Caso Folha-Dilma
Manobra primária para encobrir responsabilidades
Primeiro, foi o episódio da “ditabranda”; agora, é a história da ficha falsa da ministra Dilma Rousseff, que acaba de ganhar mais um capítulo: não será exagero dizer que a atitude arrogante e provocativa da Folha de S.Paulo já configura um caso clínico, do qual só vale a pena tratar porque o jornal, além de ter o seu lugar na história da imprensa brasileira, ainda se inclui entre as publicações de referência no país.
Trata-se de um jornal que se orgulha de seus leitores esclarecidos. Sua recente campanha publicitária é um bom exemplo disso: assinaturas variadas que vão se espalhando em letras luminosas pelos prédios e monumentos de São Paulo, até abranger toda a cidade. Assinaturas elegantes, de caligrafia caprichada, ágil, decidida: não os garranchos disformes e hesitantes dos semi-alfabetizados. Assinaturas de gente culta, qualificada, ilustrada, que quer “a verdade acima de tudo”.
Gente tão sofisticada assim não merecia ser ofendida com uma manobra discursiva tão primária e óbvia quanto a da chamada de primeira página da edição de domingo (28/6), em que o jornal procura, a um só tempo, inverter responsabilidades e desqualificar a comprovação da fraude que ajudou a perpetrar, ao publicar uma ficha falsa da ministra Dilma Rousseff, presa na época da ditadura.
Pequenas verdades em nome da mentira
Em fins dos anos 1980, uma notável campanha publicitária tornou-se referencial para a Folha: um locutor em off enaltecia as várias realizações de um estadista enquanto a imagem reticulada ia se compondo, até formar o rosto de Hitler. E a conclusão: “É possível contar um monte de mentiras dizendo só a verdade”.
O jornal agora pratica o que antes criticava. A chamada da edição dominical afirma: “Laudos pagos por Dilma dizem que ficha é fabricada”. Diz a verdade. Uma verdade banal, que, de tão elementar, é irrelevante: de fato, os laudos foram pagos. Nem poderia ser de outra forma: imagine-se o que se diria se peritos de duas universidades públicas tivessem trabalhado voluntariamente para uma ministra… Porém, o que essa pequena verdade pretende afirmar é: os laudos são suspeitos, porque “pagos” (ou “contratados”) por uma autoridade interessada num determinado resultado. Ou seja: insinua-se que a ministra poderia estar manipulando a perícia, quando a manipulação foi do jornal, ao publicar um documento falso.
A matéria, na página interna, também só diz verdades. Porém as relaciona de acordo com o interesse do jornal, de modo que o essencial – o fato de que a Folha asseverou, na chamada de capa do dia 5 de abril, que a ficha ali reproduzida era do Dops – aparece escondido, quase envergonhadamente, no meio do texto [ver íntegra abaixo]. Além disso, sugere que os laudos não deveriam ser levados em consideração, porque não utilizam a ilustração publicada pelo jornal – que, como argumentou um dos peritos, não se prestaria à análise -, mas sim uma imagem entre várias semelhantes capturadas na internet. Com uma agravante: a imagem em que se baseou a perícia foi retirada do blog do jornalista Luiz Carlos Azenha, notório crítico da Folha.
Uma agressão à inteligência
Para concluir, o jornal reafirma que continua tentando checar a autenticidade da ficha. Ou seja, continua a abusar da inteligência do leitor – esse leitor sempre tão esclarecido – e a tentar justificar o que qualquer estudante de jornalismo – dessas escolas que, depois da decisão do STF sobre o diploma, já não são tão importantes assim – está obrigado a saber: que todo jornal precisa confirmar a origem das informações antes de publicá-las. E que não pode, simplesmente, reclamar inocência por ter publicado um “documento” que, alegadamente, lhe chegou por e-mail, como se fosse um spam vadio.
O jornal sabe que sua posição é insustentável. Sabe que fez o que não podia fazer. Sabe que a única saída seria identificar a fonte que lhe forneceu a tal ficha e expor o processo que resultou em toda essa polêmica. Ou, mais ainda, como recomendou o ombudsman na última vez em que tratou do caso, em sua coluna de 3 de maio: constituir comissão independente para apuração dessa história, à semelhança do que fez a CBS, quando divulgou informação falsa sobre George W. Bush, na reta final das eleições americanas de 2004.
Enquanto não fizer isso, a Folha estará autorizando todo tipo de especulação sobre os motivos que a levaram a fazer o inaceitável: inclusive, que é partícipe de uma fraude com intenções muito precisas. Eticamente, portanto, só teria uma saída. A não ser que deseje forçar uma ação judicial, para então dizer-se vítima de perseguição política às vésperas da campanha eleitoral.
Do Observatório da Mídia