Caça aos talentos
Pressionadas pelo crescente custo da mão de obra, empresas procuram, cada vez mais, soluções customizadas para suas carências.
O Brasil tem pouco tempo para reverter um déficit que se agravou com a expansão da economia e se tornou uma das maiores ameaças ao desenvolvimento do país: a falta de profissionais qualificados. Diferentemente de outros períodos, quando se concentrou em Estados e ramos específicos, a carência agora afeta todas as regiões e um amplo leque de setores. O universo de funções também é mais heterogêneo: vai do operário de chão de fábrica ao CEO preparado para lidar com os novos desafios das corporações. “A situação nunca foi tão crítica”, diz o diretor de desenvolvimento da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende.
Pesquisa feita em setembro pela fundação mostrou que, de 76 empresas, 67% tinham dificuldade em fazer contratações. “Com a manutenção do ritmo de crescimento e o pouco que houve de reação, o quadro ficou mais agudo de lá para c á”, afirma Resende, que cita como principal causa do problema a falta de planejamento estratégico e de longo prazo para a qualificação no país. “O Brasil nunca se planejou para crescer como está crescendo e sempre foi reativo em relação à oferta de mão de obra.” De acordo com a pesquisa, a indústria da construção e o setor de bens de consumo são os que têm maior percentual de empresas com dificuldade para recrutar: respectivamente 88% e 80%. Em seguida, aparecem as companhias de serviços (75%), transportes (67%) e siderurgia/metalurgia (67%). Embora cada vez mais generalizada, a escassez é mais intensa em categorias de nível técnico, o que, além da falta de investimento, reflete uma tendência cultural a se depreciar trabalhadores sem curso superior.
Segundo cálculos do diretor da FDC, o país precisa quintuplicar a capacidade de formação de técnicos, hoje excessivamente concentrada no Sistema S, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
No ano passado, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) aumentou em mais de 100 mil o número de matrículas – totalizando 2,2 milhões -, mas Resende diz que é necessário investir em outras escolas. “Não podemos fazer milagre”, reconhece o diretor de educação e tecnologia da CNI, Rafael Lucchesi, lembrando que atualmente cerca de 60% dos alunos do ensino médio técnico do Brasil estudam no Senai.
Entre as carreiras de nível superior, a maior dificuldade é contratar engenheiros de áreas mais aquecidas, como construção civil, petróleo, química, telecomunicações e agronegócio. Na esfera executiva, as empresas buscam – e demoram a encontrar – profissionais qualificados para os novos itens da agenda empresarial brasileira, como a internacionalização, a profissionalização de companhias familiares, o desenvolvimento de ações de sustentabilidade e uma aproximação mais efetiva do mercado de capitais. O processo torna-se mais angustiante quando se confronta a urgência das empresas com o horizonte, necessariamente extenso, da capacitação profissional. “O desenvolvimento pessoal é lento, longo e tem de ser estruturado”, afirma Fábio Ribeiro, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RJ).
Pressionadas pelo crescente custo da mão de obra – e pelos impactos sobre a competitividade -, as empresas procuram, cada vez mais, soluções customizadas para suas carências. A demanda por cursos “in company”, moldados sob medida para clientes corporativos, é a que mais cresce na maior parte das escolas de negócio. Na Fundação Dom Cabral, por exemplo, o segmento responde por 40% do faturamento. No Ibmec, a expectativa é de que, em três anos, passe a representar 50% da receita com cursos executivos – hoje o percentual está na faixa de 30%. “O formato dos programas é o mais diverso: vai desde uma palestra até um curso de 500 horas”, explica Eduardo Pitombo, gerente de soluções corporativas do Ibmec.
Para o diretor do Instituto Coppead, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Kleber Figueiredo, além da busca por flexibilidade e velocidade, o sucesso dos “in company” mostra quão diversificadas são as demandas das empresas. “Não existem necessidades uniformes. Cada empresa tem suas carências”, diz. Foi justamente essa multiplicidade que levou o Grupo Ibope a criar uma unidade de educação executiva voltada para uma proposta específica: ajudar as companhias a utilizarem as informações na tomada de decisões estratégicas.
“Muitas vezes as informações chegam com deficiência na mesa do presidente”, diz Renato Borgheresi, diretor do Ibope Educação.
Essa dinâmica do mercado tem pautado os MBA executivos na tarefa de manter os currículos atualizados.
No Coppead, o maior peso da internacionalização já havia originado, em 2009, a cadeira “negócios multiculturais” e, neste ano, depois de amadurecer em outras abordagens, foi a vez de a sustentabilidade transformar-se em disciplina formal. Na Fundação Getúlio Vargas (FGV), além da internacionalização, disciplinas como gestão de culturas, valores intangíveis e gestão do conhecimento passaram a integrar o currículo. “Também damos ênfase ao empreendedorismo e à proatividade”, conta Marco Túlio Zanini, coordenador do Mestrado Executivo em Gestão Empresarial da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (Ebape/FGV).
Segundo Zanini, o setor de educação executiva vive um momento de discussão em todo o mundo e busca formas de intensificar o efeito prático de seus programas.
“Muitos procuram a escola pela reputação, mas não para dar um salto qualitativo”, afirma. A coordenadora do MBA em gestão do IAG PUC-Rio, Ana Heloísa Lemos, concorda e insere essa postura numa mentalidade de desprezo ao estudo.
“No Brasil, valoriza-se o título, mas a formação não é verdadeiramente valorizada”, diz.
Para a professora da PUC, as próprias empresas têm uma parcela de culpa, ao manter programas de estágio com salários agressivos, muitas vezes transgredindo a carga horária legal (seis horas) e não raro exigindo experiência. “As empresas depois se queixam de que o profissional está mal formado, mas contribuem para isso, criando uma estrutura perversa.”
Do Valor Econômico