Cidadania|Deficiência em ação

Regras brasileiras sobre direitos dos deficientes são elogiadas internacionalmente, mas quem as cumpre é exceção. As conquistas vêm da persistência dessas pessoas e sua paixão pela vida

Sidney se emocionou com o emprego conquistado

Por Paulo Henrique de Souza
Fotos de Mauricio Morais

O assistente administrativo Marcos Rossi habituou-se, nos últimos 24 anos, a desconsiderar o impossível. Ele nasceu com síndrome de Hanhart, deficiência rara que impede o desenvolvimento de um ou mais membros, e diz ter compensado a ausência dos antebraços e das pernas com “persistência no sangue”. Casado e com um filho de 2 anos, é formado em Direito e trabalha no Unibanco, em São Paulo. Apaixonado por música, integra a bateria da escola de samba paulistana X-9 e começa a ganhar fama como vocalista da banda de rock 3 e ½. “Há quem diga que eu sou o ‘meio’ do nome do grupo, mas a piada é com a estatura do baterista”, brinca. Sua trajetória ilustra a de milhões de brasileiros com deficiência que não dão mole para o desânimo, os preconceitos e os limites e provam, no dia-a-dia, que a paixão pela vida move barreiras.

Uma delas – a falta de oportunidades no trabalho – começou a ser superada timidamente com a Lei de Cotas, que prevê a obrigatoriedade do contingenciamento de vagas no mercado de trabalho. Empresas a partir de 100 funcionários têm de reservar de 2% a 5% de suas contratações para pessoas com deficiência. A regra abriu uma porta para Sidney Cunha, 29 anos, que até os 16 trabalhava na lavoura em Barra do Corda, no interior do Maranhão. Nessa época foi diagnosticada a lesão medular que causou a atrofia de seus braços e o levou a mudar-se para São Paulo em busca de chances maiores de trabalho. No mês passado, enfim, conseguiu registro em carteira como auxiliar de serviços gerais do Fisk, escola de idiomas na capital. “Não sei descrever o que senti quando confirmaram a vaga.”

De acordo com Sergio Sá da Silva, da Federação das Fraternidades Cristãs de Doentes e Deficientes do Brasil (FCD), a Lei de Cotas é um “mal necessário”. Para ele, a regra tem impacto reduzido nas pequenas cidades, onde poucas empresas alcançam o mínimo de 100 trabalhadores. Além disso, permite ao patrão escolher os que têm deficiência leve no momento da contratação, o que coloca aqueles com problemas mais severos no fim da fila. “A lei veio de cima para baixo e tem boas intenções. Só que precisamos aperfeiçoá-la”, cobra Adilson Ventura, 66, fundador da União Brasileira de Cegos.

Segundo o advogado Delano Coimbra, 56, assessor jurídico da Federação do Comércio de São Paulo, a Lei de Cotas põe o empresariado contra a parede. “Ninguém quer sair com a imagem arranhada”, afirma, ao citar experiências positivas. A Serasa, por meio de seu programa de empregabilidade para deficientes, mantém 96 funcionários de um total de 2.300. O coordenador do programa é João Ribas, 51 anos, doutor em Ciências Sociais, ele mesmo um cadeirante. O Ministério Público do Trabalho quer disseminar essas práticas. Termos de ajustamento de conduta firmados no âmbito da Justiça dão às empresas prazo (até um ano) para adaptar instalações e processos a fim de receber pessoas com deficiência. Quem não cumpre está sujeito a multa e ação por dano moral coletivo. “N&a