Como ‘abrasileirar’ os preços dos combustíveis?

Para o economista Cloviomar Cararine (Dieese/FUP), preços importados não fazem o menor sentido num país que está entre os dez maiores produtores de petróleo

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O papel da Petrobras na definição dos preços dos combustíveis deve ser um dos temas centrais das eleições em 2022. Isso porque a alta dos derivados do petróleo nos últimos anos tem impactado diretamente no aumento da inflação, corroendo o poder de compra da população. E não apenas os motoristas são afetados. Num país predominantemente rodoviarista, os custos com os transporte acabam refletindo nos preços de todos os demais setores, desde os alimentos aos produtos adquiridos pelo comércio eletrônico. E o eleitor sabe quem são os principais responsáveis.

Em pesquisa FSB/BTG Pactual no final de março, 51% dos entrevistados apontam o governo Bolsonaro como o principal culpado. Outros 22% indicam que a culpa é da política de preços da Petrobras. Na prática, esses dois fatores são a mesma coisa. Bolsonaro trocou pela segunda vez o comando da estatal, mas, ao que tudo indica, deve manter a política de dolarização dos preços dos combustíveis.

Nesse sentido, Bolsonaro teria prometido inclusive a Adriano Pires, escolhido como novo presidente da Petrobras, que pretende privatizar a estatal num eventual segundo mandato. Ele não é o único. O pré-candidato do PSDB, João Doria, também propõe se livrar da maior empresa do país.

Por outro lado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sinalizado que a Petrobras deve voltar a ter papel estratégico, caso vença as eleições. Da mesma maneira, ele sinalizou, em inúmeras oportunidades, que pretende “abrasileirar” os preços praticados pela estatal, pondo fim ao Preço de Paridade Internacional (PPI), implementado em outubro de 2016, após o golpe do impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.

Preços dos combustíveis nunca foram tão altos

Desde então, o comando da Petrobras decidiu concentrar as atividades da empresa apenas na extração do petróleo do pré-sal. Como parte desse projeto, Temer e Bolsonaro entregaram à iniciativa privada subsidiárias importantes, como a BR Distribuidora e a Liquigás. Além disso, duas das 14 refinarias já foram vendidas. A intenção é privatizar outras seis. O resultado é que o Brasil se tornou autossuficiente na produção de petróleo, enquanto os preços dos combustíveis nunca foram tão altos.

Para o economista Cloviomar Cararine, da subseção do Dieese na Federação Única dos Petroleiros (FUP), para “abrasileirar” os preços dos combustíveis é ter uma Petrobras fortalecida, e não fatiada. “É preciso ter uma presença estatal forte no setor, produzindo petróleo com um custo menor”. Ele defende, por exemplo, a reversão da privatização da BR Distribuidora e das refinarias. “Para que possamos ter, da produção ao refino, até a distribuição, numa só empresa estatal, para que o Estado possa proteger a população, com preço menor”.

Não faz o “menor sentido”, segundo ele, um país que está entre os dez maiores produtores de petróleo se comportar como se importasse todo o combustível consumido. O parque de refino brasileiro também está entre os maiores do mundo. E 94% do petróleo refinado no país é de origem nacional. Além disso, os custos de extração e refino caíram 8,5%, nos últimos três anos. Em dólares, a queda nos custos de produção do barril de derivados chega a 32%.

Jaboticaba

“Nos países que são grandes produtores de petróleo, a política é sempre orientada para proteger a população, reduzindo o preço ao consumidor. Basta pegar, por exemplo, o que está acontecendo agora nos Estados Unidos”, disse Cararine. O governo estadunidense anunciou nesta semana que vai liberar 30% das suas reservas estratégicas para tentar conter a alta do petróleo no mercado internacional.

“No caso brasileiro a gente viu o absurdo do governo anunciar aumento da produção de petróleo, segundo o ministro de Minas e Energia, mas a intenção não é reduzir o preço na bomba. O objetivo é aumentar a produção pra exportar pros americanos”, criticou Cararine. “O Brasil nesse caso é uma jabuticaba. Tem condição de ter um preço menor, mas não faz isso”.

Custos em reais, venda em dólar

Uma das funções funções do PPI, de acordo com Cararine, é justamente tornar as refinarias da Petrobras atraentes para eventuais compradores. O petróleo extraído pela própria Petrobras, quando é repassado às refinarias, é cotado em dólar. “Hoje a refinaria ‘compra’ petróleo da Petrobras a preço internacional, com a influência do dólar. Não era pra isso acontecer. Isso só acontece por conta dessa estratégia de praticar preços internacionais pra poder favorecer a venda das refinarias.

Ao mesmo tempo, os custos de produção, segundo o especialista, são quase 100% em reais. “Porque você utiliza os trabalhadores do Brasil, que recebem reais. Nas refinarias, todo o seu custo de energia elétrica, água, bem como os impostos, são em reais”, afirmou. “Como os custos de produção e refino vem caindo, a gente deveria ver nesse momento uma redução do preço da gasolina, do diesel. E isso não acontece.”

Cararine também cita, com base em relatório da Agência Nacional de Petróleo (ANP), que o Brasil precisaria de pelo menos mais três refinarias de grande porte. É preciso ampliar principalmente a capacidade de refino do diesel, já que 30% do combustível consumido no país é importado. Ele lembra que desde 1997, com a Lei do Petróleo aprovada durante o governo FHC, o capital privado pode atuar no refino. No entanto, “nenhuma outra empresa, além da Petrobras, construiu refinarias nesse país”, ressaltou. “Porque se trata de um investimento altíssimo, e quem faz é o Estado. Portanto, é o Estado que deveria gerir depois”.

Embate político

De acordo com Cararine, resgatar a Petrobras como empresa integrada, “do poço ao posto”, passa pelo enfrentamento político aos acionistas da estatal. Porque tanto a venda de ativos como a dolarização dos preços dos combustíveis garantiram lucros exorbitantes para esses grupos nos últimos anos. No último ano, a rentabilidade da Petrobras é a segunda maior do mundo, atrás apenas da saudita Aramco.

“Vale destacar que 40% desses acionistas são estrangeiros. Mas os investidores hoje têm o controle do Conselho de Administração da Petrobras. É o mercado que dirige a estatal. Então eles não vão querer abrir mão desses lucros imensos”, afirmou.

Outro empecilho é o próprio governo, segundo ele. “A leitura que esse governo faz, e isso já vem desde o Temer, é que setor de petróleo que tem que ser concorrente. Só que não existe concorrência nesse setor em lugar nenhum do mundo”, criticou. “O Estado hoje encara a economia como se fosse um mercado, todos em concorrência. Mas não é assim. Essa é a outra grande dificuldade que a gente precisa enfrentar”.

Da Rede Brasil Atual.