Clipping 25 de outubro de 2021
Manchetes
MEC quer universidades em redutos do Centrão (Folha)
Direito climático sustenta cada vez mais processos em tribunais do Brasil e do mundo (Estadão)
Instabilidade política e juros em alta afastam empresas da Bolsa (O Globo)
Pioram perspectivas para o PIB e investimentos em 2022 (Valor)
Valor (do Financial Times)
Renault dobra corte de produção por falta de chips
A Renault advertiu que sua produção será muito mais impactada pela falta de chips no setor do que temia há apenas dois meses. A montadora francesa informou na sexta-feira que produzirá quase 500 mil veículos a menos em 2021, um impacto bem maior na produção do que os 220 mil previstos no início de setembro.
Além da piora na projeção, a Renault também anunciou forte queda nas vendas do terceiro trimestre. A receita no período somou € 9 bilhões, 13% a menos do que no mesmo trimestre de 2020 e bem abaixo dos € 11,3 bilhões obtidos nos mesmos meses de 2019, antes da pandemia.
As montadoras pelo mundo, da Volkswagen à Toyota, têm sido obrigadas a reduzir a produção em razão da falta de semicondutores, que já as levou a deixar de produzir milhões de veículos e se dá no momento em que a indústria esperava ver as vendas recuperando-se da pandemia.
A diretora de finanças da Renault, Clotilde Delbos, disse que o “lockdown” na Malásia “adicionou mais um fator de desestabilização à cadeia de abastecimento e levou a uma falta mais grave de chips” do que a empresa previa. A montadora esperava um abrandamento da crise no fim de 2021, acrescentou Delbos, mas a escassez continuará sendo um problema substancial pela maior parte de 2022, até os novos investimentos das fabricantes de chips começarem a dar frutos.
As previsões de produção dos fornecedores chegam a mudar diariamente ou até a cada hora, segundo Delbos, prejudicando a capacidade das montadoras para se planejar no chão de fábrica. Além do impacto da falta de chips, que são disputados ferrenhamente tanto pelas montadoras quanto pelas fabricantes de bens de consumo eletrônicos, as vendas da Renault no terceiro trimestre ainda sofrem com uma comparação em relação a uma base muito alta, já que nesses meses em 2020 os resultados foram beneficiados por certa demanda acumulada.
Apesar da queda nas vendas, a Renault, que não divulga números sobre os lucros no primeiro e terceiro trimestres, anunciou que as margens de lucro do segundo semestre deverão equiparar-se aos 2,8% observados na primeira metade do ano. Delbos ressaltou que a margem deverá manter-se “apesar da deterioração na disponibilidade de componentes no terceiro trimestre e da visibilidade reduzida sobre o quarto trimestre”.
A montadora prevê que atingirá sua meta de redução de custos de € 2 bilhões, originalmente projetada para 2023, ainda no fim deste ano. A escassez de chips prejudica a produção, mas, por outro lado, ajuda as montadoras a cobrar preços mais altos, acabando com a necessidade dos descontos que ofereciam quando as rivais estavam empenhadas em elevar os números de suas vendas.
A Renault informou que sua lista de encomendas atual equivale a 2,8 meses de vendas, o maior nível em 15 anos. O grupo vem priorizando os chips para seus veículos mais novos e lucrativos, além de reservar os necessários para a versão de teste dos modelos que planeja lançar em 2022, como a versão elétrica do Mégane. Um terço das vendas da Renault no terceiro trimestre continha tecnologia elétrica ou híbrida.
Valor
Nissan reduz atividades em 30% até novembro
A montadora foi capaz de conter o impacto negativo da escassez de chips até certo ponto
A Nissan vai reduzir a produção global planejada para outubro e novembro em 30%, apurou o “Nikkei Asia”, como resultado da persistente escassez mundial de chips. Com o corte, a montadora japonesa planeja fabricar 263 mil veículos em outubro e 320 mil veículos em novembro, segundo dados tirados de um comunicado a fornecedores.
A Nissan interrompeu as operações em uma fábrica dos Estados Unidos por duas semanas em agosto devido à paralisação da produção de semicondutores na Malásia. Mas o ritmo de produção até setembro excedeu as previsões, em parte devido às estimativas iniciais da Nissan serem mais conservadoras que as de outras empresas.
A montadora foi capaz de conter o impacto negativo da escassez de chips até certo ponto. O plano de produção de outubro previa aumento na montagem em comparação com o ano anterior, mas os fornecimentos de semicondutores apertaram à medida que outras montadoras elevaram a produção também. Isso levou ao movimento mais recente da Nissan para cortar a produção em comparação com seus planos anteriores.
A Honda também revelou que espera cortar a produção em 10% em cada uma de suas três montadoras de veículos japonesas no início de novembro. A produção local projetada já está sendo reduzida em 30%, em média, neste mês. A produção na fábrica de Suzuka, na província de Mie, caiu 40%, enquanto a fábrica de Sayama, na província de Saitama, terá queda de 20%. A terceira unidade, em Yorii, província de Saitama, não deverá ter cortes de produção em outubro, mas a fábrica acabou reduzindo-a em 10% devido à falta de semicondutores.
Embora a Honda esteja melhorando seus níveis de produção, a fabricação dos minicarros da Série N e dos veículos utilitários esportivos Vezel ainda é afetada. Os revendedores estão enfrentando esperas de um ano para certos tipos e cores de Vezel.
No contexto mais amplo, as montadoras japonesas como um todo estão estreitando as margens dos cortes de produção. A Toyota decidiu reduzir a produção global em 15% em novembro, muito menos que os 40% anunciados para outubro.
No caso da Nissan, a projeção de redução é de 32% em outubro na comparação com o ano anterior. Para novembro, é de 21%. O volume de produção da Toyota em novembro deve ficar no mesmo nível do mesmo mês de 2020, 820 mil unidades, um recorde para aquele mês. “O impacto da escassez de semicondutores está enfraquecendo”, disse um executivo de uma fabricante de veículos.
As montadoras também veem um afrouxamento no fornecimento de peças. A Toyota e seus pares estão se preparando para aumentar a produção a partir de dezembro. Neste estágio, a Nissan não mudou sua previsão de que a crise de chips diminuirá a produção de automóveis em 500 mil unidades para o ano fiscal encerrado em março de 2022. “Estimamos que seremos capazes de recuperar metade do reduzido volume de produção no segundo semestre”, disse o presidente da Nissan, Makoto Uchida. O que o futuro reserva, no entanto, está longe de ser certo.”
Automotive Business
Prestes a se tornar realidade, rede 5G aumentará oferta de serviços das montadoras
Rede de internet ultrarrápida vai produzir reflexos positivos nas linhas de produção e no desenvolvimento de veículos
Em 4 de novembro será realizado o leilão da faixa 5G no Brasil e, enquanto as operadoras de telecom organizam seus lances para explorar o serviço no mercado brasileiro, as empresas do setor automotivo já analisam as possibilidades que a distribuição de internet ultrarrápida poderá proporcionar a partir de sua adoção.
Em termos técnicos a internet de quinta geração viabiliza um maior tráfego de dados e, principalmente, uma maior cobertura na comparação com a rede 4G, uma vez que o sinal é propagado por meio de ondas de rádio, que por natureza conseguem chegar mais longe do que o sinal distribuído em outras frequências.
Para a Anfavea, a associação que representa as montadoras instaladas aqui, os benefícios da adoção do 5G produzirão reflexos positivos tanto no desenvolvimento de veículos quanto em sua produção. Falando especificamente do primeiro ponto, o do produto, a entidade acredita que haverá benefícios para o mercado de comerciais.
“Um dos primeiros segmentos a se beneficiar é a agricultura de precisão através das máquinas do agronegócio e caminhões pesados de transporte. Já produzimos aqui vários modelos preparados para usar essa tecnologia, mas de forma restrita devido à falta de conectividade no campo”, informou a entidade por meio de nota.
Scania tem 20 mil veículos conectados no Brasil
Nesta área o Brasil já possui avanços em termos de veículos conectados, sobretudo caminhões que enviam dados aos frotistas por meio da banda 4G. A Scania, por exemplo, divulgou que há em circulação no Brasil mais de 20 mil veículos da marca conectados, dentre caminhões e ônibus.
A Volvo, outro exemplo, mantém na América Latina mais de 100 mil veículos conectados, dentre caminhões, ônibus e máquinas de construção. Todos os veículos da montadora já saem de linha com o módulo de comunicação instalado.
