Clipping 26 de novembro de 2021
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Câmara aprova criar Auxílio Brasil e já prevê ampliá-lo (Folha de SP)
Congresso desafia Supremo e mantém em sigilo nomes do Orçamento Secreto (Estadão)
Superendividado terá limite de renda para pagar dívidas (Valor)
“Brasil deve se preocupar com embargo a seus produtos” (O Globo)
Valor
Maior montadora de caminhões do mundo sai da sombra da Mercedes
A Daimler vai se separar de sua unidade de caminhões em 10 de dezembro, abrindo o capital na Bolsa de Valores de Frankfurt
Por Joe Miller — Financial Times, de Frankfurt
Nos primeiros meses da campanha de reeleição, em 2012, um Barack Obama sem paletó discursou, à frente de um caminhão a gás natural, em uma fábrica na Carolina do Norte. O que os Estados Unidos precisavam, disse à multidão, eram mais desses “caminhões americanos de baixo consumo de combustível”, para que país dependesse menos do petróleo e para proteger suas empresas da volatilidade nos preços das commodities.
A empresa escolhida pelo presidente para visitar, a Daimler Trucks, era na época, e continua até hoje, a maior fabricante de veículos pesados na América do Norte e no mundo. Vem produzindo caminhões há 125 anos, e nos dez anos desde o discurso de Obama, conseguiu colocar nas estradas mais veículos não movidos a diesel do que a maioria dos concorrentes, a não ser a chinesa BYD.
Existem cerca de 40 caminhões elétricos Daimler na América do Norte, com 1,5 milhão de quilômetros rodados. Ainda assim, os investidores mal olham duas vezes para a Daimler, enquanto as ações de rivais iniciantes como a Tesla e a Nikola, que não produziram nenhum caminhão com zero emissões até hoje, estão com valores de mercado de arregalar os olhos, em parte graças a suas ambições para desenvolver caminhões elétricos e a hidrogênio. “Algumas vezes, teríamos gostado de ganhar um pouquinho mais dos holofotes”, admite Martin Daum, que estava ao lado de Obama no evento e lidera a montadora alemã desde 2017.
Ser parte de um grupo que inclui uma montadora muitíssimo mais glamorosa, a Mercedes-Benz, faz com que a divisão muitas vezes passe despercebida, reconhece Daum. Isso está para mudar. Em seus esforços para transformar-se integralmente em uma montadora de luxo de carros elétricos, a Daimler se separará de sua unidade de caminhões em 10 de dezembro, abrindo o capital na Bolsa de Valores de Frankfurt, com a venda de 65% de suas ações.
A nova empresa provavelmente fará parte do Dax, o índice referencial do mercado acionário alemão, assim como sua atual dona, que a partir de então passará a ser conhecida simplesmente como Mercedes-Benz. Em contraste com o desmembramento da Traton, unidade de caminhões da Volkswagen, em 2019, quando a controladora manteve uma participação próxima a 90%, a grande fatia à venda na Daimler Trucks a deixa exposta a olhares muito mais atentos.
Em particular, “o foco agora estará muito mais direcionado” a suas fracas margens de lucro, e não aos planos de transição elétrica, segundo Kai Mueller, analista do Barclays. Os investidores sabem que nesta indústria, a “escala é importante, mas a eficiência operacional ainda mais”, acrescentou.
Alguns dos números recentes da Daimler Trucks não são dos melhores. Em 2019, vendeu quase 489 mil veículos, mais que o dobro dos dois concorrentes mais próximos, a Volvo e a Scania, da Traton, somados. Os dois rivais, porém, alcançaram margens de lucro operacional em torno a 11% no período pré-pandemia, enquanto a Daimler Trucks conseguiu pouco mais de 6%. Os altos custos das operações na Europa, que têm refreado os lucros há anos, continuam pesando sobre os resultados.
A atual estrutura da companhia faz com que a equipe executiva da unidade raramente tenha que responder pelo desempenho abaixo da média, segundo Michael Muders, gerente de carteira de investimento na Union, um dos 15 maiores acionistas do grupo Daimler. “Essas pessoas não ficam na frente dos investidores, sempre foi o diretor de finanças da Daimler que dizia: ‘Claro, os resultados não são bons, mas estamos trabalhando para melhorar isso’.”
“Não havia acompanhamento nem prestação direta de contas”, disse Muders, que é favorável à separação e acrescenta que, em razão dos lucros sólidos gerados pelos utilitários esportivos de luxo da Mercedes, o grupo não sentia necessidade premente de “ser muito agressivo e dar uma sacudida na empresa de caminhões”.
Em entrevista ao “Financial Times”, Daum rebate a afirmação de que a divisão de caminhões sempre foi um fardo para a Daimler. Ainda assim, ele tem tentado alterar a percepção de que a gigante dos veículos pesados é avessa a reformas. “Temos todos os ingredientes”, insistiu, durante discurso de quatro horas para investidores em novembro, antes de executivos de altos escalões responderem a perguntas de analistas e repórteres sobre praticamente tudo, desde ônibus escolares e softwares até tecnologias de baterias.
“Em um cenário médio de mercado, queremos ter como objetivo [margens de lucro de] 8% a 9%”, disse, referindo-se ao ciclo de negócios turbulento do setor de caminhões, que sobe e desce ao ritmo da economia mundial. “Em condições ensolaradas, pretendemos chegar a mais de 10%.”
Alcançar a meta dependerá da capacidade da Daimler Trucks de empreender mudanças nas instalações na Europa, especialmente em seu país natal, a Alemanha. Em 2019, a Mercedes-Benz Trucks, responsável por Europa e América Latina, mal teve lucro, com uma margem de 0,4%, em comparação aos 11,5% na América do Norte.
Apesar de a demanda ter decolado após a pior fase da pandemia, a margem de lucro da unidade foi de apenas 4,5% nos nove meses até setembro. Karin Rådström, ex-executiva da Scania contratada neste ano para recuperar a divisão, não tem dúvidas do diagnóstico. “Nossos custos”, disse ela, “são muito altos para conduzir o negócio”.
Serão necessários novos cortes de empregos na Alemanha, como parte de um programa para reduzir os custos em 15% em todo o grupo, segundo Rådström, assim como uma redução do número de modelos. O maior desafio da Daimler, no entanto, será convencer os investidores de que a unidade pode ser dominante no futuro pós-diesel, acelerando o lançamento de caminhões e ônibus elétricos e movidos a hidrogênio.
Já existem cerca de 40 caminhões elétricos Daimler nas estradas na América do Norte, com mais de 1,5 milhão de quilômetros rodados no total. A unidade, que, segundo estimativa do Bernstein, pode valer até 46 bilhões de euros depois de desmembrada, formou um empreendimento conjunto com a Volvo para desenvolver sistemas de células de combustível de hidrogênio.
