Clipping 10 de setembro de 2021

Manchetes

Divididos, protestos contra Bolsonaro são esvaziados (Folha de SP)

Pandemia provoca queda de 26% nas cirurgias eletivas (Estadão)

Empresas criam frotas próprias para se proteger de greves de caminhoneiros (O Globo)

Fundos buscam reduzir exposição ao risco Brasil


Automotive Business

Sem barras de direção, Volkswagen vai parar fábrica Anchieta

Segundo sindicato, haverá férias coletivas por 10 dias a partir de 27 de setembro   

A Volkswagen solicitou férias coletivas para os funcionários do primeiro e do segundo turno da fábrica de São Bernardo do Campo (SP), onde são produzidos os modelos Polo, Virtus, Nivus e Saveiro. Segundo o sindicato dos metalúrgicos local, a medida envolverá 3 mil funcionários e terá duração de 10 dias a partir de 27 de setembro.

A razão segue sendo a falta de semicondutores que afeta não apenas a produção da VW, mas outras fabricantes instaladas no País. Desta vez, segundo apurou Automotive Business, estariam faltando também as barras de direção que equipam os modelos produzidos na fábrica. Alguns veículos, inclusive, estariam sendo montados sem o componente, afirmou uma fonte em off.

Procurada pela reportagem, a Volkswagen confirmou que protocolou uma solicitação de férias coletivas para a unidade e explicou que a medida, no entanto, poderá não ser aplicada caso haja o reestabelecimento da entrega dos componentes nas linhas de produção. O Ministério do Trabalho determina que este aviso de férias seja feito com antecedência.

Por outro lado, vale lembrar que, nas últimas duas vezes em que a montadora protocolou pedido de férias coletivas para a planta Anchieta, a paralisação acabou ocorrendo. Caso se confirme, esta será a terceira paralisação na fábrica da Anchieta este ano. Em junho, a produção parou por dez dias. A segunda parada, ocorrida em julho, durou 20 dias e envolveu apenas um turno da unidade.

Já na fábrica de Taubaté (SP), onde são fabricados os modelos Gol e Voyage, a montadora estendeu por mais dois dias o retorno do efetivo que está em banco de horas há cerca de duas semanas. Dois mil funcionários deveriam retornar às atividades na fábrica na segunda-feira, 13, mas o retorno agora está programado para ocorrer na quinta-feira, 16.

A produção de veículos segue normal das demais unidades VW, em São José dos Pinhais (PR), onde produz o SUV T-Cross, e também na fábrica de motores e transmissões de São Carlos (SP).

Correio Braziliense

Comprar carro usado ou zero está cada vez mais difícil

Enquanto a inflação, o dólar alto e a falta de peças ajudam a encarecer os automóveis novos, consumidor comum também vê os preços de usados e seminovos dispararem por conta da queda na oferta. Crédito também tem ficado escasso e caro

Inflação, crises energética e política, desemprego, alta dos juros, real desvalorizado ante ao dólar e falta de componentes importados que ajudam a interromper a produção estão afastando o cidadão comum, com salário médio de R$ 2 mil por mês, da compra de um carro zero-quilômetro, simples, sem qualquer acessório, que, atualmente, custa em torno de R$ 50 mil. Quem pensa no seminovo ou no usado, também, pode se deparar com o preço mais salgado do que esperava.

O processo de avanço nos custos retroalimenta-se. Com menos carros novos nos pátios das montadoras e das revendedoras, a demanda se desloca para seminovos ou usados devido à espera maior para a entrega por conta da falta de peças. Então, os preços sobem e os prazos de financiamento diminuem. Segundo especialistas, há muito tempo, não existe mais o carro popular na praça, com preços entre R$ 25 mil e R$ 30 mil.

“Consequência do aumento do custo de vida. A inflação alta faz o Banco Central elevar os juros. As taxas do Crédito Direto ao Consumidor (CDC), que responde por 50% do financiamento de veículos, estão em 22% ao ano e a previsão é de que cheguem a 26% até o fim de 2021, com o aumento da taxa básica da economia (Selic)”, explica Luiz Carlos Moraes, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes dos Veículos Automotores (Anfavea).

Para se ter uma ideia do impacto no bolso do trabalhador, segundo Moraes, nos últimos 12 meses encerrados em julho, o preço dos carros novos subiu 8,3%. Nos seminovos, a alta chegou a 17,4%. Entre 2011 e 2017, último dado disponível, os preços dos veículos usados subiram, em média, 20% ao ano.

Entre os vilões do alto custo para as montadoras estão os dispositivos importados que, com a pandemia, tiveram a produção reduzida, principalmente, os semicondutores — chips ou cristais de silício, usados em circuitos eletrônicos —, com alta de 45%, no acumulado em 12 meses até julho. Os altos preços de carros novos também foram influenciados por outros produtos, como resinas e elastômeros, com avanço, no mesmo período, de 109,8%, siderurgia (de 84,5%, principalmente o aço), plástico (de 43,3%) e borracha (de 16,9%). Assim, comprar um automóvel novo, hoje, está bem mais difícil para a classe média.

O último resultado da Anfavea aponta que os utilitários leves — os SUVs, de porte avantajado e interior espaçoso — são responsáveis por 40% dos emplacamentos. As revistas especializadas os chamam de um veículo que está “entre o carro e o caminhão” — tem modelos entre R$ 70 mil e R$ 160 mil. Para quem tem poucos recursos, a saída, no momento, segundo o presidente da Anfavea, “é alugar por dia, para viagens, ou por prazo mais longo”.

“O custo realmente nos preocupa. A queda na produção dos novos tem sérias consequências para o consumidor. Estimamos que uma possível volta ‘à normalidade’ só deve acontecer no segundo trimestre de 2022, se tivermos, até lá, um ambiente político e econômico sereno”, diz Moraes.

Para a estudante Rayssa Andrade, 20 anos, o carro próprio é sinônimo de melhoria na qualidade de vida. “Me ajudaria na ida ao trabalho, principalmente. Antes, eu morava perto do local do estágio, mas mudei de endereço e, agora, demoro muito mais tempo para chegar, porque tenho que esperar o ônibus. Às vezes, o horário até bate com o da aula”, afirma.

Apesar dos preços exorbitantes e créditos escassos, Rayssa tem poupado para realizar o sonho de comprar um veículo e garantir uma mobilidade maior. “Ainda não dei entrada no meu carro, mas busco economizar uma parte do meu salário”, destaca. Com o mesmo sonho de Rayssa, a enfermeira Rafaela Dias, 24, tenta comprar um veículo há três anos. “Desde a faculdade, eu sentia necessidade de ter meu carro, porque já cheguei a ficar quatro horas dentro do ônibus. Mas, com o meu salário, não conseguia”, afirma.

Rafaela chegou a tentar um financiamento, mas não teve acesso a um crédito com taxas dentro do orçamento pessoal. “Pensei que conseguiria dar uma entrada com um dinheiro que tinha guardado e pagar as parcelas com a bolsa do meu estágio. Quando fui atrás, vi que, mesmo parcelado em muitas vezes, o valor ficava muito alto, então, desisti”, comenta a estudante. Depois de formada, a enfermeira continua buscando sonho. “Agora, já tenho um salário melhor. Com a pandemia, precisei adiar um pouco esse sonho. Mas não deixei de economizar e espero um dia conseguir”, complementa.

Locadoras rindo à toa – O impacto da pandemia não barrou totalmente a crescente expansão do setor de locação de veículos, em constante crescimento desde 2017. Nos primeiros meses da crise sanitária provocada pela covid-19 em 2020, o setor conseguiu ultrapassar a marca de 1 milhão de veículos, quebrando seu próprio recorde.

No ano passado, as locadoras compraram 360.567 automóveis e comerciais leves, totalizando uma frota de 1,007 milhão de veículos. Esse dado está acima do recorde anterior, de 2019, quando a soma de carros para locação no Brasil era de 997.416 unidades. O faturamento bruto anual do setor ficou em R$ 17,6 bilhões e o líquido, em R$ 15,3 bilhões, segundo a Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla).