Ambas as companhias registraram aumento da participação de serviços em seus faturamentos, muito em função da conectividade dos modelos que vendem. Por meio da rede, por exemplo, a montadora analisa o desempenho do veículo e, assim, oferece aos clientes programas de manutenção preventiva.
“Com a possibilidade de maior cobertura e qualidade sinal, a tendência é a de que as montadoras passem a oferecer mais serviços além do concierge e das atualizações remotas de software”, disse Fernando Trujillo, consultor da IHS Markit.
Onix foi o pioneiro na conectividade
Hoje no País existem modelos compactos que utilizam a internet para prover serviços aos motoristas. O Chevrolet Onix é o pioneiro dentre os compactos na era da conectividade 4G, por exemplo. O consultor afirmou que com a chegada do 5G é possível que outros veículos sigam a tendência e passem a oferecer serviços aos motoristas por meio da conexão.
“Existe uma tendência de que os lançamentos sejam conectados, e que isso não seja uma característica específica de um carro, e sim um item como freios ABS ou airbag”, contou Paulo Humberto Gouvea, diretor de soluções corporativas da TIM Brasil.
A Stellantis anunciou em maio, junto ao lançamento da nova Fiat Toro, a plataforma de e-commerce Cart. Ela passou a integrar os computadores de bordo de seus veículos e foi o destaque do lançamento do SUV Fiat Pulse, ocorrido em outubro.
A BMW, no ano passado, passou a oferecer atualização remota de software para os clientes brasileiros. O serviço, que é chamado de Over the Air (OTA), utiliza a rede de dados para poder fazer o download da nova versão do sistema que equipa os modelos da montadora.
GM prevê US$ 80 bi com novos serviços
O interesse das montadoras por receitas via serviços conectados já é percebido em seus planos estratégicos. A General Motors, por exemplo, estima faturamento de US$ 80 bilhões com sua oferta de serviços que envolvem algum tipo de conectividade via 5G, como o Cruise (direção autônoma), BrightDrop (entregas com veículos elétricos) e OnStar Insurance (seguros).
A Anfavea também projeta melhorias na manufatura de veículos, considerando a massificação do conceito de indústria 4.0 no parque nacional. Na visão da entidade, o 5G vai viabilizara entrada de fornecedores na conexão com as montadoras, algo que hoje ainda é incipiente.
“A tecnologia 5G e todos os aspectos de infraestrutura que a rodeiam é parte integral do passaporte que irá permitir que nosso país tenha uma indústria forte e relevante capaz de atender tanto as necessidades domésticas como se integrar no complexo e competitivo mercado global”, finalizou a entidade em nota.
Notícias Automotivas
Falta de peças e componentes é ameaça à segurança dos carros
Falar em manutenção de veículos é tratar da segurança dos mesmos. No mercado mundial de autopeças, a cadeia de fornecimento global é afetada pela crise do desabastecimento, que já não engloba somente os semicondutores, mas todo tipo de peça ou componente de um automóvel.
Não faz muito tempo que a Volkswagen, na Anchieta, parou pela falta de barras de direção. No mundo, as coisas se complicam também. Como uma bola de neve, a parada das fábricas por falta de chips afetou o setor de autopeças, que reduziu obrigatoriamente a produção em decorrência da demanda menor.
Como se sabe, a indústria mundial perderá de 7 a 9 milhões de carros somente em 2021, levando a um prejuízo de três dígitos de bilhão de dólares. Se uma Stellantis da vida deixar de produzir, isso significa que a oferta de componentes para manutenção também será afetada.
Nos EUA, por exemplo, o mercado de reparação gera US$ 300 bilhões ao ano. Por lá, há falta de todo tipo de componente, desde o carpete do assoalho do carro até sensores bem específicos, como o de virabrequim, por exemplo. Os fatores para redução na oferta e consequente aumento dos preços (não decorrentes do primeiro) vão do aumento do preço do aço até a escassez de mão de obra.
O desabastecimento também é um problema de modo geral, como acusa a proprietária de um Nissan Sentra, que não conseguiu trocar o carpete de seu carro, alagado pela inundação gerada pelo furacão Ida, em setembro. A oficina teve que retirar o material, limpá-lo e colocá-lo de volta, visto não existir um novo em lugar nenhum.
Vendedora de loja de departamentos, a proprietária relatou que até embalagens plásticas faltam no mercado, reforçando que a crise no setor automotivo é apenas uma das pontas de um desabastecimento global. O Reino Unido já está sendo afetado, assim como já se prevê que ocorra o mesmo nos EUA até dezembro.
Por aqui, a ameaça de falta de produtos é gerada pelo aumento dos preços dos combustíveis, em especial o diesel, mas o problema afeta o mundo inteiro. Nos EUA, por exemplo, já existe galão (3,78 litros) de gasolina sendo vendido por US$ 8,50 na Califórnia. E aqui se fala tanto em R$ 7,00…
Folha de SP (Painel S.A)
Locadoras de carro preveem falta de frota para demanda de fim de ano
Associação do setor diz que seriam necessários 200 mil veículos a mais
O mercado de locação de veículos prevê enfrentar um período com frota insuficiente para atender à demanda do final do ano, que pode subir 15% em relação a 2020, segundo o presidente da Abla (Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis), Paulo Miguel Junior.
Ele calcula que seriam necessários cerca de 200 mil carros a mais. Porém, a indústria automotiva segue com problemas na cadeia de fornecimento e está produzindo abaixo do esperado, o que compromete a entrega de veículos para as empresas de locação.
Junior estima que, com a flexibilização das viagens, as restrições de entrada em alguns países e o preço das passagens aéreas, a demanda por aluguel de carros no fim de 2021 deve superar o patamar anterior à pandemia.
Neste ano, o setor revisou para baixo o investimento em carros novos por causa das dificuldades da indústria. A estimativa de comprar 450 mil veículos para 2021 foi reduzida para 380 mil unidades.
Valor (artigo)
Jovens, geração sacrificada na pandemia
Propostas do governo vão sempre na direção de uma maior flexibilidade e redução de direitos trabalhistas
POR JOÃO SABOIA E FRANÇOIS ROUBAUD
A covid-19 atingiu fortemente a economia mundial. O Brasil não fugiu à regra. Iniciada aqui em março de 2020, a pandemia trouxe efeitos econômicos imediatos tanto para o mercado de trabalho quanto para a economia como um todo que encolheu 4,1% no ano passado.
O isolamento social tirou muita gente do mercado de trabalho, especialmente aqueles que atuavam no setor informal e que ficaram impossibilitados de se movimentar com o isolamento social. Entre o último trimestre de 2019 e o terceiro de 2020 a população ocupada caiu de 94,6 para 84,5 milhões. A população subutilizada – que inclui desocupados, subocupados e a força de trabalho potencial – passou de 26,2 para 33,2 milhões de pessoas.
Com o início da vacinação, a economia e o mercado de trabalho se recuperaram parcialmente. A expectativa dos especialistas é um crescimento econômico da ordem de 5% em 2021. Se cumprida, representará um crescimento de menos de 1% em dois anos.
O mercado de trabalho vem se recuperando lentamente. Segundo a PNADC do IBGE, no segundo trimestre deste ano, a população ocupada atingia 87,8 milhões, ainda muito abaixo do total de ocupados antes da pandemia.
A população subutilizada permanecia em nível elevadíssimo (32,2 milhões). O crescimento da população ocupada em 2021 tem se dado principalmente através da geração de postos de trabalho informais (trabalhadores por conta própria sem CNPS e empregados e trabalhadores domésticos sem carteira assinada) e, em menor escala, pelo emprego formal com carteira assinada. Tais dados reforçam a ideia de uma precarização no mercado de trabalho hoje bem maior do que antes da pandemia.
Se a população em geral está sofrendo grandes dificuldades no mercado de trabalho, a situação dos jovens é ainda pior. Mesmo em períodos “normais” os jovens costumam enfrentar maiores dificuldades. As razões são diversas, desde sua menor experiência profissional; do fato de estarem num momento de sua vida em que estão procurando ativamente entrar no mercado, sujeitos, portanto, a maiores taxas de desemprego; do possível abandono precoce da escola pressionados pela necessidade de complementação da renda familiar; e, no caso das jovens, por estarem em período de reprodução, sendo muitas vezes discriminadas pelos empregadores.
