Cidadania|Um lugar para viver

O que buscam no Brasil milhares de refugiados da fome, da guerra, de perseguição étnica ou política.

“Eu e minhas filhas adotamos o Brasil”
Dragica fugiu da guerra da antiga Iugoslávia há 15 anos, com o marido e as filhas

Em busca de paz

Refugiados de mais de 60 países do mundo, a maioria mulheres e crianças, procuram no Brasil um abrigo seguro para reconstruir a própria vida, abalada pela fome, pela guerra e por outras formas de violência

Por Maurício Thuswohl e Xandra Stefanel

Nas ruas das cidades brasileiras ouvem-se vozes das mais diversas línguas e dialetos do mundo. Mas nem todos os estrangeiros aqui aportados vieram por escolha própria, a passeio, trabalho ou turismo. Quase 3.500 refugiados de mais de 60 nacionalidades vivem no Brasil e a cada ano chegam centenas de novos pedidos. Fugidos da morte, da guerra, da falta de perspectiva, de perseguição política ou étnica, ou simplesmente em busca de uma vida melhor, muitos deixam para trás a família e a casa.

Dragica Stefanovic, de 47 anos, fugiu da guerra da antiga Iugoslávia há 15 anos, com o marido e três filhas. Estavam “na lista” de grupos de extermínio. Ao chegarem, procuraram a Cáritas Arquidiocesana, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que dá assistência a refugiados. “Eu me sentia doente fora do meu país, mas era a única saída para minha família”, relata Dragica, olhos marejados. Pouco tempo depois se divorciou e teve de se desdobrar ainda mais em busca da emancipação. Estudou português no Senai do Bom Retiro, região central de São Paulo, e especializou-se em modelagem feminina. Em 1999 foi contratada pelo próprio Senai. Já conseguiu financiar um apartamento, mas ainda sente um vazio quando lembra de seu país, a atual Sérvia. “A guerra acabou, mas tenho medo de voltar. Eu e minhas filhas adotamos o Brasil, somos muito gratas a esse país de povo tão solidário.”

Luiz Paulo Barreto, presidente do Comitê Nacional para Refugiados (Conare), afirma que o Brasil tem um dos mais avançados sistemas de proteção ao expatriado. Mas há obstáculos: “A maior dificuldade é convencer empregadores de que refugiados merecem chance de trabalho”. Em São Paulo e Rio de Janeiro, a Cáritas tem parcerias com Sesc, Senac, Senai, universidades e entidades privadas que promovem cursos superiores e de profissionalização. Antes, têm de ser reconhecidos como refugiados, o que pode demorar meses. Quando chegam – nas fronteiras, aeroportos ou portos -, os estrangeiros geralmente se identificam na Polícia Federal e são orientados a procurar a entidade da Igreja Católica. Passam por programas de integração local, de assistência e proteção social.

Dependendo da urgência verificada, o refugiado pode receber um salário mínimo por três meses, auxílio para remédios e material escolar. A ajuda, temporária, é um primeiro passo para proporcionar a busca de uma ocupação e da autonomia. Todos têm direito a uma carteira de trabalho provisória. A concessão do visto de refugiado cabe ao Conare, formado pelos Ministérios da Justiça, Relações Exteriores, Trabalho e Emprego, Saúde, Educação, além de Polícia Federal, Cáritas e Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Se a resposta for positiva, o imigrante recebe Registro Nacional de Estrangeiro, carteira de trabalho definitiva e pode se matricular em cursos profissionalizantes. Caso contrário, entra com recurso, tenta a sorte na condição de indocumentado ou busca outro país.

Rumo ao desconhecido – Depois de ter vistos rejeitados na França e na Holanda, a engenheira de computação Selwa Mohamad Kheder veio para o Brasil, em 1998. No Iraque, trabalhava numa fábrica de bombas teleguiadas. O país sofria ataques dos Estados Unidos porque o Saddam Hussein proibira a entrada de agentes da ONU para a inspeção de armamentos. Estima-se em 4 milhões a pop