Carta ao Leitor|Os cabelos do governador

A tragédia do Metrô, deixada pelo antecessor, deve ter atrapalhado o raciocínio de Serra

Não poderia ter havido frase mais deselegante que a
usada pelo governador José Serra sobre o Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC), apresentado pelo governo federal em 22 janeiro: “É a
tentativa do afogado em se salvar puxando para cima os próprios
cabelos”. Como se ele entendesse de cabelos. Quase todos os setores
econômicos receberam o programa com alegria moderada. Cada um apontou
propostas e cobranças para melhorar. Dos publicitários aos sindicatos,
passando pela construção civil, políticos e empresários, reconheceu-se
uma iniciativa, como disse Delfim Netto, de criar um “estado de
espírito” favorável ao crescimento.

Afinal,
desde 1985, sucessivos planos e pacotes fracassaram rapidamente,
provocaram perdas generalizadas ou consertaram a inflação mas
estabeleceram juros altos e dependência externa. Mesmo os sindicatos,
que ainda digerem as propostas para o FGTS e o reajuste do
funcionalismo, manifestaram apoio. O governo desvencilhou-se do debate
pautado pela mídia sobre reformas trabalhista e previdenciária e pôs em
foco geração de emprego e redução da miséria.

O
PAC pegou a mídia anti-Lula desprevenida e o núcleo estratégico da
oposição curtindo o inverno no Hemisfério Norte. A reação foi hilária,
gerando coisas como a d’O Estado de S. Paulo: “Se der certo, vai faltar
energia”. Eles torcem pelo fracasso; a população, pelo sucesso. O
governador, talvez cercado pela tragédia do Metrô deixada por seu
antecessor, tem capacidade para entender que o desenvolvimento social e
econômico é tudo, desde que leve em conta os índices de desenvolvimento
humano e a preservação ambiental.

Na
região do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, onde
moram os endinheirados que dominam boa parte do PIB brasileiro, há no
entorno 86 favelas. Vizinho àqueles enormes condomínios, o bairro de
Campo Limpo tem situação social infinitamente pior. Sem um plano de
desenvolvimento que dê certo, ainda que na oposição e sempre de olho
nas eleições, Serra terá de arrancar os próprios cabelos para resolver
essa dívida histórica, grande parte dela deixada por seus próprios
pares.