Para efeito de ilustração da situação dos jovens durante a pandemia vamos considerar a faixa de 18/24 anos. Trata-se de um período da vida em que boa parte deles ainda está estudando e ao mesmo tempo buscando o mercado de trabalho. Eles representavam no último trimestre de 2019, 11,7 milhões de pessoas ocupadas, caindo para 9 milhões no terceiro trimestre de 2020 e 10,2 milhões no segundo trimestre de 2021. Comparativamente à população adulta de 30 anos ou mais, a situação dos jovens de 18/24 anos no mercado de trabalho é muito mais precária qualquer que seja a estatística utilizada.
A informalidade atinge com muito mais intensidade os mais jovens. Além disso, a queda no número de ocupados jovens durante a pandemia foi bem mais elevada e a recuperação em 2021 tem se baseado em empregos informais. Por outro lado, seu nível de remuneração é bem menor e caiu mais que o dos demais trabalhadores.
Uma outra questão muito discutida e que também se destaca é a taxa de desemprego dos jovens bem mais elevada do que a da população em geral. No terceiro trimestre de 2020 ela atingia 31,4% e no segundo trimestre de 2021 ainda permanecia em níveis muito altos (29,5%), três vezes maior que a daqueles com 30 anos ou mais (10%).
A população subutilizada de jovens na faixa 18/24 anos no segundo trimestre de 2021 atingia 7,6 milhões de pessoas, sendo composta por 4,2 milhões de desocupados, 2,2 milhões na força de trabalho potencial, dos quais 1,3 milhão de desalentados-, e 1,1 milhão de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas.
Também muito importante para a população jovem é o elevado número daqueles considerados nem-nem. i.e., que não estudam nem trabalham. Esse é um problema antigo no Brasil, mas que se acentuou durante a pandemia. Ao mesmo tempo em que diminuía o número de jovens ocupados, crescia o volume dos nem-nem. Entre o quarto trimestre de 2019 e o terceiro de 2020, os nem-nem de 18/24 anos passaram de 6,4 milhões para 7,3 milhões. Com a recuperação da economia, caiu para 6,7 milhões no segundo trimestre de 2021, ainda acima do nível inicial.
Como a população de jovens nessa faixa etária é de 21,4 milhões, tais dados mostram que quase um terço desses jovens são nem-nem, o que além de indicar uma situação extremamente preocupante no presente, representa um importante passivo para o país no futuro.
Para enfrentar as dificuldades enfrentadas pelos jovens brasileiros no mercado de trabalho as propostas do governo vão sempre em direção à busca de maior flexibilidade e redução de direitos trabalhistas. Muito pouco tem sido voltado para medidas estruturais destinadas a uma melhor formação dos jovens anterior à sua entrada no mercado de trabalho.
Um exemplo disso é a proposta do Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), voltado principalmente para jovens de 18/29 anos com redução do FGTS. Outro, o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip)), modalidade de trabalho para jovens na faixa 18/29 anos, sem carteira assinada, sem direitos trabalhistas e previdenciários, apenas com recebimento de bolsa e vale-transporte, representando um grande retrocesso comparativamente ao atual Programa Jovem Aprendiz.
Do ponto de vista macro, o enorme contingente de desocupados, subocupados, desalentados e subutilizados em geral, somado ao grande número de jovens nem-nem, mostra uma face do que o país está desperdiçando frente ao seu enorme potencial produtivo. Do ponto de vista micro, a situação catastrófica dos jovens é não apenas um problema atual, mas possui também efeitos de longo prazo devastadores reduzindo a empregabilidade desta geração sacrificada.
É lamentável que as forças políticas não consigam se entender para dar ao país um novo rumo que permita incorporar toda sua população no esforço necessário para superar as atuais dificuldades econômicas e sociais.
João Saboia é professor emérito do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ).
François Roubaud é pesquisador sênior do Institut de Recherche pour le Développement (IRD) de Paris e pesquisador visitante do IE/UFRJ.
Folha de SP
Bolsonaro acha que compra votos com auxílio, diz Gleisi, presidente do PT
Petista afirma que prioridade do partido em 2022 será eleger Lula ao Planalto e ampliar bancada de deputados na Câmara
Presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR) afirma que o presidente Jair Bolsonaro destruiu o Bolsa Família ao criar o Auxílio Brasil e que o mandatário erra ao pensar que a transferência de votos pelo aumento no valor do benefício será automática.
“O Bolsonaro, assim como muitos que o apoiam, tem preconceito contra os pobres. Acha que dando um valor maior [de transferência de renda], vai ganhar voto e ganhar apoio. Isso não acontece. Não é automático. É desconsiderar a capacidade crítica da população”, diz em entrevista à Folha.”É o velho preconceito da visão do Bolsonaro de que voto se compra.”
Gleisi afirma que o PT não votará contra a medida, mas continuará defendendo outro projeto proposto pelo partido, que prevê transferência de renda de R$ 600. Na entrevista, a deputada ainda declara que a legenda não precisa fazer autocrítica de erros do passado, porque faz “balanços”.
Ela conta ainda que, além de eleger o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o foco do partido será fazer uma bancada maior na Câmara para tentar emplacar pautas progressistas — hoje são 53 deputados federais e seis senadores. Indica também que, caso o petista seja eleito, deverá propor revisão do modelo atual de emendas de relator, que dá boa parte do Orçamento ao Congresso, e retomará programas petistas.
Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro bateu o martelo de que o Auxílio Brasil terá aumento e será de R$ 400. Ele também já lançou programas sociais que substituem outras marcas petistas, como o Minha Casa, Minha Vida. O PT, se eleito, pretende retomar essas marcas?
O problema é que o Bolsonaro não está só trocando de nomes, ele está destruindo os programas. É o que ele está fazendo com o Bolsa Família agora, que sempre foi um programa estruturado e está relacionado com um conjunto de outras medidas para ajudar a tirar pessoas da miséria. É um profundo desrespeito com o povo brasileiro ele achar que, dando um aumento num programa como esse, ele vai ter benefício eleitoral.
A sra. disse que aumentar o Auxílio Brasil tem um caráter eleitoreiro, mas o PT defende e continuará defendendo um programa na faixa de R$ 600. Isso também não teria um caráter eleitoreiro? Se Lula for eleito, vai continuar defendendo esse patamar?
O Bolsa Família nunca foi um programa eleitoreiro para o PT. Defendemos um reajuste grande agora em razão do momento em que estamos vivendo. As famílias estão sem renda, estão sem emprego. Bolsonaro nunca defendeu o Bolsa Família. Ele só está se preocupando agora com o programa, porque isso, na cabeça dele, pode gerar dividendos eleitorais. Nós vamos apoiar o aumento de valor [do auxílio]. E vamos continuar defendendo o nosso projeto apresentado em 2020, que é o do Mais Bolsa Família, que prevê o valor de R$ 600.
Por que Bolsonaro mudou de discurso em relação às políticas de transferências de renda?
O Bolsonaro, assim como muitos que o apoiam, tem preconceito contra os pobres. Acha que dando um valor maior, vai ganhar voto e ganhar apoio. Isso não acontece. Não é automático. É desconsiderar a capacidade crítica da população. A população, claro, quer um valor maior, precisa disso, mas sabe que isso não vai resolver o problema dela e não está vendo no governo outras alternativas para saídas da crise. É o velho preconceito da visão do Bolsonaro de que voto se compra.
O partido quer tentar o apoio do mercado e empresários para a eleição? Como conquistar esse apoio?
Nós queremos saber o que o mercado vai fazer pelo Brasil e pelo povo brasileiro, pela maioria pobre, por esse povo que está passando fome. O mercado conhece o Lula e sabe como a gente governa.
O partido já discutiu se o Ministério da Economia seria novamente desmembrado em outras pastas, como a do Planejamento?
Não falamos sobre isso, mas de fato essa organização administrativa é muito ruim. O problema não é a quantidade de ministérios, não é isso que pesa.
Já tem nome para ministro da Economia?
Nosso ministro da Economia é o Lula. De economia ele entende tudo.
A sra. reconhece que o PT cometeu erros ao longo desse processo que levaram à derrota do partido em 2018 e também não teve bom desempenho em 2020? A sra. faz autocrítica?