A badalação, no entanto, ainda parece exclusividade das startups muito mais novas, com suas grandes promessas de transformar o transporte. “’David mata Golias’ é sempre uma manchete melhor”, disse Daum, ressaltando que, para o mercado realmente decolar, os clientes pessoas jurídicas precisam ver um “custo total de propriedade” dos caminhões com emissões zero (o custo de compra e operação ao longo da vida útil do veículo) no mesmo patamar que o dos modelos a diesel.
A Daimler não prevê que esse ponto seja alcançado antes da segunda metade da década, e mesmo esse cronograma depende de como será a regulamentação e da expansão dos postos de abastecimento e redes de recarga. Daum, que passou mais de 30 anos no setor, conhece as armadilhas de querer se antecipar muito à demanda do consumidor. “Já tínhamos um ônibus com célula de combustível há 15 anos”, lembrou. “Infelizmente, ninguém queria comprar.”
BBC News
Como montadoras pressionam governo a adiar normas e permitir fabricação de carros mais poluentes no Brasil
No dia 4 de novembro, executivos da montadora Renault no Brasil se reuniram com o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys. Na pauta, um pedido: a fabricante francesa, que é uma das líderes em veículos elétricos no Europa, pediu que o governo encontrasse uma forma de adiar normas que determinam a fabricação de carros mais limpos no Brasil e que estão previstas para entrar em vigor no início de 2022.
Documentos obtidos pela BBC News Brasil mostram como a Renault pediu ao Ministério da Economia para interceder junto ao Ministério do Meio Ambiente para conseguir o adiamento.
Procurada, a Renault e o Ministério da Economia disseram que não iriam se manifestar sobre o assunto. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) não respondeu às questões enviadas. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), enviou uma nota dizendo que não comenta ações de seus membros, mas reforçou sua posição pelo adiamento das novas normas. O Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) afirmou que a decisão sobre o assunto não depende do órgão.
A Renault é uma das maiores fábricas de automóveis do mundo e uma das líderes na Europa em veículos elétricos. Sua ação junto ao governo brasileiro, no entanto, é o episódio mais recente de um intenso movimento do setor automotivo que quer que as autoridades brasileiras atrasem a entrada em vigor das normas do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve), que começou em 1986. Esse processo é liderado pela Anfavea.
O Proconve prevê a redução gradual do nível de gases e partículas emitidos por veículos no Brasil. Estudos científicos apontam que a diminuição dessas emissões contribui para o combate às mudanças climáticas e redução da incidência de doenças respiratórias.
Os patamares de emissões máximas permitidas para automóveis fabricados e vendidos no país são definidos por resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e classificados por “faixas”. A faixa atual para carros de passeio é chamada de L-6. Para veículos pesados como caminhões e ônibus, chama-se P-7. Em 2018, o órgão estipulou que a nova fase para carros leves, chamada de L-7, e para veículos pesados (P-8) começam a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2022.
No caso dos veículos de passeio, isso significa que a partir do ano que vem, montadoras e importadoras só poderão vender carros que atendam às regras mais limpas. Para veículos pesados, o cronograma da fase P-8 também começa no dia 1º de janeiro, mas é dividido em fases até 2033.
Na atual fase L-6, carros de passeio podem emitir até 1,3 miligrama de monóxido de carbono na atmosfera por cada quilômetro rodado. Com as novas normas, esse limite baixa para 1 miligrama por quilômetro, uma redução de 23%.
Outra mudança é nas emissões de aldeídos, uma substância tóxica e que pode ser cancerígena. Hoje, o limite é de 20 miligramas por quilômetro. As novas regras preveem 15 miligramas por quilômetro, uma queda de 25%. Nos veículos pesados, a expectativa é de que a introdução da faixa P-8 traga uma redução de até 90% na emissão de materiais particulados em relação à norma atual.
Desde o ano passado, no entanto, montadoras têm anunciado que teriam dificuldades em atender os prazos estipulados em 2018.
Montadoras culpam pandemia por atraso
O principal argumento delas é que a crise logística causada pela pandemia atrasou o processo de adaptação da indústria automotiva nacional para os novos padrões exigidos. Elas citam, entre outras coisas, a falta de componentes como chips que dependem de semicondutores.
Organizações não-governamentais, porém, contra-argumentam afirmando que um atraso na vigência das novas normais traria prejuízos tanto para o meio ambiente quanto para a saúde da população.
Um estudo realizado pelo Conselho Internacional sobre Transporte Limpo (ICCT, na sigla em inglês), indica que os padrões do P-8 já estão em vigor na maior parte da Europa desde 2015. O estudo indica ainda que, em 30 anos, a redução nas emissões desse tipo de veículo evitaria 74 mil mortes prematuras no Brasil.
Pelas vias normais, as regras do Proconve só podem ser alteradas pelo Conama, um órgão composto por diversos segmentos da sociedade, mas que, no governo do presidente Jair Bolsonaro teve sua composição alterada, aumentando a participação do governo.
Em maio deste ano, a Anfavea enviou uma carta aos ministérios da Casa Civil, Meio Ambiente e Economia pedindo um adiamento das novas regras de um ano. Procurado, o Ministério da Economia disse que não iria comentar o assunto. A Casa Civil e o MMA não responderam os questionamentos enviados pela reportagem. A Anfavea também acionou o Ministério Público Federal (MPF) em uma tentativa de obter uma posição favorável ao adiamento das regras, mas o órgão rejeitou o pedido.
Um parecer do MPF de abril deste ano dizia que a prorrogação do prazo para entrada em vigor das novas fases do programa seria “irrazoável” e poderia representar um risco ao meio ambiente e à saúde. Em outro parecer, a 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, responsável por avaliar questões sobre meio ambiente, se posicionou contra o adiamento das novas regras.
Renault pediu ação da Economia em Ministério do Meio Ambiente
Os documentos obtidos pela BBC News Brasil mostram como a Renault tenta obter uma decisão do governo para adiar as normas que a obrigariam a fabricar veículos mais limpos no Brasil. O pedido era para um adiamento em três meses para que a empresa continuasse a fabricar veículos mais poluentes que os previstos pelo Proconve.
Em um ofício enviado ao Ministério da Economia no dia 6 de outubro, a fabricante francesa pede, textualmente, que a pasta faça uma “ação” junto ao MMA para resolver o assunto.
“Face ao problema, estamos efetuando demanda ao Ministério do Meio Ambiente para que nos seja permitido produzir veículos da fase atual LEV6, nos primeiros três meses de 2022 […] Para tanto, solicitamos uma ação deste ministério junto ao Ministério do Meio Ambiente, justificando a adoção de uma medida de caráter excepcional e urgente”, diz o documento assinado pelo diretor de Relações Institucionais da montadora, Marcus Vinícius Aguiar.
