Capa|1968: o vôo e a queda

O começo da derrota norte-americana no Vietnã, o fim das ilusões com os regimes comunistas do Leste Europeu e o surgimento de um novo protagonista na história do mundo: o jovem

O jovem é como Ícaro:
Quer conhecer a vertigem
Do vôo e da queda,
Quer habitar a imagem
Que julgou ter decifrado
E deixará como um sonho.
Como a luz das estrelas
Não sabe o que é perecer,
E se lhe choram a memória
Perguntará: por quê?
As manhãs se renovam
Sem nenhuma explicação.

“O Jovem”, de Paulo Neves

Por Flávio Aguiar

“É preciso liquidar maio de 1968.” A frase, do conservador presidente da França, Nicolas Sarkozy, expõe toda a força que essa data, no auge de seus 40 anos, ainda guarda. Para os que a viveram e para os que dela são herdeiros. Como se pode querer “matar” um mês, um ano? Maio e 1968 não foram apenas um mês, um ano: foram um karma, uma explosão e uma implosão, uma escrita e um apagar, um vôo e uma queda, como diz o poema de Paulo Neves.

Como referência histórica, o ano de 1968 começou em 30 de janeiro, no Vietnã, continuou em fevereiro em Berlim, explodiu em maio em Paris, entrou em declínio em agosto em Praga, na então Tchecoslováquia, e, visto da América Latina, terminou melancolicamente no dia 13 de dezembro no Rio de Janeiro.

Em 30 de janeiro começou um episódio da Guerra do Vietnã conhecido como Ofensiva do Tet. Tet é o nome do ano novo lunar asiático, feriado naquela região. A ofensiva fora preparada desde um ano antes, 1967, considerado particularmente bem-sucedido pelo governo norte-americano, que sustentava o governo do Vietnã do Sul, capitalista, contra o do Vietnã do Norte, comunista, inclusive com a presença de milhares de militares engajados diretamente em combates. Os norte-americanos tinham iniciado um programa que chamavam de “pacificação”, que envolvia a neutralização de áreas dominadas por vietcongues, os guerrilheiros que se opunham ao governo de Saigon, capital do Sul. Esses guerrilheiros recebiam apoio do Norte, armas da União Soviética e da China.

Os Estados Unidos também planejavam começar, em 1968, um programa de reforço do Exército sul-vietnamita, com o objetivo de torná-lo auto-suficiente. Entretanto, no final de janeiro os norte-vietnamitas e os vietcongues lançaram um ataque maciço em todo o Sul, em uma centena de cidades, envolvendo 80 mil combatentes. Na madrugada do dia 31 a ofensiva chegou a Saigon e atingiu simultaneamente alvos como estações de rádio, quartéis, palácio do governo. No feito mais espetacular, 19 guerrilheiros conseguiram entrar no pátio da Embaixada dos Estados Unidos, com o objetivo de destruí-la. Não tiveram êxito: 17 foram mortos e dois capturados, sendo entregues à vingança, mais do que à Justiça, do governo sul-vietnamita.

Tecnicamente, essa macroofensiva é hoje descrita por analistas militares, em particular os de direita, como um fracasso. De fato, nenhum dos grandes objetivos militares foi conquistado. Mas, politicamente, o efeito para os norte-americanos e para os sul-vietnamitas foi devastador. As imagens do ataque à embaixada foram chocantes; a cena do general sul-vietnamita Nguyen Ngoc Loan disparando à queima-roupa na cabeça de um guerrilheiro vietcongue em trajes civis e de mãos amarradas percorreu as televisões do mundo inteiro. Ficou mais patente ainda que os Estados Unidos patrocinavam um governo impopular, corrupto e violento. Protestos contra a guerra se espalharam pelo mundo inteiro, sobretudo nas universidades e entre os estudantes. Ganhou força a resistência ao recrutamento: muitos e muitos jovens norte-americanos fugiam para o Canadá ou para a Europa.

Berlim, Paris e pelo mundo –
Em fevereiro, estudantes universitários, liderados pelo jovem Rudi Dutschke, nascido em 1940, organizaram em Berlim Ocidental um congresso sobre a guerra no Vietnã. Formavam a Associação Alemã dos Estudantes Socialistas. Tinham vivido um ano agitado em 1967: durante um protesto contra a presença do xá da Pérsia (hoje Irã) na cidade, um estudante fora morto pela polícia. Os protestos c