Carta do Leitor|Barulho na praça

Claudinei, 4 dedos decepados num acidente de trabalho. O que ele espera do futuro? “Nada”

Muitas situações devem ter inspirado o escritor Dante
Alighieri a descrever o inferno com imagens de fogo, monstros, choros e
ranger de dentes. É o universo do sofrimento, e, hoje, uma dessas
situações pode ser o mundo do trabalho. Em particular, suas doenças e
acidentes. Quando se observa o que acontece com os trabalhadores no seu
dia-a-dia torna-se risível o que se lê em livros que vendem muito por
prometer o sucesso das relações pessoais dentro desse ambiente. Chegam
a ofender as pregações dos departamentos de RH sobre o envolvimento das
pessoas com a empresa. Vestir a camisa, espírito de equipe e time de
vencedores são bordões ocos para milhões de trabalhadores, incluam-se
aí os próprios gerentes e gestores que comandam a pressão diária. Na
verdade, o trabalho danifica o homem e põe em dúvida a fé de que
através do trabalho possa haver progresso material, cultural e
espiritual.

Esse desconforto
com a pregação empresarial produz outros efeitos. Por exemplo, as
lesões, doenças e acidentes do trabalho não são pautas de nenhum dos
grandes jornais e revistas, não merecem um comentário de renomados
colunistas, salvo raríssimas exceções. Sintomaticamente, também não é
pauta no mundo da imprensa o intenso debate em torno da Emenda 3, que
pode piorar ainda mais as chamadas “relações de trabalho”. Exceto pelo
jornal do seu sindicato, certamente o leitor não terá visto nenhuma
notícia a respeito de uma queda-de-braço. Em vez de enfrentar um
democrático debate com a sociedade em torno de uma reforma trabalhista,
é em surdina, com uma emenda a um dos projetos que compõem o Programa
de Aceleração do Crescimento, que se tenta mudar cabalmente a forma de
contratar empregados sem os direitos que lhes assegurem condições
mínimas de vida digna, desde o direito vital ao descanso até o de ser
atendido quando sua integridade física é deteriorada pelos (maus)
tratos laborais – piorando ainda mais o cenário daquele inferno
descrito aí em cima. Imagine lesionados, doentes, mutilados sem o
amparo da legislação e contratados como empresa. Pessoa jurídica tem
cliente, e não patrão. Parlamentares compromissados com os
trabalhadores e centrais sindicais prometem barulho na praça. Para
acordar os desavisados e tocar a música que dignifica o homem.