O termo “urgente” usado pela Renault é uma alusão ao fato de que o relógio está correndo contra a intenção da fabricante, uma vez que as normas estão previstas para entrar em vigor em pouco mais de um mês.
No ofício, a Renault diz que a crise causada pela Covid-19 afetou suas atividades e impossibilitou a fabricação dos veículos L-6 previstos para serem produzidos em 2021. Segundo ela, haveria 25 mil veículos cuja fabricação foi paralisada pela falta de componentes.
Como ainda não haveria certeza sobre a chegada dessas peças, o risco é de que esses veículos possam ficar impossibilitados de serem vendidos em 2022, quando entrariam em vigor as novas regras de emissão de poluentes. Segundo a fábrica, o prejuízo estimado seria de R$ 55 milhões.
No dia 4 de novembro, três executivos da Renault no Brasil, entre eles o presidente, Marcos Gondo, se reuniram com o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, em Brasília. Guaranys é o “número dois” da pasta. Na semana seguinte, no dia 12 de novembro, um e-mail mostra nova ação da Renault junto ao Ministério da Economia para conseguir a liberação.
O diretor de Relações Institucionais, Marcus Aguiar, enviou à pasta cópias de ofícios que recebeu do Ibama sobre o adiamento. No e-mail, ele diz que o Ibama teria se posicionado de forma favorável ao adiamento.
Os ofícios, aos quais a BBC News Brasil também teve acesso, dizem, no entanto, que o Ibama estaria à disposição para “formatar ou propor encaminhamentos” sobre o assunto, mas que o adiamento das normas seria uma decisão que não depende do órgão.
“A solução para a demanda das montadoras de veículos para flexibilização das regras do Proconve depende de decisão das instâncias superiores, em específico, do MMA e do Conama, bem como de atores relevantes, como o Ministério da Economia, não cabendo, portanto, qualquer manifestação adicional no presente processo”, diz um dos dos documentos. Um segundo ofício, assinado pelo presidente do Ibama, Eduardo Bim, segue a mesma linha.
Questionado sobre a ação da Renault, o Ministério da Economia disse que não iria se manifestar sobre o assunto.
ONGs criticam atuação de montadoras
Para o coordenador de advocacy do Instituto Saúde e Sustentabilidade (ISS), Hélio Wicher Neto, a tentativa das montadoras brasileiras de adiar a entrada em vigor das novas fases do Proconve é injustificável. Segundo ele, as montadoras teriam tido tempo suficiente para se adaptar às novas regras.
“Do ponto de vista técnico, a gente não encontra justificativa técnica para suspensão do prazo de início das novas fases. As tecnologias previstas agora estão disponíveis há mais de uma década em outros países. Além disso, as adaptações estavam previstas desde 2018. Foi tempo o suficiente para fazer essa transição”, afirmou.
A coordenadora da Rede Nossa São Paulo (RNSP), Carol Guimarães, diz que uma eventual prorrogação dos prazos poderia ter impactos sobre a saúde da população e sobre as finanças dos municípios.
“Quanto mais tempo demorar, mais poluentes serão emitidos e isso terá um impacto significativo na saúde das pessoas. Além disso, tem um impacto federativo porque essa decisão é tomada em nível federal, mas a maior parte da população é atendida em unidades de saúde custeadas por recursos municipais e estaduais”, explicou.
A expectativa, agora, é sobre se o governo irá ceder à pressão das montadoras ou se irá manter as normas previstas. Entidades que fazem parte da Coalizão Respirar, que milita em torno da melhoria da qualidade do ar, avaliam estratégias jurídicas para impedir uma mudança de posição do governo.
A BBC News Brasil enviou questões à Renault e à Anfavea. A montadora francesa disse que não iria se manifestar.
A Anfavea, por meio de nota, disse que mantém “diálogos com autoridades” para mostrar os impactos da pandemia no setor automotivo. Segundo a entidade, a situação foi agravada neste ano pela falta de componentes.
“Desde meados deste ano, esses impactos foram agravados pela falta de componentes, em especial dos itens eletrônicos que dependem de semicondutores, tema é de conhecimento público e notório. A crise global dos semicondutores, que deverá se alongar pelo próximo ano, tem provocado várias paralisações em nossas linhas de produção e demandado grande esforço de planejamento das áreas de Engenharia, Logística, Compras e Manufatura de nossas associadas”, diz um trecho da nota enviada pela organização.
Procurado, o Ibama, disse que não possui nenhum parecer técnico sobre os pedidos da Anfavea e da Renault, afirmou que “prestará todo assessoramento numa eventual proposta de mudança da resolução”, mas disse que a decisão envolve os ministérios da Economia e do Meio Ambiente.
Quatro Rodas
Novo carro elétrico nacional promete preço abaixo dos R$ 100.000
Modelo deverá ser produzido em Maringá (PR) e poderá custar menos de R$ 100.000
A Kers, fabricante nacional de carros elétricos, marcou para janeiro de 2022 o lançamento do seu primeiro modelo, o Wee. Totalmente desenvolvido e produzido no Brasil, ele promete rodar até 400 km com uma carga e deverá custar (bem) menos do que o JAC e-JS1, atual elétrico mais barato do país e, possivelmente, do que o futuro Renault Kwid elétrico.
A intenção da marca não é concorrer com as grandes montadoras, já que o Wee é um veículo com três rodas e apenas dois lugares, destinado exclusivamente ao uso urbano. Além disso, o carro deverá ser vendido pela internet. A fabricante garante, porém, que os clientes contarão com assistência autorizada em diversas regiões do país.
Detalhes mecânicos não foram divulgados, mas a Kers aponta que o Wee será feito em aço estampado e terá autonomia variando entre 100 e 400 km, de acordo com o pacote de baterias escolhido na compra. A velocidade máxima será de 100 km/h. A marca ainda antecipou que seu carro deverá ser equipado com sistemas de condução semiautônoma, só não detalhou quais.
Segundo a empresa, o preço poderá ficar perto dos R$ 95.000 – o JAC e-JS1, atual carro elétrico mais barato do Brasil, parte de R$ 159.900, com promessa de uma autonomia de 300 km.
Não há informações sobre os investimentos feitos, mas a fábrica da Kers teria capacidade para produzir até 10.000 carros por ano, todos com componentes 100% nacionais. Todo o ferramental para a construção do Wee já foi adquirido e a produção se dará por um sistema de linha de montagem modular, contando com a consultoria de engenheiros da Karmann-Ghia.
A produção do elétrico está praticamente certa para acontecer em Maringá, no Paraná, segundo marcos Cordiolli, secretário de Inovação, Aceleração Econômica, turismo e Comunicação do município. A administração de Maringá, porém, diz que a instalação não está confirmada e que depende do interesse de investidores no negócio.