A modalidade de aluguel que mais cresceu na pandemia foi a de longa duração para pessoas físicas (de 12 meses a 36 meses). Ficou conhecida como “carro por assinatura”, e chegou a 8% da frota total das locadoras (o equivalente a mais de 80 mil carros alugados por meio desse tipo de contrato). “O momento atual, no qual mais pessoas preferem evitar transportes coletivos, acelerou a demanda”, avalia o presidente da Abla, Paulo Miguel Júnior. A oferta é variada. Podem ser alugados desde os modelos mais básicos, os chamados veículos de entrada, até os mais equipados e luxuosos.

O aluguel de carros para viagens também está crescendo. Quem deixar para alugar um carro em cima da hora para os próximos feriados de 12 de outubro e 2 de novembro pode ficar sem veículo. Com a flexibilização das medidas de isolamento social, mesmo com a pandemia ainda em curso, a demanda por locação, de acordo com a Abla, nos dois próximos feriados, terá aumento de 20% em relação às mesmas datas do ano passado. A orientação do executivo é para as pessoas se programarem.

“Em primeiro lugar, faça a reserva do veículo de sua preferência o quanto antes. É importante checar se a Carteira Nacional de Habilitação está em dia e é válida, e observar que, na maioria das vezes, a locadora oferece descontos progressivos. Quanto maior o período de locação, menores ficam as tarifas diárias cobradas”. Outra orientação importante é que a opção de pagar com o cartão de crédito facilita a aprovação do cadastro e o atendimento. “Vale lembrar que alugar um modelo popular custa o equivalente a uma corrida de táxi de aeroportos mais afastados até as regiões centrais das cidades”, aconselha Paulo Miguel Júnior.

Recorde – A Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) também comemora. Com o expressivo volume de 1,439 milhão de unidades comercializadas em agosto, as vendas de usados chegaram a 10,234 milhões de unidades, no acumulado do ano, um crescimento de 48,2% sobre igual período de 2020 — automóveis, comerciais leves, pesados e motocicletas, de acordo com a entidade.

“A baixa disponibilidade de veículos novos segue como o grande desafio do setor da distribuição automotiva, e a oferta de usados surge como alternativa para suprir esse mercado”, avalia o presidente da Fenabrave, Alarico Assumpção Júnior. Desde 2004, início da série histórica, nunca o setor havia superado a barreira de seis veículos leves usados vendidos a cada novo emplacado em um mês. “Neste ano, chegamos a uma proporção de 6,5, em julho, e atingimos 6,8, em agosto”, destaca Assumpção Júnior. (VB e GB).

Valor

Estudo aponta PIB potencial abaixo de 1%no ano que vem

Trabalho do Ipea indica crescimento gradual ao longo de uma década

Estudo a ser publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que a economia brasileira deve ter neste ano um grau de ociosidade (quanto da capacidade produtiva não está em uso) média entre 4% e 6%. E isso permitirá ao país crescer mais que o seu potencial (ritmo que não gera desequilíbrios, como inflação) de 0,9% estimado para 2022 e pouco acima de 1% para os dois anos seguintes, sem desequilibrar a economia, de acordo com o material.

O trabalho foi feito pelo diretor de macroeconomia do Ipea, José Ronaldo Souza Junior, e pelo pesquisador associado do FGV Ibre Fabio Giambiagi, e apresenta cenários até o fim desta década, apontando um gradual aumento de sua capacidade de expansão sem desequilíbrios. O texto foi antecipado com exclusividade ao Valor.

Intitulado “Recuperação econômica e fechamento gradual do hiato: um exercício de consistência de médio e longo prazos”, o estudo aponta que, para garantir um desempenho mais forte, é preciso avançar nos investimentos e nos ganhos de produtividade, caso contrário o potencial de crescimento saudável será limitado.

Os autores avaliam que, com o prosseguimento de reformas e avanços na consolidação fiscal, o potencial de crescimento pode chegar a 3% no fim da década. Mas comentam que esse processo será mais lento do que ocorreu em outros momentos da história.

“Explicamos por que o padrão de recuperação do PIB potencial esperado para os próximos anos difere do verificado em ocasiões anteriores. Os números apresentados sugerem que o Brasil terá uma expansão modesta do PIB potencial no início da projeção, mas o crescimento da variável poderá se firmar progressivamente, com o aumento gradual da taxa de investimento e do crescimento da produtividade”, diz o texto. “Não obstante o baixo crescimento inicial do PIB potencial, o grau de ociosidade existente permitiria um crescimento médio do PIB da ordem de 2,5% ao ano (a.a.) entre o ano-base de 2021 e o fim da década.”

Nesse quadro, o país chegaria ao final da década com taxa de investimento de mais de 22% do PIB. “Assim, se o país conseguir enfrentar o desafio fiscal e implementar reformas que melhorem a produtividade, as perspectivas para a década serão bastante promissoras, depois da década extremamente negativa de 2010-2020”, dizem.

Levando-se em conta uma ociosidade de 5% do PIB, número que Giambiagi considera mais provável entre os cenários apresentados, esse espaço deve ser consumido só em 2025. Se o “hiato” for mais alto, de 6%, ele só será ocupado em 2029, enquanto se o indicador estiver em 4%, será zerado em 2024.

“Os resultados das simulações descritas são relativamente modestos em termos de crescimento, quando comparados ao passado, mas eles resultam de hipóteses que embutem um ‘esforço’ muito grande da economia na mudança de paradigma para que o investimento e a PTF [Produtividade Total dos Fatores] possam acelerar e alcançar as taxas de crescimento assumidas”, comentam os autores, lembrando que o Brasil já se encontrava, antes da pandemia, em recuperação mais lenta que em ocasiões anteriores.

O estudo destaca o fraco comportamento dos investimentos ao longo dos últimos anos, cujo desempenho tem sido, em grande parte do tempo desde a crise de 2014, insuficiente para cobrir a depreciação (deterioração) do que foi feito no passado. Assim, o estoque de investimento tem caído ou se mantido quase estável, limitando a capacidade de expansão.

No cenário apresentado, o estoque de investimento terá nova queda em 2022, de 0,07%. Ao longo dos anos seguintes, porém, os economistas trabalham com um cenário de elevação mais relevante dos investimentos, que supera a depreciação e vai ampliando a capacidade de crescimento do país.

O movimento, inclusive, é inverso ao que os autores esperam para o comportamento da força de trabalho. Enquanto para 2022 esse fator de produção deve crescer 1,58% (considerando não só a questão demográfica, mas também os ganhos em termos de qualificação dos trabalhadores), nos anos seguintes ele vai perdendo força.

Dessa forma, ao longo da década o trabalho aponta que o PIB potencial brasileiro tende a crescer mais pelo lado do investimento em máquinas, equipamentos e infraestrutura e cada vez menos pela expansão da oferta e produtividade dos trabalhadores. Em 2030, estimam, o capital humano cresceria a uma taxa de 1,11%, enquanto o estoque de capital subiria 3,85%. “A ideia é que, se há dúvida sobre o PIB em si, que dirá sobre o PIB potencial.

O objetivo é dar uma ideia do que pode acontecer. Achar que no próximo governo dá para a economia estourar no bom sentido, não, o crescimento bom depende de anos sucessivos de ações que permitam o crescimento do produto potencial e essa evolução do PIB potencial é forçosamente lenta porque depende de coisas que se movem gradualmente”, disse Giambiagi. “A questão-chave é que não adianta ter política voluntarista para crescer.”

Souza Junior, por sua vez, destacou que os resultados das reformas, inclusive as que já foram feitas, levam tempo para fazer efeito no desempenho do crescimento tanto do PIB efetivo como do potencial. Ele ressaltou a importância de se fomentar o investimento, principalmente de infraestrutura, que também tem efeitos na produtividade e, consequentemente, na trajetória de crescimento do país.

