Com Bolsonaro e Paulo Guedes, economia não melhora até as eleições
Especialistas ouvidos pela RBA afirmam que, durante a campanha, presidente e ministro terão que explicar a “epidemia” de desemprego e precarização, inflação nas alturas e o apagão dos investimentos
Após três anos, “superministro” é visto como Incompetente politicamente e atrasado intelectual mente
Paulo Guedes chegou ao governo com status de “superministro”. Hoje, o comandante da Economia parece ter jogado a toalha. Com a aproximação das eleições, as ditas “reformas” pretendidas pela equipe econômica têm cada vez menos chance de passar, assim como as tentativas de privatização. Nesse sentido, ganha o país, já que tratam-se de propostas contrárias aos interesses da população. Por outro lado, o “Posto Ipiranga” de Bolsonaro tem pouco a expor na vitrine durante a campanha. E muito a esconder.
Para desgosto dos seus apoiadores liberais, foi com Paulo Guedes que o teto de gastos virou praticamente uma peça de ficção. Para burlar o arrocho fiscal defendido por eles mesmos, também foi preciso dar uma espécie de calote nos precatórios. Ainda assim, o país vive uma “epidemia” de desemprego e precarização do trabalho. Além disso, a inflação de mais de dois dígitos não dá sinais de recuo. Como consequência, a taxa básica de juros explodiu, complicando ainda mais a vida das famílias e das empresas endividadas.
O resultado é que oito em cada 10 brasileiros reprovam a atuação de Bolsonaro no combate à inflação, de acordo com recente pesquisa Genial/Quaest. A maioria também desaprova o “jeito” que o presidente lida com a geração de emprego. E não há sinais que apontem para a melhora do quadro econômico que seja capaz de suavizar esse desgaste.
Pelo contrário, o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta crescimento de 0,3% para o Brasil em 2022, a menor taxa entre 30 países desenvolvidos e em desenvolvimento. E especialistas ouvidos pela também não acreditam em qualquer possibilidade de reversão dessas tendências no curto prazo.
Ilusão e realidade
Para o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luis Oreiro, “vamos continuar com desemprego alto, inflação alta e economia estagnada”. O economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vai na mesma direção. “Temos uma combinação perversa de indicadores que, de fato, sinalizam o buraco que a economia brasileira se encontra.” E eles não poupam críticas a Guedes.
“Com a ruptura do teto de gastos pelo suposto ministro liberal, a Faria Lima, o pessoal do mercado financeiro, ficou sem uma referência. É uma desilusão que começou a aflorar ainda em 2020, logo no início da pandemia. E veio se acirrando”, diz Roncaglia.
“A concepção do governo era liberal. Agora, a sociedade brasileira não é liberal. Se você perguntar o que o povo brasileiro espera do governo, vão dizer que querem saúde, educação, transporte público, uma vida digna etc. No fundo, o perfil do eleitor mediano brasileiro é um perfil que quer mais Estado na economia, e não menos”, critica Oreiro.
Ele afirma que Paulo Guedes sofre de uma “deformação ideológica” e tem uma formação intelectual atrasada, ao ainda apostar nos preceitos liberais defendidos pela Escola de Chicago durante a década de 1970, que não vigoram mais “em nenhum lugar do mundo, diga-se de passagem”. “Ele chegou com um conjunto de diagnósticos para a economia brasileira que estava essencialmente errado”.
Para Roncaglia, o ministro da Economia foi “inepto” e “incompetente” politicamente. Isso porque contava a seu favor com “o Congresso mais conservador da história”, majoritariamente simpático à sua agenda liberal “Ele tinha a faca e o queijo na mão”, disse o professor. Ele destacou que Guedes “jogou a toalha” quando disse recentemente ao jornal O Estado de S.Paulo que “faltou apoio para a agenda liberal”.
Inflação e juros
Ambos destacam que a aceleração dos preços vem sendo causada principalmente por fatores externos, relacionados à pandemia. Nos Estados Unidos, por exemplo, O Consumer Price Index (CPI) – principal índice de inflação ao consumidor – chegou a 7,5% nos últimos 12 meses. A zona do euro também fechou 2021 com o recorde de 5% de inflação. A diferença, contudo, é a política monetária que foi adotada.