O projeto, apoiado pela Superintendência de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do Paraná, pela Unioeste e pelo Instituto Inbramol, prevê, inclusive, a reciclagem do veículo e dos seus componentes. O Wee será apresentado nesta sexta-feira (26) a empresários e possíveis interessados no investimento.
Folha de SP
OAB, centrais sindicais e 29 entidades divulgam manifesto contra PEC dos Precatórios
Moratória proposta deve gerar passivo de R$ 1 trilhão acumulado em dez anos
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, nove centrais sindicais e 29 entidades divulgaram nesta quinta-feira (25) um manifesto contra a PEC dos Precatórios. A proposta que já foi aprovada na Câmara e está em análise no Senado institui o calote de dívidas judiciais.
De acordo com o documento, a proposta, a pretexto de abrir espaço no teto de gastos para viabilizar o pagamento do Auxílio Brasil em 2022, “vilipendia diversas garantias e direitos fundamentais dos credores” ao estabelecer novo calote —já declarado inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Além disso, diz o documento, a proposta do governo federal promove o furo no teto de gastos, cria regras para desvinculação de receitas e propõe a ruptura da regra de ouro.
Segundo o manifesto, em julgamentos de outras tentativas de adiar esses pagamentos, o Supremo considerou que a moratória para quitação de precatórios viola princípios constitucionais.
“A mais recente e perversa versão da PEC do Calote, aprovada pela Câmara dos Deputados, foi muito mais longe que as anteriores (EC 30/2000 e EC 62/2009), ao estabelecer novas ‘regras’ para o cumprimento das decisões judiciais, atingindo milhões de credores, pessoas físicas, entre eles idosos, portadores de deficiência e doenças graves, além de pessoas jurídicas que garantem milhões de empregos, renda e arrecadação”, diz o texto.
Segundo as entidades, estima-se que, ao final dos dez anos da moratória proposta, haverá um passivo de R$ 1 trilhão acumulado, número divulgado em estudo da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados.
Veja a íntegra do documento, que tem entre os signatários sete seccionais da OAB, associações e sindicatos de servidores públicos, entidades da área do Direito e as centrais CUT, Força Sindical, UGT, CTB, Nova Central, CSB e Pública Central do Servidor.
MANIFESTO CONTRA O CALOTE DOS PRECATÓRIOS
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, as seccionais da OAB, e as demais associações e entidades signatárias deste documento, em defesa da manutenção do Estado Democrático de Direito, da Segurança Jurídica e da estabilidade da economia do país, manifestam-se veementemente contrárias à PEC 23/2021, de autoria do governo federal, aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 09 de novembro de 2021.
A Proposta, em apreciação pelo Senado Federal, à pretexto de abrir espaço fiscal para a ampliação do programa de assistência “Auxílio Brasil” para 2022, vilipendia diversas garantias e direitos fundamentais dos credores ao estabelecer novo calote – já declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal -, além de promover o “furo” no Teto de Gastos, criar regras para desvinculação das receitas e propor a ruptura da regra de ouro.
Não obstante as mais de 30 (trinta) inconstitucionalidades apontadas na apresentação inicial da matéria, o texto final aprovado estabelece ainda mais inconstitucionalidades.
O atual regime de precatórios teve seus alicerces firmados em recentes mudanças constitucionais, a partir do julgamento das ADI’s 4.357 e 4.425 pelo Supremo Tribunal Federal, que considerou que a moratória para quitação de precatórios viola princípios constitucionais, como o do Estado Democrático de Direito, o princípio da Separação de Poderes, o da isonomia, o direito à tutela jurisdicional efetiva e razoável duração do processo, bem como o direito adquirido e à coisa julgada, o direito de propriedade, o princípio da segurança jurídica e da moralidade administrativa.
A mais recente e perversa versão da PEC DO CALOTE, aprovada pela Câmara dos Deputados, foi muito mais longe que as anteriores (EC 30/2000 e EC 62/2009), ao estabelecer novas “regras” para o cumprimento das decisões judiciais, atingindo milhões de credores, pessoas físicas, entre eles idosos, portadores de deficiência e doenças graves, além de pessoas jurídicas que garantem milhões de empregos, renda e arrecadação.
Estima-se que, ao final dos 10 anos da moratória proposta, teremos um passivo de R$ 1 trilhão acumulado.
Se aprovada, a PEC 23/2021 acarretará, a um só tempo, grave impacto na economia brasileira, afastamento de investidores, aumento exponencial da dívida pública, instalação da insegurança jurídica, redução do potencial de crescimento econômico e da capacidade de geração de empregos no país.
Este é o momento de reflexão e, para além das questões jurídicas debatidas no judiciário, de reavaliar de maneira responsável e justa, as formas inovadoras e possíveis de extinguir, definitivamente, o sistema obsoleto de pagamento dos débitos da Fazenda Pública aos credores.
Folha de SP
Câmara aprova MP que cria Auxílio Brasil com mecanismos para ampliar programa
Proposta que pode atender até 20 milhões de famílias, 3 milhões a mais do que previsto pelo governo, segue para o Senado
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (25) a proposta que cria o Auxílio Brasil, programa social elaborado pelo presidente Jair Bolsonaro para substituir o Bolsa Família, cuja marca é ligada a gestões petistas.
Por 344 votos a favor e nenhum contrário, o plenário da Casa deu aval à versão apresentada pelo relator, deputado Marcelo Aro (PP-MG), que sugeriu mudanças com potencial de ampliar o número de famílias atendidas pelo programa e deve pressionar a verba do Auxílio Brasil já em 2022. Houve apoio inclusive de partidos de oposição, como PT.
Hoje, o Bolsa Família atende 14,7 milhões de famílias. Com o Auxílio Brasil, o governo pretende ampliar o programa social a 7 milhões. No entanto, as regras aprovadas nesta quinta pela Câmara podem levar ao atendimento de 20 milhões de famílias —3 milhões a mais do que o previsto pela gestão Jair Bolsonaro.
Agora a proposta segue para o Senado. Por ser uma MP (medida provisória), o ato de Bolsonaro tem efeito imediato e já criou o Auxílio Brasil. No entanto, o projeto precisa do aval das duas Casas do Congresso até 7 de dezembro para não perder a validade.
As mudanças no Auxílio Brasil aprovadas na Câmara devem elevar a cobertura da transferência de renda à população mais vulnerável, pressionando a verba do programa social se o governo conseguir garantir o montante de quase R$ 86 bilhões para o próximo ano —valor estimado atualmente a ser previsto no Orçamento de 2022.
Para valer em 2022, o Auxílio Brasil precisa estar totalmente implementado neste ano para não ferir a lei eleitoral, que proíbe aumento de gastos sociais em ano de eleições.
A base aliada do governo apoiou uma medida traçada pelo relator cujo objetivo é impedir que haja fila de espera para ingressar no programa.