Além disso, ele reforçou a mensagem de que é preciso equacionar a questão fiscal, como condição necessária para que se remova uma incerteza que afeta as decisões de investimento. O diretor do Ipea explica que o risco fiscal coloca no radar dos investidores temores de desvalorização adicional da moeda e aumento do custo do dinheiro pela alta da taxa de juros

Valor

O PT quer o fim do teto de gastos. E uma nova regra fiscal no lugar

Coordenador do Núcleo de Economia, Guilherme Melo defende mudança no regime de metas

O PT ainda quer o fim do teto de gastos, mas hoje defende uma nova regra fiscal no lugar. “Em 2018, havia mais resistência. Hoje há consenso”, afirma Guilherme Mello, professor de pós-graduação do Instituto de Economia da Unicamp, que foi responsável pelo programa econômico de Fernando Haddad nas últimas eleições presidenciais e hoje coordena o núcleo de economia ligado à Fundação Perseu Abramo, o órgão de estudos do partido.

Mello disse ao Valor que as maiores prioridades para 2023, em caso de vitória da oposição, são um novo arcabouço fiscal e a reforma tributária. O economista, que ressalta não falar pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, defende também ter um BNDES “capitalizado” e repensar a política de preços da Petrobras. Ele considera o atual regime de metas inflacionárias rígido demais – não pelas metas estipuladas, mas por olhar o IPCA cheio e ter como referência o ano-calendário. Outros países, lembra, preferem núcleo da inflação e períodos mais longos para absorver choques temporários.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Novo arcabouço fiscal

“Na campanha de 2018, havia mais resistência, menos consenso no PT sobre a necessidade de um arcabouço fiscal no lugar do que existe. Hoje é consenso. Veja que, do outro lado, quem não aceitava discutir uma flexibilização do teto também abrandou suas posições. Do lado do PT, a resistência sobre haver ou não uma nova regra foi superada. Temos atualmente um emaranhado de regras e nenhuma delas é cumprida direito: regra de ouro, Lei de Responsabilidade Fiscal, teto de gastos e PEC Emergencial, que ainda prevê uma regra para dívida. A maioria dessas regras é ultrapassada, tanto na literatura como na prática. Veja o caso da regra de resultado primário, que é pró-cíclica. Em períodos de crescimento, você arrecada muito e gasta mais, com o risco de superaquecimento da economia. Quando se está em plena recessão, ela requer corte de gasto e isso aprofunda a crise. Se você realmente quiser uma regra de superávit ou déficit primário, pode adotar bandas ou prazos maiores, plurinanuais.”

Fim do teto de gastos

 “Não adianta ter uma regra absolutamente dura e que não se consegue implementar. Em 2019 furaram o teto capitalizando estatal. Depois veio orçamento de guerra, gasto extraordinário e agora tem o drama dos precatórios. A regra atual não sinaliza nenhuma trajetória. Quem faz parte do jogo democrático precisa entender uma nova regra fiscal como plausível e que valha a pena preservar. Não estamos falando de retirar a regra do teto e não colocar nada no lugar. Estamos falando de tirar uma regra de despesa e colocar outra mais alinhada com a experiência internacional. Nossa ideia é uma regra de gasto que não estará na Constituição, ter uma lei com certo consenso. Uma regra que defina a despesa de quatro em quatro anos, anunciada de forma transparente, com subtetos, aprovada no Parlamento, que tenha cláusulas de escape. A gente tem que fazer uma regra que permita ao governo eleito decidir. Se ele for liberal, pode dizer que o crescimento real da despesa será zero. Pode ter um limite para a fixação desse objetivo. A LRF foi isso, uma âncora fiscal importante, por muito tempo. Hoje não é mais.”

Expansão do gasto público

“Vai haver uma expansão fiscal. Muita gente diz que ela foi enorme no governo Dilma, mas o crescimento real da despesa foi muito menor do que no governo Lula e menor também do que no governo FHC. A grande questão foi a trajetória da receita. Como houve desaceleração da economia e muitas desonerações, ela ficou comprometida. A gente tem uma visão de que é possível ter trajetória melhor da receita, com reforma tributária, se conseguirmos reativar o crescimento, o emprego, a renda, o crédito. O Estado terá papel mais direto, seja no gasto, seja na indução.”

Reforma tributária

“O próprio Lula tem dito que é preciso colocar o rico no Imposto de Renda. Taxar lucros e dividendos. A oposição votou a favor da proposta de reforma do IR na Câmara, mas a proposta não é boa porque reduz a arrecadação com tantas deduções. Meu sonho é que o Senado não vote o projeto e que, em um próximo governo, possamos aproveitar o que existe de bom nessa proposta e corrigir o que tem de ruim. Mesmo entre economistas liberais, há um consenso maior, uma visão de que é preciso ter mais progressividade, taxar mais a renda e o patrimônio dos mais ricos, reduzir tributação do consumo, simplificar.”

Preço dos combustíveis

“Temos que repensar, sim, a precificação da Petrobras. Já participei de algumas discussões. Uma possibilidade é pegar o custo de produção e colocar uma margem de lucro em cima, que pode ser a média do setor. Se houver uma oscilação do preço internacional, por muito tempo, isso pode gerar prejuízo para a empresa e você precisa de uma fórmula de correção – mas não a fórmula atual, com certeza. Não acho que seja a prioridade de um novo governo. A gente não sabe sequer como estará o barril do petróleo e a taxa de câmbio, mas já vimos que essa forma de precificação não é a melhor. Em algum momento precisaremos tocar nisso.”

 Metas de inflação

“Temos um compromisso com a estabilidade de preços. Ninguém discute abandonar as metas de inflação. O problema é que o nosso desenho é de 1999. Foi adotado em uma crise inflacionária, saindo do câmbio fixo, com excesso de rigidez. Teve muita mudança de lá para cá. Os países que adotam metas de inflação adequaram seus regimes às novas realidades e ao avanço da literatura. A gente ainda usa IPCA [cheio]. Outros países preferem núcleo da inflação. A gente faz meta para o ano-calendário. Outros fazem metas com prazos mais dilatados, justamente para acomodar choques temporários. Se a gente olhar para os sistemas de metas em todo o mundo, o Brasil tem hoje os critérios mais rígidos.”

Independência do BC

“Não há debate, no momento, sobre revogar a independência do Banco Central. Somos contra a forma como ela foi aprovada. O novo governo só vai conseguir maioria entre os diretores da autoridade monetária no terceiro ano de mandato. Sem isso, você fica incapaz até mesmo de implantar um viés mais ‘hawkish’ ou mais ‘dovish’. Mas esse debate não ocorreu até agora [no partido]. A agenda mais fundamental é atacar a fome, a miséria e o desemprego. Isso é urgentíssimo. Para tanto, é absolutamente prioritário discutir o arcabouço fiscal.”

Missões

“A economia saiu de uma recessão e não se recuperou. Está como uma pessoa deprimida: deitou e não consegue mais se levantar. O debate não pode girar só em torno de reformas. O que estamos pensando é trabalhar com um estilo de desenvolvimento orientado por missões, uma abordagem da Cepal, dos objetivos do milênio da ONU. Elaborar, a partir das demandas sociais e ambientais, missões: acabar com a fome, universalizar o acesso ao saneamento básico, melhorar indicadores educacionais, de saúde. Vai ter que ter participação dos entes federados e participação popular, o que dá legitimidade às missões”.

Bancos públicos

“Não temos a visão do atual governo, de descapitalização dos bancos públicos, mas também não é a visão do governo Dilma. O foco do nosso projeto de desenvolvimento atual não são mais as campeãs nacionais, mas financiar missões, o desenvolvimento tecnológico. Para isso vamos precisar de um novo BNDES, não um banco mirrado, mas capitalizado e que pense, sim, em desenvolvimento. Não sei se a taxa de juros [Selic] vai para 2% de novo, especialmente se o país voltar a crescer de forma distributiva. Então vamos precisar de um banco de desenvolvimento. Certamente não vai ser no modelo do PSI [programa de sustentação de investimento, com taxas altamente subsidiadas], mas teremos que pensar em algo.”

