas nas peças plásticas não influenciaram a decisão de Fernanda. “Assumi o risco”, diz.

Bezerra também não se deixou levar pelas dúvidas em relação à qualidade do produto chinês. “Ouvi falar da falta de estabilidade por problemas na suspensão, mas nada do que a gente compra é 100%”, diz. “Já vi reclamações de carros nacionais que custam bem mais caro”. O modelo da Chery tem três anos de garantia e Bezerra pagou R$ 1,58 mil pelo seguro, valor, segundo ele, próximo ao da apólice de um Chevrolet Celta.

Tastaldi diz que sua loja, instalada na zona oeste, tem clientela diversificada. “Tem gente que compra o primeiro carro novo, mas há clientes que já têm um ou dois carros e compram o QQ para dar ao filho ou como opção para os dias de rodízio.”

A Chery também importa os modelos Face (R$ 31,9 mil), Cielo (R$ 42,9 mil) e Tiggo (R$ 51,9 mil). Tastaldi, que atua no comércio de veículos há 40 anos, deve abrir mais três lojas da marca chinesa na zona oeste. “Brasileiros gostam de novidades e a marca é muito dinâmica”, diz.

Por três décadas, Sérgio Chamon foi concessionário de marcas nacionais como Ford e GM. Desde 2007, mudou de bandeira e tem nove lojas das chinesas Chana, Towner e Topic, todas no segmento de utilitários. A décima será aberta em agosto e outras cinco até o fim do ano.

No primeiro semestre, o grupo vendeu 900 veículos, ante 800 em todo o ano passado. “A rentabilidade nesse segmento é maior, pois a concorrência não é tão acirrada”, atesta Chamon.

Do Estadão