Hoje, por lei, o governo não é obrigado a atender todas as famílias que estão dentro da faixa de pobreza e extrema pobreza.
A fila, que atualmente está em torno de 1,2 milhão de cadastros, se forma porque a verba do Bolsa Família tem ficado menor que o necessário para atender a todos que tiveram o cadastro analisado pelo governo.
A verba do Auxílio Brasil para 2022 considera que 17 milhões de famílias serão atendidas —a cobertura hoje é de 14,7 milhões.
No entanto, além da fila que já se formou, houve um aumento no número de famílias que se inscreveram na faixa de pobreza e extrema pobreza pelo Cadastro Único (sistema para programas sociais), como relataram técnicos do governo à Folha em outubro diante do fim do auxílio emergencial.
Outra mudança no programa social na versão aprovada pela Câmara eleva as faixas de pobreza e extrema pobreza (critérios de entrada de uma família no programa social). Isso também abre margem para que mais pessoas se enquadrem na transferência de renda.
No início de novembro, o governo atualizou esses critérios. Hoje, para entrar no Bolsa Família, o Cadastro Único considera em extrema pobreza pessoas com renda mensal de R$ 100 por membro da família.
Rendimentos entre R$ 100,01 e R$ 200 são classificados como situação de pobreza.
O texto aprovado pela Câmara eleva essas faixas para R$ 105 por membro da família (extrema pobreza) e R$ 210 (pobreza). Com isso, mais pessoas se tornam aptas a receber a transferência de renda pelo Auxílio Brasil.
A versão aprovada também flexibiliza as regras para calcular essa renda per capita. Não entram no cálculo, por exemplo, rendas eventuais ou sazonais.
Segundo técnicos do Congresso, a elevação das faixas como critério de acesso ao programa e a determinação de que não pode haver fila de espera irão ampliar o Auxílio Brasil, pressionando a verba que será reservada para as transferências de renda já em 2022.
“Zerando a fila e com a mudança das faixas de extrema pobreza e pobreza nós passaremos de 20 milhões de famílias contempladas neste programa”, disse Aro. A projeção do governo para 2022 é de 17 milhões de famílias.
O PT criticou o fim do Bolsa Família, mas acabou votando a favor do texto. Deputados do partido afirmaram que Bolsonaro adotou a medida com o viés eleitoral, para acabar com uma marca petista.
“Ele quer aparelhar as estruturas do Estado brasileiro, desmontando políticas públicas fundamentais”, disse o deputado Henrique Fontana (PT-RS).
A votação da MP que cria o substituto do Bolsa Família estava prevista para terça (23), mas só ocorreu nesta quinta, pois o governo teve que articular mudanças no relatório.
Numa versão preliminar, Aro queria prever uma correção automática do valor da renda transferida mensalmente à população mais pobre do país. O reajuste seria pelo INPC (índice de inflação com foco nas classes mais baixas).
Por pressão da equipe econômica, a maioria da Câmara não apoiou esse item. O time do ministro Paulo Guedes (Economia) é contra medidas que impõem aumento automático de despesas.
Líderes de partidos aliados ao Palácio do Planalto atenderam ao pedido do governo e sinalizaram a Aro que o reajuste automático do benefício pago pelo Auxílio Brasil encontra forte resistência na Câmara. Diante desse cenário, o relator recuou
O texto aprovado pela Câmara também retirou a parte que permitia aos beneficiários do programa social contratarem crédito consignado. A proposta era do Ministério da Cidadania e previa que até 30% da renda fossem comprometidos. Essa medida foi derrubada pelo relator após pressão da oposição.
O deputado também propôs que mais beneficiários do programa tenham direito a um bônus em caso de ampliarem a renda familiar. O Ministério da Cidadania quer pagar, por até dois anos, esse valor extra para beneficiários que conseguirem emprego formal (com carteira assinada). Segundo o governo, é uma forma de incentivar que as famílias não dependam mais da renda do programa social.
Pela versão de Aro, o bônus deve ser pago mesmo a beneficiários que atuarem como microempreendedor individual (MEI) e trabalhador autônomo.
No entanto, a ideia do relator é que esse valor extra seja pago em títulos do Tesouro Nacional. O valor acumulado poderia ser resgatado após sair do programa social, perda de emprego ou fechamento da microempresa.
Essa medida foi idealizada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), autor do projeto de Lei de Responsabilidade Social que tramita no Congresso.
Outra sugestão do senador que foi incorporada à MP foi a previsão de metas na área social. Pelo texto, a taxa de pobreza do país, por exemplo, deverá cair para 10% em três anos.
Além de aprovar a MP que cria o Auxílio Brasil, o governo precisa do aval do Congresso para ampliar a margem de gastos no Orçamento e, com isso, cumprir a promessa de Bolsonaro para elevar o benefício médio do programa do patamar atual de R$ 220 por mês para, no mínimo, R$ 400.
A ampliação da margem de gastos se dará pela PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que está em análise no Senado. Com essa PEC, será possível expandir o orçamento do programa para cerca de R$ 86 bilhões no próximo ano, quando Bolsonaro pretende concorrer à reeleição.
As bases do Auxílio Brasil seguem o formato do Bolsa Família. Quem já está no programa criado na gestão do PT será automaticamente transferido para a versão de Bolsonaro.
O programa de Bolsonaro altera a forma de calcular o benefício de cada família. Ao todo, serão nove tipos de benefícios que, ao final da conta, serão reunidos no valor a ser recebido.
No entanto, a principal diferença entre o Auxílio Brasil e o Bolsa Família é a intenção do governo de ampliar a verba para o programa.
De olho nas eleições de 2022, Bolsonaro foi aconselhado por aliados a destinar mais recursos para essa área.
A popularidade dele subiu no auge do auxílio emergencial, mas agora segue em queda —mesmo com o aumento do orçamento do Auxílio Brasil, o novo programa ainda estará longe de alcançar a cobertura de famílias carentes que o auxílio emergencial teve.
A MP do Auxílio Brasil retira recursos destinados às prefeituras para a educação de crianças carentes. O mesmo projeto estabelece o pagamento de voucher diretamente para creches privadas.
Na votação no plenário, os deputados aprovaram apenas um destaque (sugestão de alteração ao texto do relator). A mudança inclui o Cadastro Único na Lei Orgânica de Assistência Social (Loas). Atualmente, esta estrutura está prevista em decreto do Poder Executivo.
O texto aprovado pela Câmara deixa claro que, no Auxílio Brasil, ainda será possível se inscrever no Cadastro Único presencialmente nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) e nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras).
PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE O BOLSA FAMÍLIA E O AUXÍLIO BRASIL
Valor médio do benefício
• Bolsa Família: R$ 190 (até outubro)
• Auxílio Brasil*: R$ 220 (novembro) e mais de R$ 400 (a partir de dezembro)*
Número de famílias atendidas
• Bolsa Família: 14,7 milhões
• Auxílio Brasil*: 17 milhões
Critério de acesso (linha de extrema pobreza e pobreza)
• Bolsa Família: R$ 89 por membro da família (extrema pobreza) e R$ 178 (pobreza)
• Auxílio Brasil**: R$ 105 (extrema pobreza) e R$ 210 (pobreza)
Benefícios (usados para cálculo do valor a ser transferido à família)
• Bolsa Família: havia quatro tipos (benefício básico; benefícios variáveis; benefício variável vinculado ao adolescente e benefício para superação da extrema pobreza)
• Auxílio Brasil: há nove tipos (benefício primeira infância; benefício composição familiar; benefício de superação da extrema pobreza; auxílio esporte escolar; bolsa de iniciação científica júnior; auxílio criança cidadã; auxílio inclusão produtiva rural; auxílio inclusão produtiva urbana; benefício compensatório de transição)
*Plano do governo a partir de dezembro e depende da aprovação da PEC dos Precatórios
**Patamares aprovados pela Câmara e dependem de votação da MP no Senado
Fonte: Ministério da Cidadania
Folha de SP
Hipocrisia se exalta com fala de Lula sobre Ortega, ditador da Nicarágua
Talleyrand e La Rochefoucauld refletem, respectivamente, sobre declaração de petista e reação inflamada de hipócritas
Convido Lula e o PT a uma reflexão com uma frase que já virou um clichê: “Não aprenderam nada nem esqueceram nada”. É atribuída ao diplomata francês Talleyrand ao se referir à volta dos Bourbons e sua turma ao poder na França, no período da Restauração.
E um bom debate se faria se os petistas respondessem com outra frase, igualmente espirituosa e verdadeira, na trilha de La Rochefoucauld: “A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude”.
Vamos sair do mundo das frases para o dos fatos, que lhes conferem valor universal.
Junto-me àqueles que criticam duramente as afirmações feitas por Lula ao jornal El País sobre o nicaraguense Daniel Ortega. Ainda que repise argumentos, vá lá: Angela Merkel e Felipe González disputaram eleições limpas, seus adversários não estavam na cadeia, e o Poder Judiciário de seus respectivos países não eram formados por bonecos de mamulengo de um ditador.
Assim, não faz sentido associar os seguidos mandatos de Ortega —que fraudou a Constituição em conluio com juízes escolhidos a dedo— à longa permanência no poder daqueles dirigentes.
Ademais, como já se verifica, trata-se de um erro de operação política que nem mesmo faz justiça à atuação de Lula como presidente.
Se quisesse, teria mudado a tempo a Constituição para disputar um terceiro mandato, para o qual teria sido reeleito no primeiro turno. Escolheu outro caminho. Dilma sofreu um processo de impeachment, e o PT deixou o poder pacificamente. Foi fazer a luta política.
Os governos petistas mantiveram relações amistosas com ditaduras, a exemplo dos que os antecederam. Não é assim mundo afora? Como é mesmo, Deng Xiaoping? “Não importa se o gato é preto ou branco, contanto que cace ratos”.
O Brasil não tem de escolher o regime dos países com os quais se relaciona, embora, entendo, deva se alinhar, nos fóruns multilaterais, com a defesa da democracia e dos direitos humanos.
Ou venderemos soja, carne e ferro apenas a regimes democráticos, condição para que importemos sua tecnologia? A pergunta é meramente retórica. A que vem a condescendência de Lula com o governo da Nicarágua?
Ecos, entendo, de um mundo que nem existe mais, como já não existia aquele da Restauração: seu modo de ser era a evidência de sua inviabilidade. Agora vamos a La Rochefoucauld.
Eu me indignei, sim, quando Lula afirmou não saber por que os adversários de Ortega estão presos. Quando menos, esperava dele empatia e solidariedade com aqueles que são encarcerados por motivos políticos.
Afinal, no Brasil democrático, ele próprio foi condenado por um juiz parcial e incompetente, por intermédio de uma sentença sem provas. O então magistrado fez questão de deixar claro, em embargos de declaração, que não as tinha.
Reportagens da Vaza Jato e dados da Operação Spoofing apontaram o conluio entre juiz e MPF, numa violação inquestionável do sistema acusatório. Que coisa! As personagens centrais da Lava Jato disputarão o poder em 2022.
Sete meses depois de mandar Lula para a cadeia, Sergio Moro aceitou ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Seis dias antes do primeiro turno de 2018, divulgou trechos selecionados da delação picareta — data venia! — de Antonio Palocci. Ao postular a sua candidatura à Presidência, o agora ex-juiz propõe um certo Tribunal Superior Anticorrupção e oferece a Ucrânia como exemplo.
Engana-se quem acha que estou justificando ou minimizando as declarações do líder petista. Para citar Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição de 1988 —frase vivificada no excelente documentário “8 Presidentes, 1 Juramento”, de Carla Camurati—, tenho “ódio à ditadura; ódio e nojo”. A qualquer uma.
Mas lastimo o rigor salta-pocinhas de supostos liberais, que se escandalizam com uma declaração inaceitável sobre o governo da Nicarágua, mas confundem, no Brasil, o devido processo legal com impunidade, condescendendo com um justiceiro que colaborou para a corrosão do processo democrático e que agora se lança como o restaurador da ordem, cavalgando um tribunal de exceção.
Sempre espero que políticos aprendam alguma coisa. E tenho tolerância zero com hipócritas.
Valor
Mandetta recua e Bivar pode ser vice de ex-juiz
Presidente da nova sigla administrará fundo bilionário
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta sinalizou que está fora da disputa presidencial e a cúpula do União Brasil quer o presidente da futura sigla, Luciano Bivar (PSL), como vice em uma chapa encabeçada pelo ex-ministro Sergio Moro (Podemos). O União Brasil é uma sigla em processo de consolidação. Será formado pela fusão do PSL com o DEM. O novo partido concentrará verba superior a R$ 1 bilhão em fundos eleitoral e partidário.
Em um jantar na terça-feira que reuniu Mandetta com dirigentes de PSL e DEM, o ex-ministro da Saúde chegou a cogitar a intenção de concorrer a deputado federal pelo Mato Grosso do Sul e disse que vai ajudar a estruturar o partido no Estado, com foco em composições visando a corrida presidencial.
O encontro contou com Bivar, o futuro vice-presidente do União Brasil, Antônio Rueda, o secretário-geral da nova legenda, ACM Neto, e o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). O encontro teve um momento tenso, conforme apurou o Valor. A disposição eleitoral de Bivar teria deixado Mandetta contrariado. O ex-ministro se colocava até ontem na condição de presidenciável, e era um dos articuladores das conversas entre outros partidos que pretendem encabeçar uma grande chapa da chamada “terceira via”.
