Cidadania|Um dia sem carro

Trânsito, individualismo, poluição, paralisia. Cidadãos paulistanos, como a relações públicas Juliana, e de outras metrópoles buscam saídas do caos.

Saturado
Davi não consegue fazer mais do que duas visitas diárias a seus clientes

Por Antonio Biondi e Marcel Gomes

Pode parar

Depois de anos vendo seu tempo, sua saúde e sua vida se perder no trânsito e nos engarrafamentos, os cidadãos das grandes cidades tentam se mexer para superar o caos

Algumas das principais metrópoles do mundo tentam, neste dia 22 de setembro, organizar mais um puxão de orelhas coletivo, que serve para autoridades e populações. Será a 11ª edição do Dia Mundial Sem Carro, mobilização que começou na França há uma década e, gradualmente, vem conquistando adeptos pelo mundo, em quase uma centena de cidades. No Brasil, prefeituras importantes como as de São Paulo e do Rio de Janeiro aderiram modestamente à iniciativa. Neste ano, porém, a capital paulista terá reforços da própria sociedade civil.

O objetivo é fazer a população refletir sobre os danos causados pelo emprego descontrolado do transporte individual. No último ano, somente na maior cidade da América do Sul, acidentes de trânsito tiraram a vida de 1.400 pessoas, enquanto 2.500 morreram por problemas causados pela poluição – dano que levou outras 50 mil aos hospitais. Este ano, o 22 de setembro cai num sábado, o que pode criar um clima de “festa” que ajude a fixar a existência da data. Mas, num dia normal, São Paulo funcionaria sem carro? O empresário Oded Grajew, do Movimento Nossa São Paulo: Outra Cidade – uma das entidades que realizarão atividades no dia -, diz que o objetivo não é “demonizar” o uso dos carros. “Eles têm sua função, só não poderia ser a principal”, explica ele (leia entrevista em destaque).

A situação caótica não é obra do acaso, mas sim de sucessivos governantes que jamais tiveram olhar para o futuro. Nos últimos 40 anos, por exemplo, São Paulo passou por uma triste inversão de meios de mobilidade. Há quatro décadas, 68% dos modos de transporte eram coletivos, contra 32% do transporte individual. Hoje, o individual já responde por quase 55% dos deslocamentos, enquanto o serviço de transporte coletivo está longe de acompanhar a expansão econômica e demográfica.

Luana Moraes Vieira, 23, moradora de Guaianases, zona leste de São Paulo, dedica cerca de três horas do seu dia para ir e voltar do trabalho, na Luz, região central. “Pego todo dia o metrô cheio, se venho de trem é a mesma situação”, conta. A volta é pior: “Na estação Sé, você mal consegue entrar, é um empurra-empurra dos infernos”. A rotina tumultuada, além do estresse e do cansaço, guarda riscos. Luana já chegou a cair no vão entre o trem e a plataforma da estação Guaianases, em meio à agitação provocada pela superlotação. “A sorte é que as pessoas me tiraram antes do trem começar a andar. E já vi isso acontecer com muitas pessoas. É uma barbárie.” Em meio ao caos, quem pode anda de carro, por pior que seja o tráfego. E, quanto mais carros nas ruas, mais generalizados são os prejuízos aos deslocamentos.

Metrô, óbvio
Com ruas e corredores de ônibus cada vez mais intransitáveis, a expansão do metrô deveria ser solução. E essa percepção não é apenas de técnicos, mas também da maioria dos paulistanos, segundo pesquisa divulgada em julho pelo Datafolha. E situações como a de Luana mostram que o metrô de São Paulo já não dá conta de carregar tanta gente. Apesar de sua boa avaliação entre os usuários e de transportar até 3 milhões de passageiros por dia, possui várias deficiências – a maior delas sua pequena extensão.

No total, são 61,3 quilômetros, divididos em quatro linhas, que somam 55 estações. Cidades como Nova York, Paris e Londres, que têm metrô desde o século 19, agregam centenas de quilômetros de linhas, e não é exagero afirmar que há uma estação em cada esquina. Comparação mais realista pode ser feita com a