Ciência|Haja coração!

A terapia com células-tronco é aguardada ansiosamente por quem sofre de problemas cardíacos e pesquisas em andamento permitem muita esperança. Mas é cedo para euforia

Por Cida de Oliveira

O infarto sofrido pela professora aposentada Walkíria Duarte de Farias, de Porto Alegre, deixou como seqüela um quadro de insuficiência cardíaca. A irrigação no lado esquerdo do coração foi seriamente prejudicada. O músculo não recebe sangue e oxigênio o bastante para trabalhar. Bombeia menos sangue para o corpo, e este se cansa com o mínimo esforço. Sem os medicamentos que ela toma – cada caixa com 28 comprimidos custa 256 reais e nem dá para um mês –, seria impossível caminhar mais que do quarto à sala. “Antes de começar a me tratar, não agüentava subir escada nem andar ligeiro”, conta Walkíria. “Parecia que o coração ia saltar pela boca.” O remédio ajuda, mas a qualidade de vida fica a desejar: ela vive de olho nos ponteiros da balança e aos menores sinais de inchaço nas pernas e nos tornozelos.

Walkíria está entre os cerca de 10 milhões de brasileiros que sofrem de insuficiência cardíaca. Felizmente, está fora dos 4 milhões com quadro grave. Em casos assim, medicamentos e terapias tradicionais, como a angioplastia – introdução de um cateter com um balão na ponta, que esmaga as placas de gordura –, não surtem efeito. Nem o implante de ponte de safena ou mamária, aquele desvio para a passagem do sangue que os cirurgiões fazem usando veias retiradas da perna ou da região peitoral. Nos graus mais avançados, em que só o transplante de coração pode funcionar, a complicação mata metade dos doentes em menos de um ano. Nos Estados Unidos, pelo menos 3 milhões de americanos têm a doença, surgem anualmente 400 mil novos casos e mais de 200 mil morrem.

Diante do quadro preocupante, cientistas de várias partes do mundo vivem em busca de alternativas para revertê-lo. As terapias mais promissoras são as com células-tronco. O assunto, palpitante para médicos e pacientes, foi um dos temas de um evento internacional realizado entre os dias 14 e 16 de setembro, em Salvador, e foco principal do simpósio internacional realizado dois dias depois em São Paulo, no Instituto do Coração (Incor).

O cardiologista italiano Piero Anversa, radicado nos Estados Unidos e pesquisador do New York Medical College, esteve nos dois encontros. Um dos grandes expoentes do tema em todo o planeta, ele atualmente faz experiências com ratos que, depois de submetidos a um infarto, recebem células-tronco do próprio sangue diretamente no coração. “Nossa expectativa é que haja reparação do músculo cardíaco desses animais”, disse o especialista à Revista do Brasil. “Daí a garantir que haja recuperação em humanos infartados, é outra história. Muitos estudos ainda são necessários.”

Um dos maiores especialistas na área, o fisiologista José Eduardo Krieger, do laboratório de genética e cardiologia molecular do Incor, coordena pesquisas com cobaias e seres humanos. Os estudos com animais visam à formação de novos vasos sanguíneos e à reparação dos tecidos musculares cardíacos a partir de células-tronco extraídas dos próprios tecidos gordurosos, onde há muita irrigação sanguínea. “A idéia é que, no futuro, pacientes com insuficiência cardíaca grave não dependam mais do transplante de coração”, diz.

Os testes com cobaias most