Valor

Líderes da “Terceira Via” participam de ato do MBL

Ciro Gomes (PDT), Mandetta (DEM), Doria (PSDB), Simone Tebet (MDB), João Amoêdo (Novo) e Alessandro Vieira (Cidadania) saem às ruas sem o PT

A proposta de transformar os atos ontem em favor do impeachment de Jair Bolsonaro em uma frente ampla, do centro e da esquerda no mesmo palanque contra o presidente da República não se confirmou. Boicotados pela esquerda, sobretudo pelo PT, os atos tiveram pouco público e reuniram lideranças que se situam majoritariamente no campo da chamada “Terceira Via”, como os ex-ministros Ciro Gomes (PDT), Luiz Henrique Mandetta (DEM), o governador paulista João Doria (PSDB) e os senadores Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania), em São Paulo. Todos são citados como presidenciáveis em 2022. No Rio de Janeiro, a principal figura foi João Amoêdo, candidato derrotado do Novo em 2018.

Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o ato na avenida Paulista reuniu 6 mil pessoas. A manifestação contra Bolsonaro começou a ser organizada pelo Movimento Brasil Livre (MBL) há cerca de dois meses e conta com o Vem pra Rua e o Livres no comando dos atos. Esses grupos foram os responsáveis por organizar grandes protestos pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 e apoiaram o presidente Bolsonaro no início do governo.

A princípio, a palavra de ordem dos atos programados para o domingo era “nem Lula nem Bolsonaro”. No entanto, depois das manifestações de 7 de setembro, com a escalada dos ataques do presidente ao Supremo Tribunal Federal e à democracia, os grupos mudaram o mote para o “Fora, Bolsonaro”, na tentativa de atrair setores mais à esquerda.

A esquerda se dividiu em relação ao ato. O PT não participou e expoentes do partido condenaram a manifestação nas redes sociais. Os movimentos sociais alinhados à sigla, como CUT, MTST, MST e a Central dos Movimentos Populares, também boicotaram. O cálculo eleitoral pesou: “Essa manifestação cujo lema é ‘nem Lula, nem Bolsonaro’ é estratégia da oposição de direita em emplacar uma narrativa eleitoral de terceira via”, registrou no twitter o deputado petista Ailton Faleiro (PA).

Já o PSB, PDT, algumas lideranças do PCdoB, a deputada estadual Isa Penna (Psol-SP) e cinco das seis maiores centrais sindicais (Força Sindical, UGT, CTB, CSB e NCST) tomaram parte. “Nós somos diferentes. Mas o que nos reúne é o que reúne toda nação civicamente sadia, a ameaça da morte à democracia”, disse Ciro.

O MBL divulgou uma carta nesta semana para dizer que o espírito da manifestação é resgatar o pacto construído no movimento das Diretas Já, em 1984, pela redemocratização do país, que juntou diferentes segmentos sociais e deixou de lado divergências ideológicas.

No Rio, centenas de pessoas se reuniram ao redor de carros de som em Copacabana, a maioria de branco, conforme orientação dos organizadores. O coordenador do MBL, Bruno Sampaio, avaliou o ato como satisfatório. “Por ora nós abrimos mão de todas as outras pautas tradicionais do nosso movimento e entramos em acordo com outras frentes por uma só pauta que é reivindicar a saída de Bolsonaro”, afirmou.

Folha de SP

Pesos pesados do PIB voltam às ruas pela 1ª vez desde impeachment de Dilma

Banqueiros e empresários, como Horácio Lafer Piva, José Olympio Pereira, Fábio Barbosa e Antônio Moreira Salles, estiveram na Paulista

Alguns pesos pesados do PIB brasileiro voltaram para a rua pela primeira vez desde os protestos a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016. Empresários e investidores como Horácio Lafer Piva (acionista da Klabin e ex-presidente da Fiesp), José Olympio Pereira (presidente do banco Credit Suisse), Fábio Barbosa (da Gávea Investimento e ex-presidente do banco Santander), Antonio Moreira Salles (filho do presidente do conselho de administração do banco Itaú Unibanco, Pedro Moreira Salles), Eduardo Wurzmann e Lucia Hauptman estiveram na avenida Paulista neste domingo (12) para protestar contra o presidente Jair Bolsonaro.

Muitos afirmam que Bolsonaro, além de representar uma ameaça à democracia, é ruim para os negócios. A maioria ainda acredita na possibilidade de surgir uma terceira via para a eleição de 2022 e muitos apostam no enfraquecimento de Bolsonaro, para que um candidato alternativo chegue ao segundo turno contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Se o setor privado não enxerga que é importante lutar pela democracia, pelo menos deveria entender que, sem democracia, nossos negócios valem menos”, diz Lucia Hauptman, dona de uma empresa de investimentos.

Grupos de empresários como o Derrubando Muros, que é apartidário, têm feito reuniões e publicado manifestos em prol da democracia. As turbulências políticas e ameaças golpistas têm gerado incerteza e assustado investidores, na visão de empresários.

É a primeira vez que Hauptman participa de um protesto desde 2016, quando foi aos atos a favor do impeachment de Dilma. Embora defenda uma terceira via, Lucia não afasta a possibilidade de apoiar Lula em 2022. “O simbolismo de uma volta de Lula ao poder é ruim, mas precisamos ver que Lula seria esse, qual seria sua equipe econômica”, diz. “Um segundo governo Bolsonaro seria péssimo, precisamos evitar que ele chegue ao segundo turno. Uma reeleição de um presidente golpista é ruim para os negócios.”

Embora decepcionados com a baixa adesão do protesto deste domingo, alguns empresários pretendem participar do ato do dia 2 de outubro, que deve contar também com a participação do PT e PSOL.

“Os investimentos no país estão em compasso de espera por causa das incertezas; os investidores querem uma pessoa previsível e racional no governo”, diz o investidor Eduardo Wurzmann, que é do conselho de várias empresas e investe em setores como educação.

Ele relata ter participado de atos a favor do impeachment de Dilma e diz não se arrepender. “A situação tinha ficado insustentável, e, depois, muitos empresários votaram em Bolsonaro para evitar o PT no poder.”

Agora, ele se diz preparado para votar no PT caso seja a única opção para tirar Bolsonaro do poder. “Voto em qualquer um que não seja o Bolsonaro. Espero que haja alternativa, alguém que tire Bolsonaro do segundo turno. Mas o fato é que a inflação hoje está mais alta do que era no governo Dilma, o dólar também, nada foi privatizado, reformas estão patinando.” Ele pretende ir ao ato do dia 2. “Estarei aqui, e acho ótimo que esteja a esquerda, o centro e a direita.”

Segundo Oscar Vilhena, diretor da Escola de Direito da FGV e colunista da Folha, o ato foi importante por levar pessoas de direita de volta às ruas para criticar tentativa de golpe de Bolsonaro, ainda que não tenha reunido muita gente. Ele aposta que pessoas de direita e esquerda estarão no ato do dia 2 de outubro.

El País

O Brasil que não quer Bolsonaro nem Lula consegue um apoio tímido nas ruas

Sem a participação do PT, atos ocorridos neste domingo contra o presidente se transformaram em palco de lançamento de candidatos a uma terceira via. Esquerda e direita tentam superar divergências e ensaiam união contra Bolsonaro nas ruas neste domingo

A promessa era a de que os atos deste domingo seriam o primeiro ensaio de uma união entre progressistas e conservadores contra o presidente Jair Bolsonaro. Mas as manifestações ocorridas em ao menos 18 cidades do Brasil acabaram se tornando, na realidade, palco para o lançamento de candidatos a uma terceira via para as eleições do ano que vem.

Um Bolsolula inflável, híbrido de Luiz Inácio Lula da Silva e do atual presidente, ambos em roupas de presidiários, deu o tom da marcha, repleta de discursos de políticos e com cartazes até de “Volta, Temer”, em referência ao ex-presidente que ajudou a amenizar a crise criada por Bolsonaro com o Supremo após os atos de Sete de Setembro —foi Temer, que busca voltar para a vida política, quem escreveu a carta apaziguadora assinada pelo presidente da República.

