Carros brasileiros perdem espaço no cenário externo
O volume acumulado no semestre diminuiu quase 48% na comparação com os seis primeiros meses de 2008. Dependendo do mercado e do fabricante, a retração foi até maior
Há dez anos, a indústria automobilística desfilava no topo da relação dos maiores exportadores do País. À época, as quatro veteranas ocupavam lugar de destaque entre os dez primeiros colocados – Fiat no quarto lugar, Ford, no sétimo, Volkswagen no oitavo e General Motors no décimo. Hoje apenas a Volks ainda segura um espaço nessa lista. As demais caíram para posições próximas do trigésimo lugar. De maneira súbita, os carros brasileiros começaram a desaparecer das ruas de outros países, um cenário com o qual os próprios executivos das montadoras parecem ainda desabituados.
Nos escritórios da poderosa indústria automobilística ainda parece um pouco estranho deixar de lado o antigo orgulho de puxar o resultado positivo da balança comercial brasileira. Exportação é hoje um tema que desanima o setor. E a falta de perspectivas de mudança do quadro faz com que a maioria dos executivos sequer queira falar a respeito.
O ápice do enfraquecimento das vendas externas surgiu da combinação da valorização do real com a crise nas economias dos principais destinos dos veículos brasileiros. O volume acumulado no semestre diminuiu quase 48% na comparação com os seis primeiros meses de 2008. Dependendo do mercado e do fabricante, a retração foi até maior.
Mas a queda brutal, que culminou com o novo cenário econômico, aparece depois de um processo, que já dura dois anos, de gradativo desvio do foco das montadoras para o mercado doméstico. Esse quadro resulta da estratégia dos próprios fabricantes de veículos, que construíram mais fábricas em novos países emergentes, como o Leste Europeu, para abastecer mercados até então atendidos pelas linhas de montagem do Brasil.
Em 2005, o volume de veículos vendidos no exterior representou mais de 35% da produção brasileira. No ano passado, a participação dos mercados externos caiu para 22,8% e nos seis primeiros meses de 2009 ficou em 13,6%, derrubando a maior parte das previsões para o ano.
A Fiat, grande vedete do mercado externo no passado, foi a maior exportadora entre os fabricantes de veículos até 2004. Chegou a vender no exterior metade da produção. No ano passado, a fatia das exportações ficou em 10,82% e no primeiro semestre deste ano em apenas 4,31%. Este ano, na lista geral das empresas que mais exportam no país, a montadora italiana ocupa a 32ª posição, logo atrás da General Motors, no 31º lugar, e da Ford, no 29º .
A participação das exportações na produção brasileira da GM foi de 6,83% no acumulado do ano. “A queda da venda de veículos nos mercados que compram do Brasil foi dramática”, afirma o presidente da GM, Jaime Ardila, ao lembrar que as vendas externas representavam 30% da receita da companhia em 2006 e 2007. Na melhor das hipóteses, o volume que o executivo espera vender este ano equivale a um terço das 100 mil unidades exportadas em 2008. “Vamos ficar entre 30 mil e 35 mil”, afirma.
Já faz um bom tempo que a GM do Brasil perdeu contratos nos países da região andina, que substituíram o Brasil pelas fábricas da própria GM na Coreia do Sul. “É difícil competir com esse câmbio”, diz Ardila.
No caso específico da Coreia, seu perfil exportador faz com que o país jogue mais pesado na competição global numa crise como a atual, segundo o diretor de importação, exportação e planejamento de vendas da Ford, Dante Marchiori. “Países mais dependentes da exportação baixam os preços, em uma estratégia agressiva que nós não podemos acompanhar”, diz.
A Ford reduziu a participação das exportações na produção de carros e comerciais leves de 26% em 2008 para 15,8% no acumulado deste ano. Na crise, o México deixou de ser o principal destino dos veículos Ford. A Argentina passou a ocupar o primeiro lugar, mas com muitas dificuldades também. De janeiro a junho, as vendas da montadora para o mercado argentino somaram 18,6 mil unidades, uma queda de 30%.
A consultora Letícia Costa, vice-presidente da Booz & Company, considera saudável uma participação entre 20% e 25% das exportações na produção de veículos no Brasil. Ela lembra que o setor começou a se voltar para o mercado interno em 2004, mas “pretende ter sempre um pé na exportação”.
“Nosso foco maior é o mercado interno”, confirma Marchiori, da Ford. “Embora traga divisas, a venda ao exterior é mais sujeita a fatores que fogem do nosso controle”, completa. O executivo lembra que a indústria estaria em uma situação muito ruim não fosse o aquecimento do mercado interno, estimulado pelo incentivo da redução do IPI.
Além de menores, os mercados para onde seguem os carros brasileiros são muito mais parecidos com o do Brasil. Na maioria dos casos, o produto que ultrapassa as fronteiras hoje é simples e robusto o suficiente para enfrentar ruas e estradas esburacadas. É por isso que no mapa das exportações destacam-se o cone Sul e América Central, além de África.
Ficaram para trás, portanto, as épocas glomourosas em que navios com carros brasileiros rumavam para mercados exigentes e rigorosos no controle ambiental e nos itens de segurança. Nos anos 80, um tipo de Voyage produzido na época pela Volkswagen do Brasil era vendido nos Estados Unidos com o nome de Fox e saía da fábrica com dezenas de alterações em itens de segurança e conforto em relação ao similar vendido no Brasil. As mudanças feitas pelas montadoras no produto vendido em outros países hoje limitam-se basicamente a calibrações para o carro poder receber combustíveis diferentes dos vendidos no Brasil.
Já se foi o tempo também em a filial brasileira da Fiat enviava grandes volumes de modelo Fiorino para a Itália. O contrato cessou quando a própria Fiat decidiu que o sucessor do veículo, o Dobló, seria feito também na fábrica da Turquia. Hoje, a Fiat do Brasil ainda vende carros para a Europa, mas em pequenas quantidades. O principal destino externo da Fiat é a Argentina, que fica hoje com 76% dos carros exportados pela montadora. O restante da América Latina recebe 16% e a Europa, 8%.
O modelo fabricado pela montadora italiana que circula em território europeu é a picape Strada, que não tem similar produzido na Europa. Graças a esse modelo, os mercados da Itália, Alemanha, Noruega, Portugal e Grécia são importadores de carros feitos em Minas Gerais, embora as participações desses
Do Valor Econômico