Por aqui, o Banco Central optou por elevar drasticamente a taxa Selic, saltando de 2% em meados do ano passado para os atuais 10,75% ao ano. Enquanto Federal Reserve (FED) e o Banco Central Europeu têm mantido as taxas juros nos mais baixos níveis.
Roncaglia explica que essa subida acelerada dos juros acaba sacrificando a produção e o emprego. Com as dívidas mais caras, sobra para os trabalhadores, já que as empresas preferem demitir, alegando corte de custos, ampliando o desemprego. Oreiro também afirma que a alta dos juros não vai ter efeito direto sobre a inflação, o que vai acabar colocando “mais lenha na recessão”.
Ainda que o Banco Central tenha se tornado independente, foi Paulo Guedes quem escolheu Roberto Campos Neto. Então, o descontrole inflacionário e a resposta equivocada com a subida dos juros acaba também respingando na equipe econômica do governo. Além disso os economistas também apontam para o “custo Bolsonaro”.
Falta investimento
O negacionismo durante a pandemia, a política ambiental “absurda”, com recorde de desmatamentos, além dos recorrentes ataques às instituições democráticas pelo presidente acabam afugentando os investidores estrangeiros. Sem a entrada desses capitais externos, o real se desvaloriza, o que tem impacto direto na inflação.
“Isso tudo forma um cenário que faz com que os investidores olhem para o Brasil como algo a fugir”, afirma o Roncaglia. “Esse ‘custo Bolsonaro’ fez com que o dólar, que estava em R$ 4,10 em 2022, passasse para R$ 5,80 recentemente”, acrescenta Oreiro.
Outro fator que contribui primordialmente para o atual cenário de estagnação é a retração no investimento público. Em 2022, o Orçamento Federal aprovado pelo Congresso prevê apenas R$ 44 bilhões para outras de infraestrutura e outros investimentos. É o menor patamar de toda a história recente. A saída, de acordo com os especialistas, passa necessariamente pela revogação do teto de gastos. Mas não apenas.
Durante o governo Bolsonaro, parte significativa das verbas federais foram capturadas pelo Centrão, por meio das emendas de relator. “É isso que a gente está vendo com o orçamento secreto, com emendas que ninguém sabe para onde vão”, critica Roncaglia.
“Do Temer para frente, se olhar as emendas e os investimentos, você vê que enquanto as emendas parlamentares sobem, o investimento público cai. Isso não é só efeito do teto de gastos. Mas da disfuncionalidade do sistema político brasileiro nesse período”, aponta Oreiro. Ele critica Guedes e sua equipe, que acreditavam que o espaço deixado pela retração do Estado nos investimentos seria preenchido pelo capital privado, outra ideia considerada “ultrapassada”.
OCDE como miragem
No fim de janeiro Guedes comemorou a aprovação prévia do Brasil para os processos de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Os economistas, no entanto, não consideram esse um feito relevante. Pelo contrário. Ambos afirmam que uma eventual entrada do país no “Clube dos Ricos” restringiria ainda mais os instrumentos de política econômica.
Por exemplo, o país teria de aceitar a participação de empresas multinacionais nos programas de compras governamentais, tendo que abrir mão desse importante instrumento para incentivar determinas áreas e setores da economia. Além disso, teria ainda de fazer adequações legislativas de proteção ambiental e de combate à corrupção, o que não parecem prioridades do atual governo.
“Para os liberais, isso soa a melhor coisa possível. Desde uma família rica que quer ter offshore com facilidade, a fundos de investimentos que querem entrar e sair rapidamente, sacrificando a disciplina sistêmica de um projeto de desenvolvimento. Isso já é repudiado inclusive pelo FMI”, explica Roncaglia. “O Brasil vai perder autonomia em política cambial e monetária com a entrada na OCDE. E no final das contas, não temos nenhum benefício. A OCDE não tem recursos para investir no Brasil. É só um selo”, disse Oreiro.