Organizados por movimentos de direita como o MBL e o Vem pra Rua ainda em julho, os protestos ganharam a adesão de parte da esquerda na última hora, quando os organizadores decidiram mudar o lema original das marchas (Nem Lula, nem Bolsonaro) para tentar atrair a participação da esquerda. Mas o PT se recusou a aderir, assim como o PSOL e diversos movimentos sociais ligados a estes partidos, que costumam conseguir grandes mobilizações nas ruas.

Os atos, assim, acabaram vazios. O principal deles, na avenida Paulista, em São Paulo, teve um público estimado em 6.000 manifestantes pela Secretaria de Segurança Pública. Como comparação, o ato bolsonarista da semana passada teve 125.000 pessoas e o organizado pela esquerda no mesmo Sete de Setembro, no centro da capital paulista, teve 15.000, aponta a Folha de S.Paulo.

“Quantos mais formos, mais opções teremos de tirar Bolsonaro, mas ainda somos poucos”, dizia desapontada a médica Denise, 53 anos, em São Paulo. “Votarei na terceira via, não importa o candidato, qualquer um que não seja Lula ou Bolsonaro”, acrescentou ela. Há três anos , a médica votou no militar reformado no segundo turno. É uma entre as pessoas decepcionadas, sobretudo pela atual gestão da pandemia.

Essa foi a primeira chance para medir forças nas ruas da chamada terceira via —termo do qual tanto se fala na imprensa, entre os empresários e as elites— mas que as pesquisas retratam, ao menos até agora, mais como um desejo intenso do que como uma realidade em construção que encarne uma pessoa concreta a 13 meses das eleições.

Saíram às ruas os que não querem se ver arrastados pela polarização, os que ficaram politicamente órfãos por Bolsonaro abandonar a agenda liberal na economia e a luta contra a corrupção e os que afirmam ter medo do PT e de Lula. Em resposta à convocatória, muitos usavam branco, para se diferenciar do verde e amarelo bolsonarista e do vermelho do PT. Uma das manifestantes disse ao EL PAÍS que o branco significa “a paz contra os extremos”.

Entre os muitos nomes que pretendem se cacifar como opção para a polarização estão o do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que conseguiu trazer da China as primeiras vacinas ao Brasil, o do ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Henrique Mandetta (Democratas), que assumiu protagonismo durante os primeiros meses de combate à pandemia, e o de Ciro Gomes (PDT), um ex-aliado de Lula, hoje seu rival, que ficou em terceiro nas eleições de 2018. Todos eles discursaram na avenida Paulista neste domingo.

Além dos nomes mais óbvios, políticos que têm tentado se destacar também testaram a temperatura da água nos atos. Entre eles o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que tem 36 anos e acaba de se declarar gay, e falou ao público em Porto Alegre.

Os senadores Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania), ativos participantes da CPI da Pandemia, também subiram ao palanque. Sempre que mencionavam caminhos para o país nas próximas eleições, Lula e Bolsonaro estavam na mesma frase. Ambos citaram a “terceira via” ao conversarem com o EL PAÍS. Se para Tebet a aposta em um nome além de Bolsonaro e Lula significa “ouvir as ruas”, para Vieira esse seria “o único caminho”, disse.

Mesmo ainda estando longe, uma das principais questões em jogo é em quem votarão os que detestam a dupla Bolsonaro-Lula, que lidera as pesquisas, principalmente se o segundo turno for entre as duas forças.

Lopes, um engenheiro de 58 anos que foi se manifestar na Paulista, gostaria de ver Ciro Gomes na Presidência. Mas, se a disputa final for Bolsonaro x Lula, já sabe o que fará. “Podem dizer o que quiser, mas Lula é um democrata, sempre foi. E Bolsonaro é um protótipo de golpista”.

Robson, operador logístico, e sua esposa Jessica, ambos de 31 anos, gostariam que o candidato fosse o ex-juiz Sergio Moro. “Uma outra via mais à direita que não seja Bolsonaro”, acrescenta ele. Mas a verdade é que, após sua saída do Governo Bolsonaro e ruptura com o bolsonarismo e o escândalo da Vaza Jato, as pesquisas não o colocam como opção viável. Robson perdeu a fé em Bolsonaro “quando rompeu todos os compromissos adquiridos para defender uma política liberal com um Estado mínimo”.

Mais ruídos do que consensos

O ato em São Paulo ocorreu no mesmo lugar onde, na terça-feira, Bolsonaro reuniu e discursou diante de uma multidão pelo Dia da Independência. Os vendedores ambulantes de camisetas adaptaram seu mostruário à manifestação da vez. Negócio é negócio. As mesinhas, que há alguns dias ofereciam camisetas amarelas com a palavra “mito” ao lado do rosto de Bolsonaro, hoje traziam a vestimenta em preto e ao lado do mandatário mostravam o lema “Fora, Bolsonaro”.

Ainda que os atos tenham se tornado palco para a terceira via e, diante disso, as críticas ao ex-presidente fossem politicamente lógicas, o “Fora, Lula” pegou parte dos presentes de surpresa e gerou ruídos até entre inimigos jurados do petista.

Ao EL PAÍS, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos principais impulsionadores dos atos deste 12 de setembro, disse que o discurso insistente do ‘Vem Pra Rua’, outro dos grupos organizadores, contra o ex-presidente Lula foi um “erro”, defendendo que as falas do protesto de domingo deveriam ter adotado um foco único: as críticas ao Governo Federal.

Para Kataguiri, o foco da nova jornada de protestos era “o diálogo” com as frentes contrárias ao bolsonarismo. Membros do Livres e do Novo também criticaram o que chamaram de “falta de foco”. O vereador Matheus Hector (NOVO-SP) comentou que “não se faz política sem estratégia” quando perguntado sobre o pixuleco ‘Bolsolula’, que virou o rosto dos atos.

Folha de SP

Atos contra Bolsonaro misturam direita e esquerda rachadas, sem fazer frente ao 7 de Setembro

Manifestação por impeachment teve presidenciáveis como Ciro, Doria e Mandetta; sem PT, adesão também fica aquém de protestos anteriores da oposição

Cinco dias depois dos atos de raiz golpista encabeçados por Jair Bolsonaro no 7 de Setembro, manifestantes foram às ruas de ao menos 18 capitais e em Brasília neste domingo (12) para pressionar pelo impeachment do presidente. Os protestos, convocados pelo MBL (Movimento Brasil Livre) e pelo VPR (Vem Pra Rua), tiveram adesões na oposição para além da direita, reuniram presidenciáveis que tentam ser a terceira via para 2022, mas não fizeram frente à mobilização bolsonarista no feriado da Independência nem a atos anteriores liderados pela esquerda.

As manifestações atraíram alguns partidos e líderes de esquerda, mas com distanciamento do PT de Lula e resistência de setores que não queriam se unir a grupos que deram impulso ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Estiveram na avenida Paulista nomes cotados para a disputa ao Planalto em 2022, como Ciro Gomes (PDT), João Doria (PSDB), Luiz Henrique Mandetta (DEM), Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania). O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), participou em Porto Alegre.

Em São Paulo, principal termômetro no país, a avenida Paulista teve à tarde diferentes concentrações, cujos públicos reunidos seriam suficientes para ocupar em torno de três quarteirões. No 7 de Setembro, houve perto de 11, semelhante à estimativa de atos da esquerda em junho.

A Secretaria de Segurança Pública estimou cerca de 6.000 manifestantes, contra 125 mil no ato bolsonarista no feriado da Independência e 15 mil na manifestação da esquerda no mesmo dia no vale do Anhangabaú. Em São Paulo, dividiram palco nomes de linhas ideológicas distintas, como Isa Penna (PSOL), Tabata Amaral (sem partido), Orlando Silva (PC do B-SP), Joice Hasselmann (PSL) e Arthur do Val Mamãe Falei (Patriota).

