Câmara aprova cerco a empresas que escravizam fora do País
O projeto proíbe que empresas brasileiras ou sediadas no Brasil mantenham contratos com empresas com sede no exterior que explorem direta ou indiretamente trabalho degradante em suas bases de atuação
Enquanto a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 458/2001 – que prevê o confisco de terras dos escravagistas brasileiros – continua parada na Câmara dos Deputados, outra proposta que prevê punição para quem mantiver relações comerciais com exploradores de trabalho escravo em outros países passou por mais uma fase importante de tramitação na semana passada.
Depois de já ter sido aprovado nas Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP); de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN); e de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio (CDEIC), o projeto de lei (PL 2108/2003) do deputado Walter Pinheiro (PT-BA) foi aprovado em caráter terminativo na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara. A matéria segue para o Senado Federal.
A redação final do projeto – que ficou a cargo de Zenaldo Coutinho (PSDB-PA), aceita de forma unânime pelos congressistas da CCJC no último dia 1º de setembro, proíbe que empresas brasileiras ou sediadas no Brasil mantenham contratos (de natureza civil ou comercial) com empresas com sede no exterior que explorem direta ou indiretamente trabalho degradante em suas bases de atuação. O projeto especifica trabalho degradante como “formas de trabalho violadoras da dignidade da pessoa, especialmente o trabalho realizado em condições ilegais, a escravidão, o trabalho forçado, o trabalho infantil e todos os demais tipos mencionados em acordos, tratados ou atos internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil”.
“Considera-se ocorrido o trabalho degradante uma vez apurado por meio de procedimentos de investigação de organismos internacionais, particularmente pela Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, pelas comissões de direitos humanos de organismos de âmbito regional, pela Organização Internacional do Trabalho – OIT e pelos julgamentos realizados pelos tribunais internacionais de direitos humanos”, detalha a proposta.
A obrigação de avaliar previamente a situação da empresa estrangeira no que se refere às condições trabalhistas cabe à empresa brasileira ou sediada em área nacional. Em caso de descumprimento, a entidade/empresa brasileira ou sediada em território nacional será impedida de firmar contratos com quaisquer entes ou órgãos públicos, de participar de licitações ou de se beneficiar de recursos públicos de qualquer natureza, por um período de cinco anos. A previsão é de que a lei passe a valer seis meses após publicação.
A aprovação põe em xeque um dos argumentos mais utilizados pelos parlamentares que fazem parte da chamada bancada ruralista: o de que não está consolidado o entendimento do que seja trabalho degradante (uma das formas citadas expressamente no art. 149 do Código Penal, que define o crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo). Os deputados que aprovaram o projeto nas comissões concordaram quanto à validade de reconhecidos critérios que definem o trabalho degradante.
O projeto de lei (PL 2108/2003) faz parte de um conjunto de proposições voltadas ao combate ao trabalho escravo que permaneciam paradas no Congresso. A mais relevante delas – a PEC do Trabalho Escravo -, continua, por sinal, completamente estagnada, à espera de votação em segundo turno pelo plenário da Câmara Federal.
Observações
Quando do debate na CCJC, Sérgio Brito (PDT/BA) chegou a apresentar voto em separado com relação ao projeto da autoria de Walter Pinheiro (PT-BA), com ressalvas no que diz respeito às sanções estabelecidas. Para ele, o artigo que estabelece que a empresa que descumprir a orientação será impedida de firmar contratos com quaisquer entes ou órgãos públicos, participar de licitações ou se beneficiar de recursos públicos de qualquer natureza por cinco anos “não parece adequada para figurar como medida repressora principal”.
“É que, na forma proposta, haveria espaço para a curiosa conclusão de que apenas as empresas que eventualmente contratassem com o setor público seriam intimidadas pela norma. Ora, se uma determinada empresa não contrata com a Administração e nem recebe quaisquer recursos públicos, a coercibilidade da norma – que se materializa no preceito sancionador – deixa de existir. Logo, tal empresa poderia firmar os contratos proibidos pela lei sem que sobre ela a norma sob exame projetasse qualquer efeito repressor”, contestou, ainda em abril, Sérgio Brito (PDT/BA).
“Entendemos que melhor teria andado o legislador se tivesse adotado uma solução que ensejasse punição tarifária, tal como uma maior incidência de impostos sobre os produtos objeto de tais contratos de sorte a torná-los economicamente não atrativos; além de uma multa específica, ou ainda, uma sanção que vedasse o acesso da empresa a linhas de crédito em geral e não apenas aqueles concedidos pelo setor público”, concluiu.
A obrigação do agente nacional de avaliar previamente a empresa que atua no estrangeiro é, para Sérgio Brito (PDT/BA), “uma obrigação quase impossível” que cria “uma indesejável ficção” de que as empresas brasileiras teriam condições de ter acesso a informações completas sobre os processos produtivos que se desenrolam ao redor do mundo.
“Se determinadas situações escapam ao conhecimento do próprio Estado soberano naquele território”, destacou o deputado, “parece-nos exigência demasiada que se exija que uma empresa brasileira proceda tais investigações sem dotá-las de quaisquer meios para tanto”. De acordo com ele, o ideal seria se recorrer a um cadastro internacional ou mesmo nacional, que poderia ser criado pela lei, de empresas estrangeiras que utilizassem tais práticas condenáveis, “retirando-se destarte, o ônus da empresa brasileira”. As ponderações no voto em separado de Sérgio não impediram que a proposta fosse aprovada unanimemente quatro meses depois.
Da CUT