Ao portal G1, Bivar confirmou a desistência de Mandetta. “Ele disse que prefere disputar cargo no Legislativo do Mato Grosso do Sul. Não descartamos apoiar ninguém, entram no radar MDB, PSDB e Podemos, com Moro. Mas também poderemos ter candidatura própria”, afirmou.
Nas redes sociais, Mandetta disse que permanece “à disposição” para a eleição presidencial de 2022. “Eu sempre disse que posso ser candidato ou posso apoiar outro candidato”. O ex-titular da Saúde afirmou também que “a fusão de DEM/PSL vai amadurecer”.
A articulação para que Bivar seja o vice de Moro não é nova. Começou no fim de outubro por intermédio dos deputados Junior Bozzella (PSL-SP) e Renata Abreu, presidente nacional do Podemos. Naquele mês, Bozzella conversou com Moro por telefone sobre uma aliança visando a eleição presidencial, quando o ex-ministro da Justiça ainda vivia nos Estados Unidos e atuava como consultor do escritório Alvarez & Marsal, que atua em recuperações judiciais.
No início de novembro, com a sua equipe de campanha já montada, Moro retornou ao Brasil. Bozzella intermediou o encontro de Bivar com o ex-juiz, que foi informado pelo futuro dirigente do União Brasil sobre a intenção de ser vice na chapa presidencial.
Procurado, Bozzella afirmou que não participou do jantar com Mandetta e que não poderia comentar. Mas disse que o encontro serviu como “freio de arrumação” em razão da indefinição sobre a prévia presidencial do PSDB e do crescimento da intenção de votos em Moro, segundo recentes pesquisas. “Está todo mundo tentando recalcular a rota, a impressão que eu tenho é que há um recolhimento de cacos de tudo que é lado”, disse.
Valor (análise)
Sem tucanos, Moro estrutura terceira via
Em 14 anos, PT não fez ao PSDB o que Bolsonaro causou em três
Se o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) tinha dúvida sobre a que cargo concorrer em 2022, dada a inexperiência política e a facilidade de se eleger ao Senado, a crise nas hostes tucanas o empurrou para a roda da corrida presidencial. Quanto maior o fiasco nas prévias do PSDB, enredado em sucessão de equívocos, menor é a propensão de Moro figurar como coadjuvante na eleição do próximo ano.
O ex-ministro virou a tábua de salvação da terceira via. Ninguém, nos últimos dias, o cogita mais como vice, um “conge” ideal para a chapa ao Planalto. A posição antes privilegiada do PSDB, de vertebrador do “centro democrático” – expressão curiosa que implicaria a existência de um “centro não democrático” – vai se desfazendo.
O partido que representa um legado de políticas públicas ao país, responsável por controlar a hiperinflação e primar pela responsabilidade fiscal, não consegue organizar, por falhas tecnológicas, uma mera eleição com filiados para escolher seu pré-candidato a presidente. Com essa habilidade, o que fará o PSDB para aglutinar as forças que se movem contra os favoritos Lula e Bolsonaro?
Capacidade de gestão começa em casa. A imagem cultivada pelos tucanos nas últimas décadas é posta à prova. Mas se falta eficiência técnica, a situação não é melhor no que diz respeito a coesão política e apoio no eleitorado.
As prévias expuseram as vísceras de uma legenda dilacerada de variadas maneiras. Primeiro, com o facciosismo que separa os principais líderes: os presidenciáveis João Doria e Eduardo Leite, governadores de São Paulo e Rio Grande do Sul, respectivamente, e o fantasma de Aécio Neves a pairar sobre os destinos do partido. A aliança entre Aécio e Leite mostra como o velho faz sombra ao novo. Nas palavras do ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio, o mineiro seria a “maçã podre” a estragar o PSDB.
São muitas as raízes, mas a tragédia em torno da trajetória de Aécio é ponto central para a crise tucana. Foi crucial o erro de cálculo ao radicalizar após a derrota para Dilma Rousseff em 2014. Ao contestar o resultado e apostar no impeachment, aquele que seria o beneficiário natural da iminente queda do petismo nas urnas em 2018 abriu caminho para sua própria ruína. Feitiço contra o feiticeiro.
Com o mandato tampão de Michel Temer (MDB), o PSDB tornou-se sócio da administração mais impopular desde a redemocratização e entrou no dilema – o mesmo que o aflige agora – entre ser governo ou oposição. Subalternizou o projeto próprio à Presidência em troca de emendas e ministérios. Representou para Temer o que o MDB havia sido para o PT, com a presunção adicional de que seria o próximo da fila.
Antes da saída tardia da base de apoio, o abalo sísmico. Aécio, então principal líder do partido, quase presidente eleito em 2014, cai em desgraça quando vem à tona o áudio da conversa em que acertava com Joesley Batista, dono da JBS, num linguajar de submundo, o pagamento de R$ 2 milhões para honrar honorários com seus advogados. O episódio levou de roldão todo o discurso de suposta ética em que a maioria do eleitorado tucano confiava para se diferenciar da corrupção mais alardeada do PT.
Em segundo lugar, a divisão tucana não é apenas pelo poder interno. Reflete a mudança de perfil ideológico por que passou ao longo das décadas, de um partido social-democrata, centrista até chegar ao conservadorismo que compactua com a extrema direita bolsonarista.
Embora tenha migrado para a oposição ao presidente, o governador de São Paulo fez campanha marcada pela dobradinha BolsoDoria, ainda fresca na memória. Eduardo Leite, por sua vez, também declarou voto a Bolsonaro e não esconde estar próximo de uma agenda governista no Congresso.
O PSDB de figuras históricas, como Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso, ou morreu ou está distante da vida partidária. Por outro lado, é de difícil sustentação o argumento segundo o qual o partido envelheceu e carece de renovação.
Doria e Leite, os dois protagonistas das prévias, representam uma troca de guarda para o manjado rodízio que havia entre Serra, Alckmin e Aécio pelos cargos mais cobiçados nos maiores redutos eleitorais de São Paulo e Minas Gerais e à Presidência. Mas foi transição à direita, estranha à origem e eivada de práticas antigas, que em pouco contribuiu para a união partidária.
Vide o duelo de criador e criatura em que um ativo importante da agremiação como Alckmin foi rapidamente descartado por Doria, seu apadrinhado. O ex-governador arrancou a candidatura presidencial em 2018 – também almejada por Doria – mas herdou todo o desgaste de imagem e do clima antipolítica estimulado pelo partido e que terminou por favorecer Bolsonaro. Os míseros 4,7% das urnas há três anos são até mais do que Doria e Leite registram hoje em algumas pesquisas.