O líder do MBL e deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) procurou ressaltar a união de diferentes grupos e chegou a dizer que quando via alguém de laranja não sabia se era do partido Novo ou da Força Sindical.

Os movimentos ensaiaram nos últimos dias um recuo no mote “Nem Lula nem Bolsonaro”, como forma de atrair setores da esquerda e focar a pressão pelo impeachment do atual presidente.

Houve divergências, porém, e a mensagem acabou sendo utilizada por participantes —ao lado do carro de som, um pixuleco com Bolsonaro (usando uma camisa de força) ao lado de Lula (vestido de presidiário) era emblemático.

Manifestantes levantam placas pedindo o ex-juiz Sergio Moro para presidente, elogiando “heróis da Lava Jato”. O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) disse que a adesão da esquerda seria importante para o ato, mas que os cartazes de “nem Lula nem Bolsonaro” atrapalharam a união da oposição. “Seria interessante se juntar porque todo mundo tem um inimigo em comum que é o Bolsonaro”, disse.

Pela manhã, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, São Luís, Vitória e Manaus também tiveram protestos com baixa adesão. No Rio, apesar do mote “Nem Lula nem Bolsonaro”, lido nas camisas do Vem pra Rua, não houve consenso entre manifestantes sobre a condenação à Lula, cujo rosto era visto em camisas à venda por ambulantes na orla.

Em discurso, o secretário municipal de Governo e Integridade Pública do Rio e deputado federal licenciado Marcelo Calero (Cidadania-RJ) recusou a comparação. “Não me venham com falsa simetria. Eu não aceito dizer que o governo do PT foi igual. É mentira. Estivemos em campos opostos, mas todos jogaram a bola da democracia”, disse. “Nós não aceitamos esses fascistas, nós não aceitamos esses neo-nazistas”, afirmou.

Os protestos deste domingo foram anunciados em 8 de julho, quando setores da oposição a Bolsonaro na esquerda já haviam organizado três grandes mobilizações. Os atos, que já chegaram a cinco desde maio, são feitos pela Campanha Nacional Fora Bolsonaro, que reúne partidos, movimentos e centrais sindicais.

As justificativas de MBL e VPR para não se juntarem às iniciativas do fórum, que é predominantemente de esquerda, foram as restrições impostas pela pandemia de Covid-19 e o baixo percentual de vacinados àquela altura, mas também pesaram divergências políticas e ideológicas.

O tom radical de Bolsonaro e seguidores visto nas ruas na terça, em meio à escalada da retórica golpista com ameaças ao STF, acelerou a aglutinação em torno da manifestação deste domingo, com o diagnóstico de forças políticas sobre a necessidade de uma resposta.

O MBL mencionou como inspiração, ao longo da semana, a pluralidade da campanha das Diretas Já, no fim da ditadura militar (1964-1985), quando antagonistas dividiram palanque em nome da luta por eleições diretas para presidente da República no Brasil.

A lista de partidos engajados na convocação cresceu. Inicialmente referendado pelo Novo e por alas do PSL, o ato passou a ser apoiado também por siglas como PDT, PSB, PC do B, Cidadania, PV e Rede, setores do PSDB e do Solidariedade e membros de legendas como MDB, DEM, PL, Avante e PSOL.

As cúpulas de PT e PSOL, hoje empenhadas na pré-campanha de Lula ao Planalto, decidiram não convocar para a data sob a alegação de que não participaram da construção desde o início, mas tampouco vetaram a presença de filiados.

A deputada estadual Isa Penna (PSOL-SP), que já foi alvo de fake news do MBL no passado, foi ao ato na Paulista dizendo ser “o momento de furar todas as nossas bolhas e construir uma superbolha, a bolha do impeachment”. “Hoje considero que eles [MBL] estão no campo democrático, até porque apanharam muito”, afirmou sobre os ex-defensores de Bolsonaro que se voltaram contra o presidente. “Sei que não são mais aquele grupo que flerta com o fascismo.”

Penna, que apareceu com um broche da vereadora Marielle Franco, colega de partido assassinada em 2018, diz que um outro deputado do PSOL chegou a ameaçar apresentar uma sanção contra ela na Assembleia Legislativa paulista. “Estou aqui para fazer um gesto ousado, coisas impossíveis vão se tornar possíveis”, disse sobre sua presença numa manifestação que tenta se viabilizar como uma Diretas Já, unificando campos ideológicos contra Bolsonaro.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que “ninguém vetou ninguém”, ao se referir à ausência do PT e de Lula nos atos. Segundo o parlamentar, a recusa do partido do ex-presidente em aderir ao protesto é sintomática. O PT disse que irá se engajar nos próximos atos com outras forças políticas, previstos para 2 de outubro e 15 de novembro. Em carta, porém, a sigla afirmou saudar “todas as manifestações Fora Bolsonaro”.

Os discursos golpistas de Bolsonaro na terça aumentaram a pressão de diversos setores pelo impeachment do presidente. Siglas como o PSD e o PSDB anunciaram a intenção de debater a adesão ao movimento pró-impeachment. Aliado a isso, essas e outras siglas foram chamadas a dialogar com a esquerda, para a tentativa de uma ação conjunta.

Bolsonaro passou os últimos dois meses com seguidos ataques ao STF e xingamentos a alguns de seus ministros como estratégia para convocar seus apoiadores para o 7 de Setembro, quando repetiu as agressões e fez uma série de ameaças à corte e a seus integrantes. No feriado da Independência, ele disse que não cumpriria mais ordens de Moraes.

Os principais alvos de Bolsonaro sempre foram Moraes e Luís Roberto Barroso. No 7 de Setembro, porém, buscou também emparedar o presidente do STF, ministro Luiz Fux. “Ou o chefe desse Poder enquadra o seu [ministro] ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, disse Bolsonaro.

No dia seguinte, Fux rebateu em discurso duro, dizendo que a ameaça de descumprir decisões judiciais de Moraes, se confirmada, configura “crime de responsabilidade”. Na quinta (9), porém, Bolsonaro fez uma mudança de tom, em nota redigida com auxílio do ex-presidente Michel Temer (MDB).

Depois dos seguidos ataques, disse que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes” e atribuiu palavras “contudentes” anteriores ao “calor do momento”. “Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar”, afirmou.

A nota desagradou bolsonaristas que foram insuflados para a manifestação de 7 de Setembro, mas foi vista apenas como retórica por assessores do presidente, visando acalmar os ânimos. Embora a situação de Bolsonaro tenha sofrido uma deterioração depois de terça, ele goza de um cenário confortável na Câmara dos Deputados graças à aliança política com o centrão. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), vem barrando a apreciação dos mais de cem pedidos de afastamento.

Mesmo com a tímida inclinação da centro-direita a engrossar a pressão pelo impeachment, ainda seria necessária a adesão de pelo menos um dos grandes partidos do centrão para reunir, formalmente, os 342 votos necessários (dois terços do total) para que a Câmara autorize a abertura do processo.

As legendas independentes na Câmara têm 187 deputados. A oposição tem 132, o que dá um total de 319 parlamentares. Soma-se a esse grupo cerca de 20 parlamentares do PSL que ficaram alinhados ao presidente da sigla, Luciano Bivar (PE), no racha que levou à saída de Bolsonaro do partido. Ou seja, mesmo que não houvesse nenhuma dissidência nesse grupo, faltariam ainda três votos para se chegar aos 342 necessários.

Valor

Bolsonaro tem apoio dos quartéis? Não para o golpe, segundo este cientista político

Para Jorge Zaverucha, recuos do presidente estão associados à falta de retaguarda nas Forças Armadas

Para o cientista político Jorge Zaverucha, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), os recuos do presidente Jair Bolsonaro, que se seguem aos constantes arroubos autoritários, estão associados à falta de retaguarda nos quartéis. Especialista em militarismo e autor do livro “FHC, Forças Armadas e Polícia”, Zaverucha diz que o presidente não tem neste momento apoio das Forças Armadas para dar um golpe. “Isso já ficou claro, mas não significa que elas querem que ele saia do governo”, afirma.