Eu considero que o resultado das eleições de 2018 foi positivo para o PT diante do quadro de perseguição sistemática a que nós fomos submetidos. Lula estava preso e mesmo assim o PT foi para o segundo turno das eleições, elegeu a maior bancada de governadores e de deputados. E partido político não faz autocrítica. Faz balanço político e corrige os rumos. Não precisa ficar externando. Faz o que tem que ser feito. Eu gosto muito de uma fala do Lula sobre autocrítica, que é “eu vou fazer autocrítica por quê, se vocês já criticam?”.
E qual a mudança de direção nesse balanço que vocês fizeram?
Tem sido prática do partido de se organizar melhor, fazer com que esteja mais perto das bases sociais.
Se eleito, o PT pretende mudar o modelo das emendas distribuídas pelo governo para a base no Congresso, que aumentou significativamente nos últimos anos?
Veja, emenda parlamentar não é ilegítimo. O que está acontecendo é uma grande concentração, poder de distribuição na mão do relator [do Orçamento]. Temos R$ 20 bilhões reservados para que o relator distribuísse para o parlamentar indicar. É um valor exorbitante e isso traz consequência para o país. Tem muita obra sendo feita, mas de maneira desconectada. Não tem projeto organizado de investimento no país. E você não sabe se aquilo que está sendo feito é realmente necessário para aquele município, naquele momento. Isso é ruim. É um desvio. Não pode continuar acontecendo, tem que ser revisto.
A intenção seria rever o valor? Como lidar com a perda de poder dos deputados, que estão acostumados.
É uma briga que vamos ter de ter agora, durante a discussão do Orçamento de 2022. Tem que devolver [o dinheiro] ao Executivo programaticamente. Tem que recompor os programas. Você tem programas na área de educação, saúde, ciência e tecnologia.
Lula está em primeiro lugar em todas as pesquisas eleitorais, mas tem variado pouco de uma para outra. Ele atingiu o teto nas pesquisas, isso preocupa?
Acho que a questão da intenção de votos começa a esquentar mesmo junto com o debate político e ainda não entramos na dinâmica eleitoral. No mundo político a questão da disputa começou, mas para a população está um jogo parado. Tende-se a continuar como está.
Sobre alianças, o PT vê como possível uma aliança com centrão, centro-direita?
Não começamos a discutir sobre alianças eleitorais. Temos conversado com o centro, centro-direita, pelo que estamos vivendo. Seria importante se esses partidos viessem para a oposição, independentemente das eleições, nos ajudaria a avançar num pedido de impeachment ou ações contundentes de derrota no Congresso. Isso pode ter consequência nas eleições? Pode. Mas não é o objetivo. Do ponto de vista eleitoral, obviamente nossa proximidade é maior com o campo da esquerda, PSB, PC do B, PSOL.
E o PDT?
Acho que com o PDT está cada vez mais distante [a chance de aliança] pelas posições do Ciro Gomes. Eu lamento porque o Ciro só consegue aparecer quando ataca o Lula ou o PT. É oportunismo.
A sra. diz que quem for de oposição pode fazer aliança com o PT. Vocês cogitam fazer aliança com o MDB, por exemplo? E outros partidos que apoiaram o impeachment?
O MDB é um partido que não tem unidade política. Tem vários posicionamentos. Temos proximidade grande com o MDB do Nordeste. Já no Sudeste, Sul, mais difícil. E estamos numa conjuntura que precisamos enfrentar uma situação que representa um desgaste imenso para o país, que é o Bolsonaro.
Não esquecemos do impeachment. E muitos atores ou partidos avaliam que foi errado ter aquela posição. E diante do quadro de destruição, da ameaça que é Bolsonaro, acho que todos, contra e a favor, e que sentem que aquilo foi fator de desestabilização e nos trouxe até aqui, temos o dever de tentar reconstruir tirando Bolsonaro.
Sobre a candidatura do Pacheco, como vê a filiação dele ao PSD, a possível candidatura ao Planalto, e se ele seria um bom vice na chapa com Lula?
Vejo como saudável o PSD ter uma candidatura. Já dissemos isso para o próprio Kassab. Como qualquer outro partido. Não precisa vir com história de terceira via, quarta via, os partidos lançam seus candidatos e nós fazemos a discussão. Sobre a posição de vice, vai ser fruto do processo político. Não tem avaliação precoce sobre isso, nem posição sobre perfil.
Na oposição e no governo, há quem diga que o Lula não defende o impeachment porque precisa alimentar a polarização com Bolsonaro.
O PT já assinou quatro pedidos de impeachment e aprovou em deliberação interna. É uma falsa afirmação dizer que o PT não é a favor do impeachment.
Como recuperar a confiança de parte da população que virou antipetista, como evangélicos, empresários. Vocês pretendem conquistar essa população, parte da base dele?
Para ganhar a eleição, temos que disputar a maioria, não a sua totalidade. E isso está acontecendo. Quando Lula sai na frente nas pesquisas, mostra isso. Inclusive entre os evangélicos, que estão divididos, segundo pesquisas.
Lula mudou o tom da fala sobre regulação da mídia e recentemente disse que é um assunto de responsabilidade do Congresso e dos partidos. Ele recuou para não contaminar a campanha com temas polêmicos?
Eu acho que essa discussão foi colocada num patamar que não é adequado. O que a gente tem buscado é a regulamentação da Constituição em relação à questão das concessões para rádios e televisão. E isso cabe ao Parlamento, e não ao Executivo. Isso não tem nada a ver com o conteúdo e a opinião nos veículos de comunicação. A ideia é democratizar os meios de comunicação no país.
A sra. diz não ter havido corrupção sistêmica na Petrobras nem superfaturamento de contratos, embora a sra. e o livro que foi lançado recentemente, “Memorial da Verdade”, reconheçam ter havido pagamentos vultosos de suborno a diretores da Petrobras. Pagar suborno a executivos não é corrupção?
Os executivos da Petrobras, diretores e gerentes, que fizeram delação e confessaram que receberam dinheiro das empreiteiras têm que responder pelos crimes que cometeram, têm que ser investigados. Muitos ali foram perdoados pelo [ex-juiz Sergio] Moro no balcão das falsas delações, que eram feitas contra o PT e contra o Lula. Essas delações nunca comprovaram o superfaturamento dos contratos. Se as empreiteiras deram dinheiro para essas pessoas e por que deram, quem tem que explicar são essas pessoas, as empreiteiras e o Moro, que conduziu todo esse processo. Não saíram dos contratos da Petrobras. Não teve superfaturamento. Auditorias interna e externa da Petrobras comprovam isso.
A sra. quer levar esse debate para a campanha eleitoral?
Eu quero esclarecer sempre quando esse tema for colocado.
Valor
Auxílio deve ser inócuo para popularidade
Situação econômica crítica tende a anular eventuais dividendos vindos do Auxílio Brasil
A criação de um auxílio social para tirar o Bolsa Família de cena, associada a uma mudança sensível na política fiscal do país, pode não ter o efeito esperado pelo presidente Jair Bolsonaro. Na avaliação de cientistas políticos e analistas ouvidos pelo Valor, os R$ 400 anunciados pelo governo não são garantia de aumento de popularidade. Para eles, o impacto econômico provocado pela mudança no teto de gastos tende a anular eventuais ganhos eleitorais.
O aceno aos mais pobres, a um ano das eleições presidenciais, veio sem o planejamento devido. “O que se vê é casuísmo em função de projetos pouco alvissareiros, combinados com a atuação de lideranças políticas (do centrão) para ocupar espaço em um governo fragilizado. Uma evidência dessa falta de planejamento é que a cada momento o governo anunciava uma estratégia diferente para bancar [o Auxílio Brasil]”, diz o cientista político Rafael Cortez, sócio da consultoria Tendências.
O plano atual do governo ainda depende do Congresso para se viabilizar. Câmara e Senado precisam aprovar a PEC dos Precatórios, que autorizará a abertura do espaço necessário no teto de gastos para custear o pagamento dos benefícios a 17 milhões de famílias pobres, por meio do Auxílio Brasil, e do “auxílio diesel” a 750 mil caminhoneiros.
Na sexta-feira, ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes, Bolsonaro disse que não haverá “aventura” que coloque a economia em risco. Sua escolha, afirmou, pelos “mais necessitados”.
