Com alta da inflação pela 22ª semana, famílias cortam itens básicos da alimentação
O Boletim Focus divulgado na última sexta-feira (3) mostra que a expectativa do mercado é que a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegue a 7,76% este ano, superando por muito a meta de inflação do governo Bolsonaro.
O documento registra ainda que essa é a 22ª vez consecutiva em que a projeção da inflação sobe. O que indica que a situação ainda pode piorar nos próximos meses.
Apenas no mês de agosto, a inflação medida pelo IPCA foi estimada em 0,89% (e confirmada hoje pelo IBGE em 0,87%) e já supera 9% no acumulado em 12 meses. O IPCA mede a inflação de alimentos, energia e outros bens de consumo. Além dele, o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), que impacta o reajuste dos aluguéis, está estimado em 19,31% este ano.
No dia a dia das famílias os diferentes índices de inflação são traduzidos em dificuldades: menos comida no prato, exclusão de vários itens e escolher que conta pagar. Moradora de Parelheiros, no extremo sul da capital paulista, a pedagoga Ariana Costa, mãe solo de duas meninas, relata que vem precisando escolher entre pagar uma conta ou comer determinado item. Segundo ele, vários produtos já foram cortados da compra mensal.
No limite
“Tenho percebido que tem ficado tudo muito caro. Já tivemos que escolher entre comprar um nuggets para as crianças e ter que pagar uma conta, por exemplo. Antes eu conseguiu me virar com R$ 1 mil, fazer a compra do mês. E no mês passado eu tive que passar R$ 1.300 e ainda assim faltaram coisas para o mês. Está bem complicado, diminuímos um pouco no feijão. No final do mês começa a faltar as coisas, a partir do dia 25 já começa a faltar o arroz, o feijão, o sabão para lavar uma roupa e tem ficado cada vez pior”, lamenta Ariana.
A pedagoga explica que antes, “com o (botijão de) gás a R$ 89, já estava difícil. Agora com o gás a R$ 105 está bem mais difícil ainda. (…) Mesmo que a gente aperte na alimentação ainda fica umas contas que você tem que tirar uni-duni-tê para você ver qual vai pagar ou qual vai deixar, porque está tudo muito caro”, descreve.
A situação não é diferente no interior paulista. Desempregada, a professora Jociara Keila da Silva, moradora do município de Araras, teve que deixar de comprar frutas e outras coisas que os três filhos gostam para conseguir manter o básico.
Desvalorização dos salários
“Vamos no mercado com R$ 150 para comprar comida, arroz e feijão. Falo esse valor porque é que conseguimos ter normalmente para ir ao mercado aqui, de R$ 150 a R$ 200, e não consigo comprar nada. Deixei de comprar algumas coisas, em casa sucrilhos eles (filhos) não comem mais. Fruta faz algum tempo (também). Eles comem quando os estão no sítio da avó deles, gosto de dar frutas para ele, mas não estou conseguindo. (…) Você precisa de arroz, feijão, salsicha, ovo, frango e nem passo perto da carne, que é bom, mas não conseguimos comprar”, conta Jociara.
O professor de economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Guilherme Mello explica que a inflação no Brasil tem sido mais severa por conta da forte desvalorização cambial no governo Bolsonaro, que levou o dólar a custar mais de R$ 5. O especialista explica que, com a taxa básica de juros muito baixa, isso também afastou investimentos. Assim como outras condições, como a forte seca e o custo da energia elétrica e dos combustíveis, também influenciam nessa situação de alta.
O impacto nas famílias é ainda mais grave devido ainda ao alto desemprego e aos trabalhos precários, que reduzem os ganhos das famílias deixando-as mais vulneráveis, observa Mello.
Inação do governo
“Ou seja, as pessoas não estão conseguindo fontes de renda confiáveis, seguras e estáveis, não tem. E ainda por cima a pouca renda que elas conseguem é corroída pela carestia. Em particular, a inflação está muito concentrada em itens da cesta básica de consumo que são típicas das famílias trabalhadoras mais pobres, alimentos, em primeiro lugar, energia, o botijão de gás e em parte os combustíveis que têm um impacto sobre toda as cadeias produtivas. E o impacto disso, obviamente, é muito duro sobre a população. E também porque os salários, como se precarizou muito o mercado de trabalho, não acompanham a inflação”, destaca.
O professor de economia ressalta ainda que o governo Bolsonaro não toma as medidas necessárias para reverter a situação. E mesmo as poucas alternativas que vêm sendo anunciadas, como aumento da taxa básica de juros, devem agravar a situação.
Além dos dados de inflação, o Boletim Focus registrou uma nova redução na expectativa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, bem como um aumento no preço do dólar, condições que podem agravar ainda mais a situação.