Em sua opinião, as Forças Armadas não têm interesse em promover um golpe, em primeiro lugar, pelas lições da ditadura de 1964 a 1985, da qual os militares saíram “com um profundo desgaste”. Em segundo lugar, porque o governo Bolsonaro já lhes tem oferecido uma série de benesses, vantagens salariais, benefícios previdenciários e espaço em mais de 6 mil cargos da administração federal.

Uma mudança do cenário pode ocorrer em razão da deterioração da crise, a ponto de prejudicar a sustentação do próprio presidente. “Não é Bolsonaro quem vai decidir [sobre um golpe]. É a cúpula das Forças Armadas. Eles é que vão decidir quando devem ou não devem entrar. E, neste momento, não decidiram por entrar. E se entrarem, Bolsonaro pode perder até o emprego. Afinal, quantas divisões tem Bolsonaro? Nenhuma”, afirma Zaverucha.

O cientista político lembra que entre os militares prevalece a visão de que o artigo 142 da Constituição supostamente daria às Forças Armadas poder de intervenção, acima do controle civil. Segundo Zaverucha, mais do que poder moderador, os militares se veem como um “poder interventor”. “É a visão deles, a partir da imposição desse artigo feita, na transição, pelo então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves. Os constituintes queriam tirá-lo, é um artigo antidemocrático, que só existe no Brasil. Quem o copiou foram duas ditaduras, uma de direita e outra de esquerda, os pinochetistas, no Chile, e os sandinistas, na Nicarágua. No Chile, assim que houve a transição para a democracia, os constituintes tiraram”, diz.

No Brasil, constituintes que participaram da redação do artigo 142 e da sistematização da Carta de 1988, o ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso e o ex-presidente do STF, Nelson Jobim, respectivamente senador e deputado à época, negaram que a negociação com os militares tenha previsto qualquer tipo de tutela. Em junho do ano passado, em resposta a ação do PDT, o ministro Luiz Fux, atual presidente do STF, proferiu uma decisão liminar na qual estabelece que a Constituição não permite que as Forças Armadas tenham poder de intervenção sobre o Legislativo, o Judiciário ou o Executivo e, portanto, não são um poder moderador.

Para Zaverucha, a carta divulgada por Bolsonaro, na qual o presidente afirmou que os discursos do 7 de setembro foram feitos no “calor do momento”, representou um aparente recuo da radicalização mas ocorreu num contexto em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes – alvo de ataques de Bolsonaro – também teria baixado o tom, abrindo um novo capítulo na crise institucional, afirma.

“No momento em que há uma intermediação é porque os dois estão concordando em baixar a bola. Moraes também cedeu. Os dois lados estão procurando moderar”, diz o professor, em referência à conversa telefônica entre o magistrado e o ocupante do Planalto, mediada pelo ex-presidente Michel Temer. O emedebista foi quem indicou Alexandre de Moraes ao STF em 2017.

O professor compara a situação a um dos dilemas clássicos da teoria dos jogos em que dois automóveis em alta velocidade estão em direção oposta, numa linha reta, prestes a colidir; e quem desviar pode receber a pecha de fraco. As duas possibilidades restantes são ambos desistirem ou tomarem uma decisão suicida.

“Eles devem ter chegado à conclusão que os dois iriam morrer, e que estava na hora de alguém intermediar, para que ambos freassem. Moraes poderia ter se recusado, mas conversou. E, se conversou, chegaram a um acordo. Se chegaram a um acordo, o jogo mudou, inclusive para o bem do país, na minha opinião”, afirma.

Moraes é relator no STF de seis inquéritos que têm como alvo Bolsonaro, sua família ou aliados. Em três, o presidente é diretamente investigado, como o das “fake news”, que apura a disseminação de notícias falsas contra ministros do Supremo.

Nas manifestações da terça-feira, 7 de setembro, na Avenida Paulista, Bolsonaro disse que passaria a não cumprir decisões de Moraes, mas voltou atrás, dois dias depois, com a “Declaração à Nação”, concebida por Temer, em que afirmou que as “divergências” com o ministro serão resolvidas por “medidas judiciais”. O teor completo da conversa telefônica entre Bolsonaro e Moraes é desconhecido.

A dúvida que cerca o novo capítulo da crise institucional é até que ponto haveria tido algum tipo de negociação para frear o ímpeto das investigações que miram o ocupante do Planalto, seus parentes e simpatizantes.

Valor

Barroso diz que testes serão transmitidos ao vivo

Ministro condenou desconfiança criada artificialmente na população

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso disse que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passará a transmitir ao vivo os testes de verificação da urna eletrônica para aumentar a interlocução com a sociedade civil e encerrar a desconfiança “artificialmente criada em uma minoria da população”.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso disse que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passará a transmitir ao vivo os testes de verificação da urna eletrônica para aumentar a interlocução com a sociedade civil e encerrar a desconfiança “artificialmente criada em uma minoria da população”. Atual presidente do TSE, Barroso falou a jornalistas ontem sobre a criação de uma comissão com especialistas em computação, membros da sociedade civil e de instituições públicas – inclusive Forças Armadas – para o acompanhamento das eleições presidenciais de 2022 e sua apuração.

As declarações foram dadas depois do encerramento do teste de integridade de urnas sorteadas em eleições suplementares realizadas em quatro cidades brasileiras neste domingo. Questionado sobre os ataques de Bolsonaro a ele e os pares de STF, Barroso foi evasivo e disse que só repsonderia a questões institucionais relacionadas ao procedimento realizado pelo TSE. “Questões pessoais eu trato com a absoluta indiferença que merecem”, disse.

“Como o TSE tem procurado demonstrar, o sistema é absolutamente seguro, está em aplicação desde 1996 e jamais registrou qualquer tipo de fraude. Porém, é fato que criou-se, ao menos artificialmente, em alguma minoria da população, um grau de desconfiança”, disse, ao comentar indiretamente as teses bolsonaristas.

O ministro disse que as instituições devem ser “responsivas” e aumentar o grau de interlocução com a sociedade. Ele lembrou que há testes de urnas “antes, durante e depois” das votações. “Também teremos uma comissão de transparência das eleições composta por professores da área de computação. Vamos trazer o estado da arte em matéria de computação na academia para acompanhar cada passo do processo eleitoral”, detalhou.

Barroso lembrou que estes sistemas são criptografados e internos, e que a urna nunca entra em rede, o que impede invasões ao aparelho. Os dados da votação, disse o ministro, são armazenados em um pendrive, este sim responsável pela transmissão ao sistema central. Os dados repassados podem ser comparados ao do boletim de urna, espécie de talão impresso pelo próprio aparelho com seu resultado no encerramento das atividades da seção eleitoral.

“É fantasia, ficção, equívoco, achar que pode haver fraude nessa transmissão [de dados das urnas para o TSE]. E, ainda que houvesse, o resultado é o que está no boletim de urna impresso [nas seções eleitorais às 17h], que os candidatos podem conferir”, afirmou.

Os testes de integridade desse domingo, simultâneos à votação, foram realizados em urnas que seriam utilizadas nos municípios de Silva Jardim e Santa Maria Madalena, no Rio de Janeiro. Os eleitores dessas localidades votaram hoje para eleger novos prefeitos e vice-prefeitos, porque o pleito de 2020 estava sub judice e seus vencedores não chegaram a ser diplomados. Também houve eleições, mas sem testes, nos municípios de Campo Grande, em Alagoas, e Gado Bravo, na Paraíba.

Valor

Variante delta não deve causar a ‘hecatombe’ que já vimos no Brasil, diz virologista

Para Fernando Spilki, número acentuado de casos no início do ano e avanço da vacinação podem estar servindo de barreira à cepa

A variante delta do coronavírus, que causou uma avalanche de novos casos nos últimos meses em países da Europa, Ásia e também nos EUA, parece estar se comportando de uma forma diferente no Brasil. Aqui, quatro meses depois da identificação dos primeiros casos, a variante não provocou uma piora nas contaminações, internações e mortes. Os números, ao contrário, são declinantes.