As projeções com que analistas trabalham, no entanto, vão em outra direção. O cientista político Christopher Garman, diretor-executivo para as Américas da consultoria Eurasia Group, lembra que a mudança no teto, como está colocada, pode provocar depreciação do câmbio, dificuldade de o Banco Central ancorar expectativas, afetar ainda mais o crescimento do PIB, além de acarretar mais altas nos preços de combustíveis e inflação.
Garman pondera que esse cenário talvez não anule os ganhos que as 17 milhões de famílias terão com o benefício, mas o restante da população deve sentir os efeitos econômicos, o que pode ameaçar a popularidade de Bolsonaro. “Vejo as repercussões negativas da quebra do teto [para economia] como sendo um passivo maior para o presidente do que qualquer ganho com aumento do auxílio. Para ser direto, me parece que politicamente, eleitoralmente foi um tiro no pé”, afirma Garman.
Para o cientista político Humberto Dantas, coordenador da pós-graduação em Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp SP), a perspectiva econômica negativa que se desenha tem potencial para atingir inclusive a base mais fiel de Bolsonaro. “Por mais hermeticamente que sejam fechadas as bolhas de apoiadores dele, as bolhas não colocam comida na mesa, não pagam salário. Uma hora as pessoas começam a perceber isso”, afirma Dantas.
A estratégia de buscar um caminho que possa melhorar a avaliação do presidente e pavimentar sua campanha à reeleição em 2022 não encontra evidência nos números, segundo o economista Victor Scalet, estrategista macro da XP.
As pesquisas de opinião realizadas pela consultoria, lembra Scalet, não indicam haver relação entre aprovação do presidente e o auxílio emergencial, criado na pandemia e que termina neste mês. Já inflação e desemprego têm impacto. “Nos últimos três meses, quem recebe auxílio emergencial tem tido uma avaliação pior do presidente. Não pelo auxílio, mas porque essas pessoas têm uma mais baixa e são mais expostas à inflação, então a percepção delas em relação ao governo na parte econômica tem piorado em relação às demais pessoas”, afirma.
A cientista política Andréa Freitas, professora da Unicamp, acrescenta que, além de não haver relação direta entre auxílio e aprovação, o movimento de Bolsonaro em direção aos mais pobres está atrasado. “Teremos que esperar alguns meses para ver o efeito disso nas famílias, mas por ora eu imagino que ele perdeu o ‘timing’ da política populista”, considera.
Se o Auxílio Brasil não é garantia de melhora na popularidade do presidente tampouco se pode apostar numa reversão em votos no ano que vem. Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), responsável pela criação do Bolsa Família e com quem o eleitor atendido pelo novo programa social tende a fazer comparações, lembra Andréa.
Cortez acrescenta que o eleitor pode incluir outras variáveis se buscar paralelos entre as ações sociais da atual gestão e das petistas. “O raciocínio de que um mecanismo de transferência de renda gera votos precisa ser qualificado. O caso do Bolsa Família, por exemplo, não foi só ele que contribuiu para o PT, mas sim o contexto de reajustes de salário mínimo e o mercado de trabalho aquecido. Alguns desses fatores não estão presentes na atual conjuntura”, afirma.
O cenário adverso que se apresenta, no entanto, não significa, neste momento, um abalo certeiro nas chances de o presidente chegar ao segundo turno em 2022 nem de caminho aberto para um outro candidato. Humberto Dantas lembra que não há no momento outro nome capaz de fazer o eleitorado deixar de escolher Bolsonaro ou Lula. “E não se constrói isso em meses”, afirma.
Cortez, por sua vez, vê o Auxílio Brasil como uma tentativa de Bolsonaro de criar uma marca para seu governo que lá na frente pode ser usada para barrar a chamada “terceira via”. “Não alterei minha projeção de que a polarização é o cenário mais provável para 2022.”
Garman também avalia serem baixas as chances de Bolsonaro ficar fora do segundo turno em 2022. Mas o cientista político diz que a mudança no teto, associada aos impactos econômicos negativos que ela carrega, coloca um grau a mais de dificuldade sobre o presidente. “Os riscos para ele não chegar no segundo turno aumentaram depois dessa semana (passada) e, logo, as perspectivas para a terceira via melhoraram”, avalia.
Na teoria, Andréa Freitas também considera que o furo do teto e o abandono da agenda fiscal abrem potencial para um terceiro candidato que se apresente como um administrador de Estado, como alguém que cuidará das contas públicas. Esse nome, porém, lembra, ainda não está colocado. Fato é que a operação toda de Bolsonaro pelo auxílio não tende a surtir efeitos na popularidade e ainda deixará provada a incapacidade dos políticos brasileiros de governar com obediência ao teto de gastos, analisa Rafael Cortez.
“A reação dos agentes políticos à emenda de teto foi de se antecipar aos gatilhos, para evitar que eles fossem disparados. Para isso, mudaram-se as regras do teto”, diz o cientista político. Por isso, Cortez prevê que haverá uma revisão das regras fiscais antes de 2026, quando era previsto.
Folha de SP
‘A gente vai sair junto’, diz Bolsonaro ao lado de Guedes
Ministro afirma que reformas vão compensar drible no teto de gastos
Após uma semana tumultuada na área econômica em razão do drible no teto dos gastos, que resultou em uma debandada na equipe do ministro Paulo Guedes (Economia), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou neste domingo (24) que não vai interferir em preços e que vai buscar dar segurança para o mercado. O chefe do Executivo ainda buscou novamente afastar rumores de uma saída de Guedes do governo, dizendo que ambos vão “sair junto”.
A fala aconteceu ao lado do ministro, convidado a acompanhar o presidente em um evento nos arredores de Brasília. Ao final, os dois concederam entrevista a jornalistas para tratar das questões econômicas.
O presidente aproveitou para elogiar o trabalho de Guedes, depois das turbulências da última semana. Ele disse que o ministro fez um trabalho excepcional em 2019 e “ainda melhor” em 2020. Quando Guedes foi questionado se permaneceria no governo, Bolsonaro se antecipou e respondeu: “A gente vai sair junto, lá na frente. Pode ter certeza disso”, disse Bolsonaro.
Guedes, por sua vez, afirmou que a aprovação das reformas econômicas que estão em tramitação no Congresso compensaria o drible ao teto dos gastos, cobrando celeridade na tramitação. Ele aproveitou cobrar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), pelo avanço dessas reformas. Guedes afirmou que Pacheco, cotado como candidato à presidência em 2022, precisa ajudar o governo se quiser se “viabilizar como uma alternativa séria”.
“O presidente do Senado se lança agora à presidência da República. Se ele não avançar com as reformas, como é que vai defender a própria candidatura dele? Ele precisa avançar com as reformas, precisa nos ajudar a fazer as reformas. Ele não pode fazer militância também, e eu tenho certeza que ele não vai fazer”, afirmou.”Então se ele quiser se viabilizar politicamente como uma alternativa séria, ele precisa ajudar o nosso governo a avançar com as reformas”, completou.
O ministro afirmou ainda que as reformas vão compensar o furo no teto dos gastos —segundo ele, apenas a administrativa resultaria em uma economia no futuro de R$ 300 bilhões.
Nesta semana, Guedes abriu mão de regras fiscais ao chancelar o drible ao teto de gastos para bancar o novo Bolsa Família, o Auxílio Brasil, novo programa social de Bolsonaro. A manobra afundou ainda mais as perspectivas da reforma do IR (Imposto de Renda), causou contrariedade no mercado e viu mais uma debandada na equipe
Apesar de ter cedido à pressão do presidente, Guedes voltou a dizer neste domingo que defende o teto dos gastos, mas que Bolsonaro precisou tomar uma importante decisão política e evitar o sofrimento dos mais pobres. “Vou continuar a defender o teto, as privatizações. Agora, o presidente precisa tomar as decisões políticas muito difíceis. Se ele respeita o teto, ele deixa 17 milhões de famílias passando fome”, afirmou.
Ao mesmo tempo em que criticou Pacheco, o ministro elogiou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), por ter avançado com as propostas que envolvem alteração no imposto de renda e também a PEC dos precatórios –aprovada em comissão da Casa.
Guedes também criticou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao afirmar que os governos petistas “quebraram o Brasil”. Ele repetiu que Bolsonaro é um presidente popular, mas “não é populista”.
