Cem anos de punição

Pesquisadora mostra que a construção da imagem do jovem "perigoso" está ligada ao passado escravocrata

Pivete, trombadinha, moleque de rua. São
classificações usadas para apontar
crianças e adolescentes pobres. Certamente esse tratamento
colabora para que sejam vistos com medo pelo resto da
população. E é esse medo que muitas
vezes leva as pessoas a pedir medidas punitivas mais rigorosas ou
até mesmo a redução da idade penal.

Para Esther Maria Arantes, coordenadora do programa de Cidadania e
Direitos Humanos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, as
raízes desse pensamento estão ainda no passado
escravocrata do País. É essa
explicação que ela apresenta numa pesquisa que
mostra como se constituiu esse perfil.

Ela se fundamenta na história para explicar que, enquanto
durou a escravidão no Brasil, os que eram vistos como fonte
de problemas à ordem social eram os chamados “sem
eira nem beira” (mendigos, desclassificados e vadios), que
não tinham lugar na estrutura daquela sociedade.

Com a abolição, juntou-se a eles a massa de
ex-escravos, que também passava a ser vista como
trabalhadores subalternos ou classe perigosa.

“Hoje quem acha que os “pivetes”
têm que ser presos é porque não conhece
o cotidiano dessas crianças, geralmente subordinadas a
situações de extrema crueldade, pobreza e
sofrimento físico e mental”, afirma a pesquisadora.

Mídia dá tratamento desigual

Os jornais denominam de maneira diferente os jovens, de acordo com sua
condição social, segundo a professora de
Análise do Discurso da Universidade Federal Fluminense
(UFF), Maria Claudia Maia.

Ela selecionou reportagens de O Globo e Jornal do Brasil, e verificou
as diferenças entre a nomeação do
adolescente da Zona Sul do Rio de Janeiro (região rica) e
dos outros moradores das favelas ou da Zona Norte.

Maria Claudia dá alguns exemplos: “Jovens de
classe média, pitboys, jovens do Leblon; de outro, em todas
as reportagens, os adolescentes foram chamados de menor, simplesmente,
ou, menor infrator”.

A pesquisa denuncia outros aspectos. As reportagens de O Globo sobre os
adolescentes da Zona Sul quase sempre vêm acompanhadas da
referência de território dos garotos, ou seja, no
próprio título são utilizados os
termos da classe média: do Leblon ou de Copacabana, por
exemplo.

Os jovens de classe média ou algum membro da
família geralmente são ouvidos nas reportagens.
Isso não se verifica com relação aos
jovens da periferia, e o termo “menor” é
encontrado quase cotidianamente nos jornais.