O virologista Fernando Spilki, coordenador da rede Corona-ômica do Ministério da Ciência e Tecnologia, diz que o surto devastador que o país viveu de covid-19 nos primeiros meses do ano (com mais de 4 mil mortos por dia) e também a vacinação podem estar servindo de escudo à delta.

A rede do ministério reúne instituições pelo país que fazem sequenciamentos genômicos de amostras do coronavírus para identificar quais variantes estão em circulação. A Corona-ômica é uma das grandes redes do tipo no país.

Spilki, que presidiu a Sociedade Brasileira de Virologia entre 2019 e 2020, fala de um cenário de alguma piora da pandemia no Brasil devido à delta. Mas que a aposta é que não haverá uma reprise da hecatombe de covid-19 que atingiu o Brasil no começo do ano. A seguir, alguns dos principais pontos da entrevista de Spilki ao Valor.

Moratória da delta

A delta apareceu na Índia em dezembro e foi causar problemas em fevereiro. Em vários outros países, ela apareceu e só efetivamente foi causar grandes problemas também ao redor de oito semanas depois. No Brasil, ainda que em algumas regiões essa velocidade tenha aumentado muito nas últimas três ou quatro semanas, a gente, de fato, está vivendo um período relativamente longo do que eu costumo chamar de moratória da delta.

Efeito da vacina

Quais são as nossas impressões? E eu falo ‘nossas’ porque essa é uma questão que eu debato com outros pesquisadores que estão trabalhando ativamente com esse tema no dia a dia. A gente tem uma associação de dois elementos. No Brasil, a vacinação foi tão espaçada ao longo do tempo que tem muita gente que está justamente agora imune [no pico da imunização] por ter tomado a segunda dose recentemente. Não é o número de 70%, 90% que é o que se fala para a [proteção contra] delta. Mas em algumas cidades e regiões chega próximo disso. No Brasil, na média, ao redor de 30% da população tem as duas doses. Então a gente tem alguma vacinação. Em outros países esse nível de vacinação não foi suficiente para evitar problemas. Abaixo de 60% não foi suficiente para evitar problemas. A gente tem esse contingente [de pouco mais de 30%] vacinado.

Surto da variante gama

Mas além da vacinação, há outro elemento. O fato de que a gente teve [nos primeiros meses do ano] um surto de variante gama de proporções absolutamente titânicas. A magnitude daquilo foi algo incrível e essa imunidade de curto prazo dada pela infecção junto com a vacina pode estar interferindo [positivamente contra os efeitos da delta]. Lembrando que essa é a pior imunidade possível, porque esse surto gerou uma quantidade de mortes e adoecimentos terrível, de no mínimo 200 mil de um total de 580 mil mortes por coronavírus no Brasil. Então, a falta de controle que tivemos em relação ao surto da gama entre fevereiro e abril no Brasil, o número de casos horrendo que tivemos, mais a vacinação, podem ter dado pelo menos por algum tempo a imunidade para que a gente conseguisse ter um convívio maior com a delta.

Cenário provável

Pode ser até que o “time frame” seja o necessário para que a gente continue vacinando e daqui a pouco a gente nem veja uma elevação tão grande [de casos provocados pela variante delta]. Ou pode ser que esse período acabe daqui a pouco e a gente até acabe vendo em algumas regiões o problema da delta chegando. Que é a preocupação, por exemplo, no Rio de Janeiro. Eu tenho um certo pessimismo. Em nenhum país a delta deu essa folga. Ela pode até ter atrasado um pouco, mas acabou subindo. Considerando os grandes países, aqueles onde é possível pensar a covid-19 como algo que se dinamiza e que as ondas por surtos são muito evidentes, como em Reino Unido, Alemanha, EUA. Nesses contingentes populacionais, que são capazes de transmissão sustentável transmissão comunitária muito forte, a gente viu essas subidas. Então seria um ponto muito fora da curva se no caso brasileiro a gente não tivesse uma elevação da curva [de casos de contaminação]. A verdade é que a gente não sabe quanto tempo esse período de imunidade dada por esses elementos vai nos dar uma certa paz.

Hecatombe

As pessoas mais pessimistas indicam alguma dificuldade apontada para outubro. Considerando o que aconteceu em outros países, mas levando em conta como as coisas se desenrolaram no Brasil, um cenário é que possa haver um pico de infecções pela delta ao redor de outubro. Qual é a aposta em relação a essa possível nova onda? É a mesma magnitude da [onda da] gama? A maioria de nós aposta que não. Eu particularmente sou da opinião que o que nós vivemos com a variante gama é um caso de estudo sobre o que uma epidemia de SarsCov 2 e uma amostra de alta transmissibilidade sem controle adequado, sem vacinação adequada pode causar. Nós tivemos mais casos de gama por 100 mil habitantes no Brasil do que a Índia teve de delta. E a gama também é muito transmissível. Nossa aposta geral, em virtude da vacinação em virtude da circulação continuada da própria gama, é de que a delta não consiga provocar a mesma hecatombe que nós vimos no passado [com a onda da variante gama nos primeiros meses do ano]. E se ocorrer uma onda com mais casos, algumas medidas de flexibilizações talvez tenham de ser revistas, mas não com aquela dinâmica que vivenciamos entre fevereiro e abril.

Momento da pandemia

A nossa curiosidade é como os países do hemisfério Norte vão lidar ao longo dos próximos meses agora que eles começam a enxergar o declínio da delta e o quanto eles vão conseguir intensificar a vacinação. E um definidor para 2022 é o quanto a gente vai conseguir atualizar as vacinas disponíveis para efetivamente combater melhor as variantes que se formaram ao longo desse tempo. Esse investimento tem sido feito por empresas que produzem vacinas. Isso vai ser um definidor para um controle muito mais efetivo em 2022, em 2023 da epidemia por meio de vacinação.

Transição no Brasil

Achamos que o embate é esse: a substituição paulatina de gama por delta no Brasil. Não dá mais para negar que isso esteja ocorrendo. Há Estados brasileiros em que a delta praticamente não entrou. Mas no Rio de Janeiro, por exemplo, [já representa] 86% dos [novos] casos. Já entrou para aqui no Rio Grande do Sul e paulatinamente está chegando perto dos 50%. Mas por enquanto isso não está associado ao incremento muito importante do número de casos e é isso que o que a gente precisa continuar acompanhando.

Avanço da delta no país

Se a gente fizer uma extrapolação, uma contagem dos dados que nós temos, a gente vai falar da [presença da delta] em algo ao redor de 63% dos novos casos no país. Mas eu repito que isso é uma média muito pobre porque algumas regiões há praticamente zero [casos de delta] e outras regiões que têm perto de 90%. De qualquer maneira, olhando todo banco de dados, olhando todas as estatísticas, a gente chegaria por volta de 63% de delta. [Principalmente] nos Estados do Sul e do Sudeste.

Flexibilizar restrições

Se a gente não tivesse nenhuma novidade no front, se a delta estivesse batendo na nossa porta, quem sabe, pelo fato de estarmos em declínio [no número de casos], pudéssemos fazer a liberações paulatinas e com menos cautela. Mas, em virtude desse momento de transição [da gama pela delta como variante dominante], deveríamos ser mais cuidadosos com aquilo que pudesse ser postergado. A gente poderia fazer alguns eventos-testes com mais frequência com indivíduos vacinados, permitindo que eles vão a determinado evento de uma forma adequada. O problema é que tem quantas questões complicadas: na volta os estádios, por exemplo, há dificuldade de entrada, o problema de transporte público. Então eu acho muito complicado neste momento em virtude desta incerteza que nós temos em relação ao futuro próximo sobre a delta. Nós deveríamos ser mais cautelosos.