“O presidente sempre apoiou as reformas. É um político popular, mas está deixando a economia ser reformista. Ele não é populista. Tem muito populista aí, inclusive candidato à Presidência, falando em R$ 600, R$ 700, R$ 800.”, afirmou, em referência a Lula, que defendeu esse valor de auxílio. “Eles quebraram o Brasil e não taxaram os super-ricos. Quebraram o Brasil e não fizeram nada sobre essa roubalheira”, completou.
Guedes também criticou economistas que criticaram o furo no teto dos gastos. Ele disse que o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega deixou o país com inflação de 5.000%, que o também ex-ministro da pasta Henrique Meirelles será candidato nas próximas eleições e que Affonso Celso Pastore foi presidente do Banco Central na ditadura, durante o governo de João Batista Figueiredo.
Bolsonaro, por sua vez, falou sobre o preço dos combustíveis, dziendo que ele não pode ser alterado por uma canetada. O presidente afirmou que isso já foi feito no passado e “não deu certo”. “Alguns querem que a gente interfira no preço. A gente não vai interferir no preço de nada. Isso já foi feito no passado e não deu certo”, afirmou.
O mandatário ainda lembrou que os preços dos combustíveis serão novamente reajustados e que por isso vai implementar um auxílio aos caminhoneiros, embora reconheça que o valor é “pouco”. “Prevendo isso [aumento dos preços], se antevendo a isso, nós discutimos bastante um auxílio ao caminhoneiro. Sabemos que é pouco, R$ 400 por mês, é pouco, mas estamos fazendo isso no limite da responsabilidade fiscal”, afirmou.
Bolsonaro também disse que está discutindo com o ministro da Economia uma solução para a Petrobras. Ele afirmou que a legislação atual mantém a estatal independente, e reconheceu que o processo de privatização é difícil. “Privatizar não é colocar na prateleira”, afirmou. Guedes também defendeu soluções para a Petrobras. O ministro afirmou que “a própria Petrobras é um veneno que pode virar vacina”.
Folha de SP (Painel)
Deputado bolsonarista que lidera caminhoneiros diz que Bolsonaro trabalha para banqueiro e investidor
Nereu Crispim (PSL-RS) diz que categoria faz questão de que Tarcísio de Freitas não participe de reuniões
O deputado bolsonarista Nereu Crispim (PSL-RS), presidente da Frente Parlamentar Mista dos Caminhoneiros Autônomos e Celetistas, entrou para a fila composta por aliados próximos do presidente que têm se decepcionado com sua condução do país.
À frente das negociações sobre as pautas dos caminhoneiros com a administração federal, o parlamentar afirma que Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes, da Economia, hoje “só trabalham para banqueiro e investidor da Bolsa de Valores”. “Os R$ 400 que eles estão oferecendo é esmola para o caminhoneiro”, completa, em referência ao auxílio que Bolsonaro prometeu criar para a categoria.
Crispim também afirma que os caminhoneiros não querem mais conversar com o ministro Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, principal interlocutor da categoria até o momento. “Ele está empurrando tudo com a barriga há três anos. Chega”, afirma Crispim.
“A única pessoa que não queremos que participe de uma reunião com caminhoneiros é ele. Não fez nenhuma entrega por caminhoneiros autônomos. Fazemos questão de que não participe. Ele se dizia autorizado pelo governo para tocar essas pautas e nunca resolveu nada, desde 2018. Sempre conversa fiada”, acrescenta.
Após confirmar reunião com Crispim e representantes dos caminhoneiros para quinta-feira (28), a Secretaria Especial de Articulação Social do governo federal desmarcou por email alegando que havia sido veiculado na imprensa que ministros estariam presentes, o que não seria verdade.
“Em razão das notícias veiculadas na imprensa de que a reunião seria realizada com a participação de Ministros de Estado, o que não se coaduna com o convite enviado, esta Secretaria Especial de Articulação Social informa o cancelamento da reunião do dia 28”, diz mensagem enviada a Crispim pela chefe de gabinete do órgão.
Crispim, que diz ser o deputado mais leal ao governo em votações de pautas econômicas, afirma que Bolsonaro está encomendando a paralisação de 1º de novembro e que não há previsão de novos encontros para negociação com o governo Bolsonaro. Ele está negociando reuniões com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
“Desta vez os caminhoneiros estão bem comprometidos, bem fechados. As pautas estão unificados, com piso mínimo, aposentadoria especial, ponto de parada. E o principal, a mudança da política de preços da Petrobras, que aniquila qualquer resultado financeiro dos caminhoneiros autônomos, que estão em situação de miséria, assim como a população, usando lenha para cozinhar, comprando osso a R$ 4”, afirma Crispim.
A avaliação no Palácio é a de que Crispim tenta se promover às custas do governo e que por isso a interlocução com ele foi interrompida. Mas lideranças dos caminhoneiros, como Wallace Landim, o Chorão, líder da greve de 2018, apontam Crispim como o negociador parlamentar da categoria.
Folha de SP
Bolsonaro faz associação absurda e falsa entre Aids e vacina de Covid, dizem especialistas
Fala em transmissão ao vivo pode comprometer plano de imunização, preocupam-se cientistas
Em sua live semanal, na última quinta-feira (21), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) leu uma suposta notícia que alertava que “vacinados [contra a Covid] estão desenvolvendo a síndrome da imunodeficiência adquirida [Aids]”. Na noite de domingo, Facebook e Instagram derrubaram o vídeo. Médicos, no entanto, afirmam que a associação entre o imunizante contra o coronavírus e a transmissão do HIV, o vírus da Aids, é falsa e inexistente.
Na ocasião, Bolsonaro disse aos seguidores que não comentaria a notícia e orientou que os interessados buscassem a reportagem (assista abaixo ao trecho). “Posso ter problema com a minha live. Não quero que caia a live aqui, quero dar informações”, afirmou, um dia após o Brasil atingir metade da população completamente imunizada contra a Covid-19.
A falsa notícia à qual o presidente se refere foi publicada em pelo menos dois sites, Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva. Os textos afirmam erroneamente que pessoas estão perdendo a capacidade do sistema imunológico ao longo das semanas após completarem a vacinação e, por isso, terão “efetivamente a síndrome da imunodeficiência adquirida [Aids] desenvolvida”.
As páginas dizem se apoiar em dados disponibilizados pelo governo britânico. O relatório do portal oficial do Departamento de Saúde Pública do Reino Unido ao qual os portais se referem, porém, não cita a síndrome da imunodeficiência adquirida em nenhum momento.
Além disso, os portais Stylo Urbano e Coletividade Evolutiva fraudaram a tabela do departamento britânico que analisa os casos de Covid-19 entre vacinados e não vacinados. Ambos inseriram uma coluna que não consta no documento oficial, chamada “reforço ou degradação do sistema imunológico”.
Médicos e cientistas afirmam que a relação entre a vacina contra a Covid-19 e a Aids é absurda. Jamal Suleiman, infectologista do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, destaca que as vacinas da Covid não utilizam nenhum fragmento de HIV em sua composição.
Denise Garrett, epidemiologista e vice-presidente do Instituto Sabin (EUA), reforça: “Não tem nenhuma possibilidade ou plausabilidade dessas vacinas fazerem isso. A afirmação é absurda e anticientífica.”
Além disso, enfatiza Suleiman, são doenças com transmissões completamente diferentes. Enquanto o HIV é transmitido por meio de relações sexuais e compartilhamento de seringas, o novo coronavírus que causa a Covid se espalha por meio da respiração. “O presidente tem uma fixação anal e precisa ir para o divã”, comenta Suleiman. “Ao dizer isso, o presidente coloca em xeque o PNI [Programa Nacional de Imunização].”
O infectologista também relembra que indivíduos HIV [vírus causador da Aids] positivos são qualificados inclusive como prioritários para receber o imunizante contra a Covid-19. “Além de não fazer nenhum sentido, a afirmação do presidente ainda pode prejudicar a campanha para populações mais vulneráveis”, conclui.
Garrett também analisa o perigo da fala do presidente. “O mais grave é o presidente do país falar algo tão absurdo numa live que é assistida por milhões e milhões de pessoas, endossando a narrativa antivacina, falar contra a ciência em meio a uma pandemia letal, que ainda está matando um número considerável no país.”
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) fez requerimento em que pede à CPI da Covid que envie o inteiro teor desses fatos ao ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal). O parlamentar quer que o assunto seja incluído no inquérito das fake news, tocado por Moraes. “Trata-se de uma das diversas ocasiões em que o chefe do executivo federal vem espalhando notórias fake news, criando grandes obstáculos ao enfrentamento da pandemia”, diz o requerimento, divulgado neste domingo (24).