Apesar disso, as prévias tucanas ganharam destaque no noticiário, em razão da história do PSDB e da busca incessante por uma alternativa a Lula e Bolsonaro. No entanto, o que a disputa interna comprova – e as votações no Congresso já vinham indicando – é que parte relevante da legenda não prioriza mais o projeto nacional. É um terceiro tipo de divisão, em que o sobrevivente Aécio opera para converter o PSDB em mais uma sigla fisiológica, como tantas do Centrão.
O que o petismo não causou aos tucanos durante 14 anos, o bolsonarismo derruba em menos de três. Para piorar, nem com a perspectiva de desidratação de Bolsonaro a expectativa de poder volta ao colo do PSDB. É para o neófito Moro que se dirige a atenção da terceira via.
De modo análogo ao que ocorre pós-eleição num modelo parlamentarista, é aquele que liderar as intenções de votos que terá a preferência de formar e encabeçar possíveis alianças. Não à toa o União Brasil, que resultará da fusão entre PSL e DEM – sintomaticamente um parceiro que saiu da órbita do PSDB – cogita oferecer seu pré-candidato, Luiz Henrique Mandetta, para vice de Moro.
O ex-juiz participou ontem da cerimônia de filiação ao Podemos do general Santos Cruz, também ex-ministro de Bolsonaro. Na direita, a plumagem do tucanato sai de moda em prol da toga e mantém a farda.
Cristian Klein é repórter da sucursal do Rio
Folha de SP
Bolsonaro diz que acerto com PL é de nenhuma aliança com partido de esquerda
Sigla de Valdemar Costa Neto apoia governos de oposição em estados do Nordeste, como Piauí
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, nesta quinta-feira (25), que acertou com Valdemar Costa Neto, presidente do PL, que o partido não fará coligação com partidos de esquerda nos estados.
A legenda, à qual o mandatário deve se filiar no próximo dia 30, como ele próprio confirmou na quarta-feira, já tinha acordo em estados do Nordeste com legendas de esquerda, em especial com o PT.
“Foi acertado aqui [com Valdemar], não haverá qualquer coligação com partido de esquerda nos estados, isso está definitivamente acertado”, disse o presidente em entrevista à rádio Sociedade da Bahia. O mandatário disse ainda que o discurso entre ele e Valdemar está “bastante afinado”. A apresentadora havia questionado ao presidente como explicar as alianças de esquerda do PL aos seus eleitores conservadores.
O mandatário acertou sua ida para a sigla em reunião com o dirigente na terça-feira. A legenda já havia anunciado data (22 de novembro) anteriormente, quando Bolsonaro disse estar “99% fechado”, mas foi adiada por divergência no palanque dos estados, em especial no Nordeste e em São Paulo.
Valdemar articulou, na semana passada, uma carta branca dos diretórios estaduais para dar a ele a total prerrogativa de conduzir as negociações com Bolsonaro e rever, eventualmente, acordos já firmados. A medida abriu caminho para retomar as conversas com o chefe do Executivo.
Bolsonaro confirmou nesta quinta também que a negociação em torno de São Paulo passou pela candidatura do ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) para o governo do estado, como a Folha mostrou.”Foi discutido, sim, com Valdemar Costa Neto e com o próprio Tarcísio. Essa é uma possibilidade”, disse à rádio. “Não temos nomes para todo o Brasil, mas buscaremos a melhor maneira possível de coligar nomes que interessem para os respectivos estados”.
Para filiar Bolsonaro, Valdemar deixou costuras da eleição paulista nas mãos do mandatário e aceitou lançar Tarcísio. A definição da chapa, porém, depende ainda de uma resposta do ministro, que resiste a enfrentar a empreitada. A expectativa no entorno do presidente é que Tarcísio dê uma resposta até o dia 30, quando Bolsonaro se filiará ao PL. A chapa dos sonhos de Bolsonaro tem Tarcísio para o governo do estado e Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, para o Senado.
Estadão
OAB de São Paulo elege Patrícia Vanzolini, primeira mulher a presidir a entidade em 91 anos
A Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP) elegeu nesta quinta-feira, 25, a criminalista Patricia Vanzolini para presidir a entidade no próximo triênio. Ela é a primeira mulher a ocupar o cargo desde a fundação da seccional, em 1930.
“Mais do que representar a primeira mulher no comando da maior seccional do País, reconheço o peso da responsabilidade que é reconstruir a OAB com meu compromisso de atuar na defesa intransigente das prerrogativas de todos os advogados e da valorização da profissão, do primeiro ao último dia de meu mandato”, disse em nota após o resultado.
A corrida pela direção da OAB-SP, a maior seccional da Ordem no País, chega ao fim em meio a uma atmosfera beligerante, que durou até as últimas horas de votação e apuração, com acusações de boca de urna irregular e fraude.
Os ataques da oposição direcionados ao atual presidente, Caio Augusto Silva dos Santos, que almejava a reeleição, também deram o tom da disputa. Ele liderava a contagem nas primeiras horas de apuração, até que começou a perder vantagem com pouco mais de metade das urnas contabilizadas, terminando em segundo lugar.
Patrícia também desbancou os candidatos Alfredo Scaff, Dora Cavalcanti e Mário de Oliveira Filho. “O momento é de união e responsabilidade, com o compromisso de atuar para todos os advogados, independentemente da chapa que eles defenderam neste pleito”, prega a presidente eleita.
Além da disposição para o embate, a eleição interna foi marcada por tentativas dos candidatos de se desvincularem de associações político-partidárias que pudessem rachar sua base de votos. O impeachment do presidente Jair Bolsonaro, abertamente discutido pelo Conselho Federal sob a presidência de Felipe Santa Cruz, não foi deliberadamente abordado nas campanhas. Desde a redemocratização, a OAB apoiou a destituição dos ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Ao contrário de outras seccionais, a OAB-SP decidiu manter a votação presencial a despeito da pandemia, o que também gerou reação contra a atual gestão. A Comissão Eleitoral preferiu seguir com o padrão adotado em anos anteriores, com urnas eletrônicas inclusive nas subsecções onde que o voto era depositado em cédula, sob o argumento de que o modelo virtual seria arriscado. Cada urna transmitiu o resultado para a sede, na capital paulista, que disponibilizou os votos praticamente em tempo real. Os fiscais das chapas acompanharam a contagem no prédio.
A eleição deste ano é a primeira que as chapas precisaram respeitar a paridade de gênero e a reserva de 30% dos cargos para advogados negros e pardos, seguindo resolução aprovada pelo Conselho Federal. A divisão equilibrada foi apoiada por Patrícia, que chegou a sugerir a ampliação das políticas inclusivas para atender também pessoas com deficiência e LGBTQIA+.
A criminalista ainda trouxe como bandeiras a redução da anuidade, a modernização da seccional e a valorização da classe. No discurso de lançamento da candidatura, ela chegou a dizer que a relação da entidade com os associados chegou ao ‘fundo do poço’ na pandemia.