Por meio das redes sociais, médicos e cientistas também se manifestaram contra o presidente. Vinícius Borges, infectologista especializado em saúde de pessoas LGBTQIA+, escreveu no Twitter que o “que causa Aids é a desigualdade, o preconceito e o estigma, perpetuando mitos como este sobre o HIV, impedindo as pessoas de se testarem, se tratarem e viverem bem”.
Gerson Salvador, infectologista do Hospital Universitário da USP e autor do blog Linha de Frente na Folha, reiterou que vacinas contra a Covid-19 não transmitem HIV. “Quem divulga o contrário além de colaborar com a hesitação vacinal ainda amplia a estigmatização das pessoas que vivem com HIV, no Brasil mais de 900.000 pessoas. Parem!”
Garrett, brasileira radicada nos Estados Unidos, interpreta ainda a fala de Bolsonaro como um alerta. Para ela, apesar de o Brasil ainda ser reconhecido como um país pró-vacina, sem um movimento contrário tão forte quanto nos EUA, o momento é preocupante.
“Estamos cometendo o mesmo erro que os Estados Unidos cometeram quando o movimento antivacina ainda era incipiente e desorganizado. Além de não darmos importância para as declarações antivacinas, temos autoridades do governo que se apoiam neste movimento no Brasil. Quanto mais o movimento se fortalecer, mais difícil será de controlá-lo”, diz. “Se prezamos pela cultura pró-vacina, a hora de cortar o mal pela raiz é agora.”
Folha de SP
Covid volta a preocupar europeus, e governos já retomam restrições
Continente é o único do mundo em que há alta de novos casos; na média, mortes também crescem
Não bastou ser o continente que mais rapidamente vacinou sua população: a Europa se tornou neste mês a única região do mundo em que casos de Covid estão em alta. A pandemia voltou às manchetes e ao debate político, e restrições já começaram a ser reimpostas.
Houve 1,3 milhão de novos casos registrados na semana até o dia 19, uma alta de 7% em relação à semana anterior e o terceiro salto seguido. Não é que a imunização tenha fracassado: a eficácia da vacina não está em impedir a transmissão, mas em reduzir hospitalizações e mortes.
A Europa, porém, também é o continente que está vendo mais gente morrer de Covid a cada semana, e não é simples explicar por que, principalmente quando a média europeia encobre disparidades. A pandemia está ganhando volume em 35 dos 61 países e territórios acompanhados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o que quer dizer que não está nos outros 26.
A amplitude da imunização também varia, o que não necessariamente implica um controle maior dos óbitos. Estão totalmente vacinados 86% dos belgas, mas apenas 16% dos ucranianos, duas populações em que a taxa de mortes cresce há quatro semanas seguidas, embora seja relativamente baixa (menos de 90/1 milhão de habitantes).
“Estamos claramente em uma quarta onda”, declarou o ministro da saúde da Bélgica, Frank Vandenbroucke, para quem o “grande aumento nas infecções deve ser seguido por uma alta nas internações hospitalares”.
Na Ucrânia o número de novos casos e mortes bateu um recorde desde o começo da pandemia, em 2020. Não deixa de ser um sinal de que o país conseguiu segurar a onda quando grande parte do mundo entrava em colapso, mas mostra que agora a maré parece ter mudado.
E eis o segundo motivo pelo qual é enganador olhar para a Europa como se fosse um território uniforme: em cada um de seus mais de 40 países, regras de controle da pandemia —e a adesão da população a elas— mudam muito.
A Ucrânia, por exemplo, tornou obrigatório o comprovante de vacinação para frequentar vários lugares, mas o efeito foi dúbio: fez crescer também a compra de certificados falsos, a ponto de justificar uma reunião emergencial convocada pela presidência. Trabalhadores em 15 hospitais são investigados pela polícia.
“Existem apenas dois caminhos: vacinação ou confinamento”, disse o presidente Volodimir Zelenski. Mas na prática a pandemia no continente está mostrando que um caminho não exclui o outro.O ministro belga pediu ao governo que volte a adotar a exigência de máscaras faciais em espaços públicos e torne obrigatório o trabalho em casa em todas as regiões do país.
Se a Bélgica seguir o conselho, não será a primeira. A Letônia, que já vacinou 56% da população, reimpôs medidas na semana passada para tentar frear a alta tanto de contágio quanto de mortes. Poucos dias depois, a Rússia também fechou os escritórios para conter um pico de óbitos: em uma semana, 6.897 sucumbiram à Covid, 1 em cada 4 mortos no continente.
“Nosso sistema de saúde está em perigo”, afirmou o primeiro-ministro letão, Arturs Krisjanis Karins, puxando uma fila de declarações semelhantes, nem sempre emitidas pelos governantes. No Reino Unido —um dos líderes globais na vacinação—, foi o chefe da Confederação do NHS (sistema público de saúde), Matthew Taylor. “Estamos no limite. Será preciso uma quantidade incrível de sorte para não nos encontrarmos no meio de uma crise profunda nos próximos três meses”, disse ele, pedindo novas restrições.
O número de novos casos no Reino Unido é de fato alto e está em ascendente. Mas os dados mais recentes de internações diárias e ocupação hospitalar não refletem uma crise, e o de mortes também não acelerou, o que, segundo o governo britânico, respalda a decisão de não decretar novas restrições.
Por enquanto, essa é a opinião também da OMS: “O caso do Reino Unido é particularmente instrutivo de como as vacinas desassociam a curva de contágio da de doenças graves e mortes”, afirmou na quinta (20) o diretor-adjunto da organização, Michael Ryan.
Ele diz que um crescimento nas infecções é esperado durante o inverno do hemisfério norte, porque as pessoas ficam mais tempo em ambientes mal ventilados. Se o que faz diferença é a vacinação, segundo Ryan, nações ricas precisam ceder doses às mais pobres, para elevar a proteção em todo o globo.
Mas mesmo países com altas taxas de vacinação devem ter planos de contingência, até porque surtos de gripe podem surpreender. “A porcentagem de imunizados não é o mais importante; o crucial é que idosos e doentes recebam todas as doses.”
No caso do Reino Unido, há também o risco de que, justamente por ter iniciado antes sua campanha de vacinação, o país esteja chegando antes a um momento em que a proteção dos imunizantes começou a baixar, afirmou o ex-conselheiro do governo Neil Ferguson, do Imperial College de Londres. Isso indica a necessidade de novas doses de reforço, de acordo com ele.
Espetar a agulha nos braços da população não tem sido tarefa fácil em alguns dos países europeus. Na Eslováquia, hospitais já começaram a cancelar cirurgias porque estão ficando lotados de pacientes de Covid, dos quais três quartos não tomaram a vacina. Na região autônoma de Zilina, ataques de “antivaxxers” atrapalharam tanto a vacinação que o governo teve que suspender a divulgação das rotas da equipe móvel.
Já na Itália, onde só é possível trabalhar com o certificado de imunidade, a procura de trabalhadores pelos postos de saúde aumentou, de acordo com o governo. A meta italiana é chegar ao final deste mês com 90% da população imunizada: na semana passada, estava em cerca de 80%. Para a alta na procura contribuiu o fato de os testes deixarem de ser gratuitos para não vacinados.
Entre os italianos que cederam agora às injeções estão trabalhadores que não são antivaxxers, mas não se sentiam seguros em relação às doses anti-Covid. “Estava com medo de efeitos colaterais, e houve todos esses protestos. Mas preciso trabalhar e não quero continuar gastando dinheiro em testes”, disse ao jornal britânico Guardian uma atendente de supermercado de 59 anos.
Na vizinha Áustria, o governo anunciou na noite de sexta que pretende ir pela mesma trilha e impor restrições aos não vacinados. “Estamos prestes a cair em uma pandemia de não vacinados”, disse o premiê Alexander Schallenberg. Uma ordem de ficar em casa será decretada se pacientes de Covid ocuparem um terço dos leitos de UTI do país. A ocupação na sexta era de 25%.
O caso mais grave em todo o continente europeu é o da Romênia, que registrou 226 mortes por 1 milhão de habitantes nas duas semanas encerradas na quinta (21), a maior taxa entre os europeus.Com contágio em alta há quatro semanas, a situação foi chamada de “alarmante” pelo presidente Klaus Iohannis, que acenou com novo confinamento e disse que a quarta onda de coronavírus pode levar a um drama nacional.
Valor
China alerta para onda de novos casos em11 províncias
Aumento das infecções preocupa governo de Pequim
Os novos casos de covid-19 na China aumentarão nos próximos dias e as áreas afetadas pela epidemia podem continuar a se expandir, segundo uma autoridade da área da saúde. O surto atual na China é causado pela variante delta do vírus, vinda do exterior, disse Wu Liangyou, da Comissão Nacional de Saúde, em uma entrevista coletiva em Pequim neste domingo.
O porta-voz da comissão, Mi Feng, disse durante a coletiva que a onda de novos casos se espalhou para 11 províncias desde 17 de outubro e a maioria das pessoas infectadas tem um histórico de viagens entre regiões. Ele instou as áreas afetadas pela pandemia a adotarem o “modo de emergência”. Algumas cidades na província de Gansu – inclusive sua capital, Lanzhou – e na da Mongólia Interior interromperam os serviços de ônibus e táxi por causa do vírus, de acordo com Zhou Min, uma autoridade do Ministério dos Transportes.
A China registrou 26 novos casos locais confirmados de covid-19 no sábado – sete na Mongólia Interior, seis em Gansu, seis em Ningxia, quatro em Pequim, um em Hebei, um em Hunan e um em Shaanxi -, de acordo com a Comissão Nacional de Saúde. Outros quatro casos locais assintomáticos também foram registrados em Hunan e Yunnan.
A propagação da variante delta na Ásia tem retardado os esforços dos governos para reabrir suas economias. No sábado, Cingapura anunciou que apenas os funcionários que estão totalmente vacinados ou se recuperaram da covid-19 nos últimos 270 dias podem retornar ao local de trabalho a partir de 1º de janeiro.
Na semana passada, o governo estendeu por mais um mês outras restrições relativas ao vírus porque o número de casos continua a aumentar mesmo com mais de 84% da população totalmente vacinada.
O vice-chefe do Centro de Prevenção e Controle de Doenças de Pequim, Pang Xinghuo, informou em uma entrevista no domingo que na capital da China a epidemia se espalhou para três distritos, entre eles o centro científico de Haidian. Pang disse que cinco novos casos locais confirmados de covid e um assintomático foram registrados entre o meio-dia de sábado e as 15 horas de domingo.
Pequim cancelará uma maratona que estava marcada para 31 de outubro por causa do vírus, segundo o “Beijing Daily”. O jornal noticiou que pessoas em cidades onde foram verificados novos casos estão proibidas de visitar ou retornar à capital neste momento.
Valor (do Financial Times)
Países do Leste europeu retomam restrições com surto de covid-19
Romênia está no centro de uma onda implacável que varre a Europa Oriental e ameaça esgotar os serviços de saúde
Enquanto ambulâncias com pacientes com covid-19 fazem fila do lado de fora de unidades de emergência da Romênia, os hospitais têm cada vez menos leitos, os necrotérios estão lotados e os médicos ficam exasperados e exaustos. A maioria dos doentes não foi vacinada, segundo os médicos. “A situação é crítica”, disse Radu Tincu, especialista em terapia intensiva do hospital Floreasca, em Bucareste, a maior unidade de emergência da Romênia, ao “Financial Times”. “Estamos frustrados… eles se recusam a ser vacinados”, disse. “[Mesmo depois] de explicarmos os riscos de uma covid mais grave, eles ainda se recusam.”
A Romênia está no centro de uma onda implacável de covid-19 que varre a Europa Oriental e os Bálcãs e ameaça esgotar os serviços de saúde. O número de mortes por dia, de 19 por 1 milhão de habitantes em 20 de outubro, é o maior do mundo, à frente das vizinhas Bulgária e Moldávia. A taxa de mortalidade na Romênia é a mais alta desde o início da pandemia.
A Europa Oriental e a Central, juntamente com a Rússia, são responsáveis pelas 12 maiores taxas de mortalidade por covid-19 do mundo. É um forte contraste com a Europa Ocidental, onde as taxas de mortalidade são cerca de um décimo das do Leste e ficam em menos de uma morte por milhão de habitantes em vários países.
O número de doentes também disparou para níveis sem precedentes, principalmente nos países bálticos. A Letônia tem 115 novos casos diários por 100 mil habitantes, 30 vezes mais do que a Espanha; a taxa da Lituânia, de 94 por 100 mil habitantes, é 24 vezes maior.
Especialistas em saúde dizem que por trás dessa explosão estão a desconfiança generalizada em relação ao governo e às autoridades, que remonta à era soviética, a consequente hesitação em tomar a vacina e a pouca disposição de aceitar restrições impostas pelo Estado para combater o coronavírus. “As pessoas não confiam nas autoridades”, disse Octavian Jurma, um médico romeno e estatístico da área de saúde. “Ninguém liga para as regras.”
Os críticos também culpam a corrupção e a instabilidade política, principalmente na Romênia e na Bulgária. Este país caminha para sua terceira eleição em 2021, enquanto o governo romeno tenta se reagrupar depois da apresentação de uma moção de censura no mês passado.
Andrei Baciu, a principal autoridade responsável pela resposta à pandemia na Romênia, negou que a culpa seja da turbulência política. Ele insistiu em que as restrições introduzidas na quarta-feira devem ajudar a controlar a infecção. Maria Ganczak, especialista em epidemiologia e doenças infecciosas da Universidade Zielona Gora, na Polônia, citou como forças motrizes a desconfiança nas instituições do Estado, a aplicação pouco rigorosa das restrições, testes e rastreamento de contatos inadequados e a baixa aceitação das vacinas.
A Romênia vacinou por completo menos de um terço de sua população. É o segundo nível mais baixo da União Europeia, atrás da Bulgária, com 20%. Esse número sobe para 50% na Letônia e na Lituânia, mas poucos países da Europa Central e Oriental atingem a média da UE, de 64%. A Bósnia e Herzegovina, que não faz parte da UE, vacinou por completo apenas 15% de sua população.
As diferenças na cobertura de vacinação têm um efeito marcante na relação entre o número de casos da doença e as mortes. Em países como a Bósnia e Herzegovina e a Bulgária, mais de 4% das pessoas com teste positivo morrem de covid-19. Na Letônia e na Lituânia, a taxa de mortalidade cai para pouco mais de 1%, e em como Reino Unido, França e Espanha, onde cerca de 70% dos habitantes receberam duas doses da vacina, o número é de cerca de 0,5%.
As baixas taxas de vacinação em alguns Estados membros dispararam o alarme em Bruxelas, e levaram seus dirigentes a discutir o aumento do número de casos na cúpula da UE, quinta-feira. “Os esforços para superar a hesitação em tomar a vacina devem ser intensificados, inclusive com o combate à desinformação, principalmente nas plataformas de mídia social”, disseram eles em um comunicado. A crise levou à reintrodução de restrições, que vão desde a obrigação de usar máscaras até quarentenas totais em vários países.
Esta semana a Letônia se tornou o primeiro país da UE a retomar uma quarentena quase total, com a volta do ensino pela internet, o fechamento de todas as lojas exceto as essenciais, e a imposição de um toque de recolher de um mês. A Estônia informou que pode determinar um lockdown se a situação piorar.
A Romênia também anunciou novas medidas, entre elas o fechamento das escolas por duas semanas, o uso obrigatório de máscaras em público e restrições à movimentação noturna para os que já estão vacinados. Também nesta semana, o ministro da Saúde da Polônia, Adam Niedzielski, alertou para a possibilidade de “ações drásticas” diante do aumento dos números de casos e mortes, enquanto a Eslováquia fechou restaurantes e bares em cinco condados.
A Sérvia restringiu o acesso a boates e bares só para pessoas vacinadas, enquanto a Bulgária tornou obrigatória a apresentação de passaportes de vacinação em restaurantes – o que provocou um protesto com várias centenas de pessoas em Sofia que sublinhou o ceticismo persistente sobre as vacinas e outras medidas preventivas no país menos vacinado da UE.
Os especialistas da saúde alertam que os números de casos e mortes devem aumentar na Romênia antes de voltarem a cair. Adrian Marinescu, diretor médico do hospital Matei Bals, de Bucareste, disse que o número de casos registrados provavelmente é subestimado porque as taxas de aplicação de testes são baixas.